A Fazenda 13 promete três meses de muitas tretas e debates (coluna)
Tecmundo
Começo este texto com uma verdade incômoda: nós, brasileiros, adoramos um reality show. De todo tipo – culinário, esportivo, de resistência física, de pessoas sendo flagradas cometendo delitos. Mas claro que há o nosso tipo preferido: os chamados reality shows de convivência, que se fundamentam no simples ato de colocar pessoas para habitarem a mesma casa, na promessa de que elas serão “elas mesmas” (em outras palavras: que uma hora elas esquecerão das câmeras e baixarão a guarda).
Por isso, independente da previsão de alguns críticos, o formato parece não nos cansar. Anualmente, a televisão brasileira executa dois grandes eventos deste tipo: a edição de Big Brother Brasil, na Globo, no primeiro semestre; e a edição de A Fazenda, na Record, no segundo. São dois programas capazes de mobilizar ânimos e paixões, e de gerar um tipo de envolvimento no público dificilmente visto em outras atrações. O mais interessante (e lucrativo para as emissoras) é que esse engajamento com os dois reality shows não se dá apenas na TV, mas nas redes sociais que replicam o conteúdo dos programas e trazem novas camadas de experiência aos espectadores.
Independente de dividirem o mesmo gênero, A Fazenda (que estreou sua edição número 13 há uma semana) é bem diferente de seu “rival” BBB. Há as distâncias óbvias, voltadas às dinâmicas no programa e a existência da “roça” de animais que os participantes têm que cuidar. Mas há nuances bem mais profundas. Daria para dizer que BBB é uma versão “oficial” deste tipo de reality, e, por isso, é mais “limpo”, organizado e mesmo civilizado que o concorrente. Já A Fazenda é assumidamente uma atração trash, que se leva menos a sério e que claramente investe num universo particular: o das pessoas que são famosas apenas por serem famosas, e, na maioria das vezes, por feitos não exatamente louváveis.
Não por acaso, A Fazenda 13, mais uma vez, traz um panteão de celebridades consideradas de segunda categoria, digamos. Não são pessoas que seriam convidadas espontaneamente para estrelar algum programa da Globo – ou, no caso dos ex-participantes do BBB, são “sobras” do programa original. Boa parte do elenco, aliás, é formado por gente cancelada em suas carreiras e que tenta algum tipo de rebranding no mercado.
A graça de 'A Fazenda' está ligada à "química" do elenco.
Vejamos os casos mais sintomáticos dos “problemáticos” do elenco: o mais emblemático é o cantor Nego do Borel, que responde processo por agressão e que já deu sinais de que seu comportamento no confinamento tende a ser ameaçador a outros participantes. O funkeiro MC Gui também tem episódios pouco louváveis no currículo: foi flagrado em um cassino clandestino durante a pandemia e gerou má repercussão quando divulgou um vídeo em que tirava sarro de uma menina com câncer na Disney.
Outro nome que não dá para esquecer é o de Rico Melquíades, egresso do De férias com o ex, programa em que ficou famoso por ter se revelado um dos participantes mais insuportáveis de reality shows que esse país já viu. No grupo feminino, o destaque é Liziane Gutierrez, modelo que se tornou famosa pelo vídeo em que xinga a polícia após ser flagrada em uma festa clandestina.
O cast, portanto, é escolhido a dedo para “causar”, ou seja, criar atritos e barracos que possam ser comentados e replicados nas redes. Mas essa é apenas uma parte da estratégia – que envolve também a promoção de etapas no programa que sejam capazes de incitar as brigas. No caso de A Fazenda, isso ocorre por meio dos momentos em que os participantes indicam uns aos outros para a “roça” (a eliminação), para a “baia” (os que dormem em um lugar precário, junto com os animais, e são proibidos de fruir de certos benefícios da casa), além das dinâmicas em que os peões precisam apontar seus amigos e seus desafetos. O plano, evidentemente, é o de jogar pólvora no meio de um feno pronto para pegar fogo.
E se é tudo tão controlado para acontecer conforme o previsto, por que todos os anos os espectadores retornam para a Record para assistir ao programa? Eu diria que a previsibilidade está apenas na superfície. Todos os anos, naturalmente, emissoras como a Record e a Globo apostam no caminho mais seguro. BBB 21 teve que trilhar o caminho de sucesso do BBB 20, mas o resultado foi totalmente diferente, e talvez até melhor que a edição do ano anterior. Já A Fazenda 13 também joga no certo, e parece ter sido planejada para repetir a experiência de A Fazenda 12, aquela edição que se centralizou em uma grande rivalidade (Jojô Toddynho versus MC Biel), na exposição do sofrimento mental (caso de Raíssa Barbosa, que é borderline), no “resgate” de homens cancelados (Lipe, o “boy lixo” do De férias com o ex) e na problemática do envelhecimento das celebridades (caso de Luiza Ambiel, famosa por participar do quadro “Banheira do Gugu”).
A presença do cantor Nego do Borel em A Fazenda 13 é questionada por muitos espectadores.
A Fazenda 13 retorna batendo nas mesmas teclas. Temos uma espécie de cópia da rivalidade entre Jojô e Biel na funkeira Tati Quebra-Barraco e no funkeiro MC Gui; temos uma pessoa com visível sofrimento, embora não diagnosticado publicamente, na figura de Rico Melquíades; e, curiosamente, temos os mesmos papéis do “boy lixo em busca de redenção" (Lipe é substituído por Gui Ribeiro, também do De férias com ex) e na "gostosa que envelhece em público", na figura de Solange Gomes, outra mulher à beira dos 50 anos famosa pela “Banheira do Gugu”, tal qual Luiza Ambiel.
Isso quer dizer que estamos fadados a ver o mesmo programa, pelo segundo ano consecutivo? A grande graça dos reality shows é que eles são sempre imponderáveis. Mesmo com todo controle possível por parte das emissoras, eles divertem justamente porque não há como prever como as interações transcorrerão e qual será a trama desenrolada pelo programa. A julgar pela primeira semana, há bastante pano para manga: ataque de raiva de Nego do Borel, suspeita de comentário racista pela modelo Dayane Mello, e uma discussão interteressante sobre racismo estrutural e assédio.
Em outras palavras, é bastante provável que A Fazenda 13 irá nos proporcionar três meses de torcida entusiasmada, de raiva gratuita contra certos participantes e de assuntos para debater nas redes. Não é isso, afinal, que faz um bom reality show?
Maura Martins é jornalista, professora e editora do portal de jornalismo cultural Escotilha. No TecMundo, é colunista nos cadernos Minha Série e Cultura Geek.