Garota de dois anos é escolhida como nova deusa viva no Nepal; entenda o processo
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Uma tradição milenar segue viva no coração do Nepal. Na última terça-feira (30), a pequena Aryatara Shakya, de apenas 2 anos e 8 meses, foi escolhida como a nova Kumari, ou a nova deusa viva, em Katmandu. Carregada por familiares, ela deixou sua casa e foi conduzida até o palácio-templo, onde viverá pelos próximos anos como uma figura sagrada.
A tradição da Kumari
As Kumaris são meninas da comunidade Newar, mais especificamente dos clãs Shakya, no vale de Katmandu. Reverenciam-nas tanto por hindus, quanto por budistas. A seleção segue critérios rígidos: a menina deve ter entre 2 e 4 anos, pele, cabelos, dentes e olhos considerados perfeitos, além de não demonstrar medo da escuridão.
Depois da escolha, passa a se vestir sempre de vermelho, mantém o cabelo preso em coque e carrega o “terceiro olho” pintado na testa, símbolo espiritual da tradição. Mantém-se o título até a puberdade, momento em que a jovem retorna à vida comum, abrindo espaço para outra criança assumir o papel divino.
Festival e devoção
A nomeação de Aryatara aconteceu em meio ao festival Dashain, uma das maiores celebrações hindus, que marca a vitória do bem sobre o mal e reúne famílias por 15 dias de rituais. Neste período, escolas e escritórios fecham para que todos possam participar das festividades.
Na ocasião, a nova Kumari passou pelas ruas da capital acompanhada de parentes, devotos e amigos. Muitos fizeram fila para encostar a testa em seus pés – o maior gesto de reverência no hinduísmo – e oferecer flores e doações.
Segundo o pai da menina, Ananta Shakya, o destino já estava traçado. “Ontem ela era apenas minha filha, mas hoje ela é uma deusa”, disse. Ele também contou que sua esposa sonhou com a filha como deusa ainda durante a gravidez, reforçando a crença de que Aryatara seria alguém especial. Nos próximos dias, a nova Kumari deverá conceder bênçãos a devotos e até ao presidente do Nepal.
Vida no palácio
A rotina das Kumaris é de isolamento. Elas moram no palácio-templo, têm poucos colegas selecionados e saem apenas em ocasiões religiosas. As ex-Kumaris, como a jovem que deixou o posto aos 11 anos neste mês, muitas vezes enfrentam dificuldades para se adaptar ao cotidiano comum, frequentar escolas regulares e até formar relacionamentos. Crenças populares dizem que os homens que se casam com ex-Kumaris morrem jovens, o que contribui para que muitas permaneçam solteiras.
Nos últimos anos, no entanto, algumas mudanças vêm modernizando a tradição. As Kumaris passaram a receber aulas particulares dentro do palácio, podem assistir televisão e, ao deixarem o posto, ganham uma pensão mensal do governo como forma de reconhecimento.