Em exclusiva, Lucy Ramos relembra detalhes emocionantes de sua carreira
Anamaria
A pernambucana Lucy Ramos se mudou para São Paulo com 5 anos de idade, sonhando ser jogadora de futebol – e começou a praticar o esporte. Mas, percebendo o potencial que a jovem tinha para modelo, seu treinador a indicou para uma agência.
Aos 16 anos, ela já fazia suas primeiras campanhas publicitárias. Dois anos depois, entrou em um curso de teatro e participou do elenco de apoio de Começar de Novo. No mesmo ano, se mudou para o Rio de Janeiro e iniciou o disputado curso da Oficina de Atores da Globo. Daí, não parou mais.
Em 2006, ganhou os holofotes em Sinhá Moça. Depois vieram Salve Jorge, Malhação, Pé na Jaca, Ciranda de Pedra, Cordel Encantado, Força do Querer e, atualmente, Amor Perfeito, tudo na Globo. Desenvolta, em 2020, venceu o Dança dos Famosos, no Domingão do Faustão.
Porém, nem tudo foram flores sempre e as dificuldades marcaram sua infância. “Minha mãe fez tudo para criar os filhos da melhor forma possível, mesmo morando na favela. Tinha tudo contra... E a gente não fuma, não bebe, não se droga”, fala emocionada.
O exemplo e a força a impulsionam a seguir em busca de seus sonhos: “Quero ir cada vez mais longe”. De que maneira? Lucy responde sem titubear: “Com perseverança, otimismo e muito trabalho”. Alguém duvida de que ela vai conseguir?
Confira a entrevista completa:
Aos 40 anos, como você enxerga o passar do tempo?
Hoje tenho um olhar positivo para o que o universo me propõe. E isso só é conquistado com a maturidade. Passei a valorizar o que realmente importa. Com o tempo, vamos nos lapidando, nos tornando seres humanos melhores, pessoas sábias... Sei a hora de falar e de observar. Envelhecer faz parte. Amo, admiro e tenho orgulho da Lucy de hoje. E tudo que passei e vivi no passado foi essencial para essa Lucy de agora. Me sinto muito mais segura e forte.
Referência de beleza, você se sente na obrigação de estar sempre bela aos olhos do público?
Gosto de estar bem comigo. Mais do que a aparência , o que importa é o que vem de dentro. Antes de ser atriz, fui modelo e a aparência era minha ferramenta de trabalho. Mas, ao longo do tempo, fui entendendo que a beleza iria muito além. Muito mais importante que o externo é o interno. É muito claro para mim que a beleza vem de dentro. Bom caráter, altruísmo, solidariedade... Me olho no espelho e gosto do que vejo, me sinto bonita ao reconhecer meu interior em meu exterior.
Em pleno 2023, ainda nos deparamos com muitas vítimas de preconceito. Como você enxerga isso?
Infelizmente, o racismo realmente ainda está presente em muitas situações. É triste a realidade, mas esse é o reflexo da nossa sociedade. Acredito que as coisas estão caminhando, não na velocidade que eu gostaria, mas, com muita persistência, conscientização e perseverança, chegaremos lá. É lindo ver a população preta reconhecendo sua beleza e potencial. E isso podemos ver não apenas no cinema e na TV, mas em todas as áreas profissionais. Celebro muito essas conquistas, embora ainda seja preciso muitos avanços.
Você venceu o Dança dos Famosos em 2020. A dança impactou você de lá para cá?
Entre tantos aprendizados, a dança me ensinou a me desafiar e a lidar com a frustração. É um exercício de saber lidar com o que deu certo, mas também saber lidar com o que não saiu como você esperava. Tudo na medida certa. E, fisicamente falando, sinto os resultados. Os treinos sempre foram puxados. É desafio mesmo! Mas, como busco me superar o tempo inteiro, claro que a experiência foi maravilhosa!
Quando atuou em "Força do Querer", interpretou uma mulher insegura na relação com o personagem de Rodrigo Lombardi. Já passou por alguma experiência parecida?
Se disser que nunca tive momentos de insegurança, estarei mentindo. É um sentimento comum, principalmente quando se é jovem. Mas, hoje em dia, não conseguiria manter um relacionamento assombrada pela insegurança. Jamais! Sou do time que acredita que as relações precisam transmitir paz. Se te tira do eixo ou causa algum desequilíbrio emocional, tem algo de errado e é preciso reavaliar se vale a pena insistir na relação.
Você está casada há 17 anos com o cineasta Thiago Luciano. Em tempos de relações tão solúveis, qual a dica para se manter feliz em um relacionamento de tantos anos assim?
