Teria o coronavírus matado um neto da rainha Vitória?
Aventuras Na História
Entre 1889 e 1890 o mundo foi devastado por uma pandemia de gripe, que muitos chamam de “gripe russa”. O nome se deu pelo fato dos primeiros casos terem sido reportados em Bucara, que pertencia ao antigo Império Russo, onde hoje é o atual Uzbequistão.
De acordo com Michael Shally-Jensen em ‘Encyclopedia of Contemporary American Social Issues’, a doença matou entre 1 milhão e 1 milhão e meio de pessoas nesse período, sendo cerca de 300 mil delas apenas na Europa. Para se ter uma ideia de seu estrago, a população mundial da época era estimada em torno de 1,5 bilhão de pessoas.
A última grande epidemia do século 19 é também uma das mais mortais da história. A mais famosa vítima do vírus, como aponta matéria do The Guardian, foi o príncipe Albert Victor, neto da rainha Vitória.
Eddy, como era conhecido, se infectou durante uma festa de Ano Novo e faleceu, aos 28 anos, após cinco dias de desenvolver um quadro de pneumonia.
Albert, aliás, era a segunda pessoa na linha de sucessão ao trono, mas sua morte alterou essa ordem. Assim, o príncipe George, seu irmão mais novo, foi corado em 1910, quando se tornou George V.
Mas, afinal, o que causou a pandemia?
Sabe-se que, na Europa, o vírus apareceu primeiro em Londres e, em poucas semanas, já havia devastado toda a Grã-Bretanha. O primeiro-ministro do país, foi infectado, milhares de pessoas morreram e o adoecimento de funcionários fez com que a indústria e o transporte público parassem.
Até hoje não se sabe ao certo qual foi o agente causado da pandemia. Desde a década de 1950, por exemplo, segundo a Wired, estudos apontavam para a hipótese do vírus ter sido um subtipo do H2N2.
Mais recentemente, no entanto, passou-se a considerar que o responsável possa ter sido outro vírus, mais conhecido em nossa sociedade atual: o coronavírus. “É uma análise muito convincente”, disse o Dr. David Matthews, especialista em coronavírus da Universidade de Bristol, em entrevista ao Observer.
“Os cientistas usaram pesquisas muito sofisticadas e avançadas, e vale a pena levar a sério sua afirmação”, diz ao se referir a um estudo liderado pela bióloga belga Leen Vijgen, publicado em 2005 no Journal of Virology.
A pesquisa de Vijgen sugere que o coronavírus que pode ter causado o surto de 1890 possa ter sido transmitido das vacas para os humanos. Seu argumento é baseado na correspondência genética do OC43, o coronavírus humano — que causa resfriados comuns —, com o outro tipo que infecta vacas.
Assim, fazendo comparações entre as taxas de mutação de ambos, a bióloga concluiu que, provavelmente, eles tiveram um ancestral comum por volta dos anos 1890, corroborando com a tese de que o vírus passou dos bovinos para os humanos.
Os estudiosos apontaram que muito dos infectados em 1890 sofreram danos no sistema nervoso central, um sintoma raro para quem contrai o vírus da influenza (como o H2N2), mas algo que se mostrou comum na pandemia da Covid-19.
Outra característica semelhante da doença de 1890 com a da pandemia que nos atinge atualmente é que os homens são mais vulneráveis do que as mulheres, explica matéria do The Guardian. Os cenários de ambas as situações são parecidos, com o impacto inicial das contaminações gerando um quadro terrível para a sociedade.
Afinal, em dezembro de 1889, milhares de pessoas morreram após a seis primeiras semanas de contaminações do vírus, o que fez com que diversos comércios fossem fechados, assim como os tribunais, já que o primeiro-ministro, o Lord Salisbury, acabou sendo infectado — outro ponto que pareceu se repetir com os últimos meses, já que o atual premier britânico Boris Johnson também foi contaminado.
Com a epidemia, explica o The Guardian, vários conceitos médicos passaram a mudar, como a noção do que é um ‘vírus’, que passou a ser entendido depois de uma série de descobertas na área da microbiologia. Até então, o pensamento epidemiológico era dominado pela teoria do miasma, que dizia que o clima ou as flutuações atmosféricas seriam capazes de criar um ‘ar tóxico’ e envenenar os humanos.
“No entanto, tais teorias não conseguiram explicar por que comunidades isoladas, como faróis, prisões e mosteiros, presumivelmente expostos às mesmas influências ocultas, escaparam da epidemia ou por que a gripe apareceu para atacar cidades e centros urbanos densamente povoados próximos a ferrovias e estradas antes de se espalhar para as áreas rurais”, relata o historiador médico Mark Honigsbaum.
Após as seis primeiras semanas, o surto de 1889 diminuiu consideravelmente, o que acredita-se ser pelo fato do isolamento. Porém, no ano seguinte, a doença voltou a atacar. Desta vez, a segunda onda registrou quase o dobro de mortes. Ela também reapareceu mais uma vez, em 1892.