Jornalista preso por engano na ditadura lança livro: 'Filme de terror'

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No dia 4 de setembro de 1973, o jornalista Alexandre Solnik foi preso sem nenhuma explicação. Durante 45 dias, presenciou os horrores da violência e tortura contra presos políticos. Práticas comuns para um país que vivia sob a ditadura militar desde o Golpe de 64.

Em 'O dia em que conheci Brilhante Ustra', lançamento da Geração Editorial, Solnik contextualiza o Brasil da época, onde a sociedade vivia os horrores do regime e grupos de luta armada enfrentavam o governo — que combatia os protestantes com repressão, prisões ilegais, tortura e mortes; sendo que muitas das vítimas inocentes permanecem desaparecidas até os dias de hoje.
Filho de imigrantes ucranianos, Alexandre Solnik narra sua história dia a dia, trazendo as lembranças de sua família na Ucrânia, na extinta União Soviética e também no Brasil.
"Eu e minha família fugimos de uma ditadura e caímos em outra", diz em entrevista por e-mail.
Sou contra todas as ditaduras. Nenhum jornalista pode ser a favor. Porque as ditaduras calam jornalistas. E matam", continua.
A prisão sem motivo
Em 1973, Solnik foi preso sem nenhuma explicação, provavelmente por ser confundindo com um "hippie da Ação Popular", a AP, um grupo de luta armada da época. "Quando a irmã guerrilheira de um amigo meu foi presa, ele, que não era, começou a ser seguido e como ele me visitava frequentemente, minha casa passou a ser um alvo", especula sobre o motivo de sua detenção, que durou 45 dias.
"Eu estudava Cinema na Escola de Comunicações da USP e era freelancer na Editora Abril, redigindo fascículos que eram a coqueluche da época, como Mitologia, Conhecer e muitos outros. Estudante da USP, jornalista freelancer, ucraniano, cabeludo e judeu era para a repressão o perfil de um subversivo", contextualiza.
Em 'O dia em que conheci Brilhante Ustra', Solnik relata sua rotina na prisão, em forma de um diário, conduzindo os leitores pelos corredores sombrios das celas e nos apresenta a rotina de tortura e humilhação a que os presos eram submetidos.
"Aquilo era um filme de terror vinte e quatro horas por dia. Nunca imaginei que pudessem existir pessoas como aquelas, dispostas a torturar outras, assistir ao sofrimento imposto por quatro ou cinco trogloditas ao mesmo tempo. Nunca era o torturador e a vítima", explicou Solnik.

Na obra, ele ainda narra a tortura sofrida por um colega de cela. Ao mesmo tempo, o autor não se limita a descrever os fatos, mas também reflete sobre as implicações psicológicas da tortura, tanto para a vítima quanto para o torturador.
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"Eram sempre muitos batendo, gritando e dando choques num ser humano, que está nu, amarrado e encapuzado. Eu ouvia os gritos dia e noite, sempre abafados por um rádio com volume mais alto que os gritos tocando boleros," seguiu o autor.
Encontro com Ustra
Como o próprio título da obra sugere, no período em que esteve preso, Solnik ficou frente a frente com Carlos Alberto Brilhante Ustra; um dos maiores algozes da Ditadura. O jornalista explica que viu Ustra logo em seu primeiro dia detido. "Foi ele que me conduziu à cela".
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Não era assustador como outros torturadores, tinha aquela aura de chefe, falava baixo, sem ameaças, com ar superior, tanto eu não tive medo dele que foi o primeiro meganha com quem tomei a iniciativa de conversar. E ele dialogou comigo sem encostar a mão em mim", explica.
Por fim, Alexandre Solnik recorda que, quando esteve preso, sua mãe descobriu o local onde ele ficou detido e lhe levava comida embrulhada em folhas de jornal do dia — sua única forma de comunicação com o mundo 'exterior'.
"Veja que loucura. Naquele ambiente em que os nossos sequestradores faziam de tudo para não sabermos o que acontecia lá fora, o carcereiro não percebeu que eu e meu companheiro de cela líamos jornal todos os dias, escondidos no banheiro. Estávamos mais bem informados do que ele", finaliza.