Encontramos o acolhimento um no outro. Temos muito amor, respeito, e paciência um pelo outro. Estamos sempre trocando sobre tudo. Ter uma relação saudável está entre nossas prioridades. Tivemos muita sorte em nos encontrar.
Em algumas entrevistas, admitiu ser pressionada para ter filhos… Essa cobrança incomoda?
Já aprendi a lidar. Digo que estamos providenciando. As pessoas parecem ainda acreditar que uma mulher é incompleta se não for mãe, reforçando uma ideia patriarcal. Queremos ter filhos, mas não nos cobramos. Não é uma regra para ser feliz. Se tiver que acontecer, vai acontecer no tempo certo.
Você já revelou que teve uma infância difícil, porém carinho nunca faltou a você e a seus irmãos. Como foi crescer vendo sua mãe trabalhar incansavelmente para dar o sustento e educação aos filhos?
Não fiz faculdade, nem meu irmão, só minha irmã fez. Mas sempre tivemos uma boa educação. Claro que nunca tivemos luxo e riqueza, porém não faltou carinho. Minha mãe trabalhava até aos finais de semana para nos sustentar. Só tinha um dia de folga, e aí ela ia resolver as pendências. Meus irmãos e eu sempre fomos sozinhos, mas tínhamos tarefas: a casa tinha que estar arrumada e as roupas lavadas para quando ela chegasse. Sei fazer tudo isso de casa porque faço desde pequena. Minha mãe, do jeitinho dela, nos educou assim.
Em Amor Perfeito, sua personagem Lívia é casada com o delegado Ciro [Beto Militani], um homem rude, que sempre a trata de forma seca e a culpa por não poderem ter filhos. Papéis assim são importantes para que as mulheres possam analisar a própria realidade e entender se vivem um relacionamento abusivo?
Quando se pensa em um relacionamento abusivo, se imagina logo uma agressão física, uma agressão verbal... E esse abuso pode ocorrer a partir de pequenas atitudes também, como a cobrança para ter filhos, a forma de tratar, a tentativa de fazer com que a mulher se sinta incapaz... Histórias como a da Lívia mostram que um ‘lar perfeito’ pode existir apenas para a sociedade, mas dentro de casa é diferente. Espero que ela chegue a esses lares trazendo uma reflexão e um convite para essas mulheres questionarem a própria realidade.
Como percebe seu papel na dramaturgia com relação ao empoderamento feminino?
Uma formiguinha que, a cada trabalho, sempre que possível, soma na construção coletiva de uma causa maior. Tive a sorte de já ter interpretado mulheres fortes, em posição de poder, com representatividade, e sinto que consegui chegar à casa de muitas mulheres que, por muito tempo, não conseguiram se enxergar ocupando o papel de uma advogada, uma psicóloga, uma influencer... Em minha profissão, busco ampliar horizontes, alcançar lugares e papéis diversos, justamente para sentir e mostrar que é possível avançarmos!
Em suas redes sociais e eventos, você apresenta um forte trabalho de imagens e composições. A moda também é uma forma de se comunicar?
Acredito que o que vestimos diz muito sobre a nossa personalidade. Diz o que estamos sentindo naquele momento ou o que queremos transparecer. Se você chega a um ambiente desconhecido, o que julgam primeiro, já que não te conhecem? A sua aparência, claro! Amo estar bem-vestida e apresentável, com estilo. Eu sou meu instrumento de trabalho. Estar bem apresentável faz parte do que quero vender.
Aliás, você já declarou “A moda é transgressora, é fala, é escuta, então faço dela porta de entrada para mundos que nem sempre estiveram com as portas abertas para uma mulher negra”. Discorra mais a respeito…
Essa fala diz respeito à invisibilidade da mulher preta na moda e o sentimento de que esse mundo, essas coisas boas não foram ‘feitos para nós’. Então, quando eu ocupo um lugar que antes diziam que não pertencíamos a ele, eu também encaro esse lugar como um chamado e uma mensagem para a mulher preta: sim, esse lugar foi feito para nós também! Podemos ir para o desfile de uma grande marca, falar sobre tendências... O mercado pode nos enxergar como potências. Estamos trilhando um caminho de esperança.
IR MUITO ALÉM…
Orgulhosa de suas raízes, Lucy sonha servir de inspiração para outras meninas e mulheres pretas, mostrando que é possível ter reconhecimento, crescer profissionalmente, se sentir forte e capaz: “Sim, mesmo com uma história, uma vida simples, sempre é possível ir além, apesar de todos os pesares. Sou a prova disso e quero conquistar muito mais. Por isso, mais do que só falar, faço questão de mostrar que sempre há oportunidade para todas”.