'Água, Açúcar e Sal': Conheça o filme clandestino feito por presos da ditadura
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O sucesso recente de 'Ainda Estou Aqui' reacendeu o debate sobre os crimes cometidos durante a ditadura militar. O novo filme de Walter Salles, que conta com Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Selton Mello e outros nomes de peso no elenco, resgata a história da Família Paiva.
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Em janeiro de 1971, o ex-deputado Rubens Paiva, cassado pelo regime, foi levado de sua casa, no Rio de Janeiro, até Destacamento de Operações de Informações (DOI). Torturado e morto no local, o corpo de Rubens Paiva jamais foi encontrado.
Uma das perdas mais emblemáticas causadas pela Ditadura, o destino de Rubens só foi conhecido, em partes, por conta da luta de sua esposa, Eunice Paiva, que clamou por Justiça enquanto cuidava dos cinco filhos e enfrentava o Alzheimer.
Os relatos da Família Paiva, porém, são apenas um fragmento dos horrores dos Anos de Chumbo da ditadura militar. Memórias sobre período também foram resgatadas pelo grupo Práticas do Contra-Arquivo, ligado à PUC-RJ e à FAPERJ.
Através do trabalho do grupo, eles recuperaram o filme 'Água, Açúcar e Sal', produzido clandestinamente por presos políticos.
"Em agosto de 1979, momento em que o debate público voltava-se para a formulação da Leia da Anistia no Brasil, ‘Água, açúcar e sal’ foi filmado clandestinamente dentro do presídio Frei Caneca, no Rio de Janeiro, para registrar a greve de fome de 14 presos políticos, que durou 32 dias. Os presos pretendiam mobilizar a opinião pública e chamar a atenção sobre a importância da ampliação da Lei da Anistia", aponta a descrição da produção. Conheça!
'Água, Açúcar e Sal'
Como resgata a produção, em agosto de 1979, presos políticos do presídio do Frei Caneca, no Rio de Janeiro, iniciaram uma greve de fome reivindicando a ampliação da Lei de Anistia no Brasil.
É justo e é correto de lutar por uma Anistia ampla, geral e restita. Para que a história do nosso povo não fique registrada nos jornais, nas páginas policias ou nos necrológicos. Para que a história do nosso povo seja o produto da luta do nosso próprio povo. E como tal, não sujeito a versão dos exploradores", diz a voz de um preso político na abertura do filme.
Segundo recorda reportagem do Opera Mundi, a reivindicação iniciada no presídio do Frei Caneca se espalhou pelo país. O protesto dos 14 presos perdurou por pouco mais de um mês. Para registrar esse episódio, os presos realizaram a gravação do curta de forma clandestina. 'Água, Açúcar e Sal' pode ser assistido na íntegra no final desta matéria!
Em entrevista ao grupo, Paulo Jabur, que fez as filmagens de dentro da cadeia, relevou que quando esteve preso, teve o desejo de documentar como era a vida dentro do centro de detenção.
Para isso, ele e outros presos tiveram que obter a aprovação da entrada de uma câmera fotográfica dentro do presídio do Frei Caneca — o equipamento usado foi possibilitado através de uma doação da Anistia Internacional.
Para usá-lo, os presos tinham que cumprir uma série de limitações: a principal entre elas é que não poderiam fotografar os cadeados do presídio e tampouco as guaritas do local; visto que os agentes temiam que essas informações pudessem facilitar uma possível fuga.
Os registro ainda eram conferidos pelas autoridades e censurados caso necessário. Em uma das fotos, por exemplo, um cadeado foi removido após um guarda riscar a emulsão do negativo; em outra foi recortado do retrato.
Após o uso da câmera fotográfica, os presos conseguiram a liberação da entrada de uma câmera de vídeo — que seria usada para filmar o aniversário do filho de um dos presos. Bom, pelo menos essa foi a justificativa que eles deram.
Com o equipamento em mãos, os filmes virgens (prontos para serem usados) entravam de forma legal no presídio. O grande problema é como eles saíam de lá. Para mostrar que estavam usando a câmera 'corretamente', gravações sem nada comprometedor eram entregues normalmente para análise.
Já as fotos da greve de fome eram levadas por deputados que iam visitar os presos políticos, visto que eles não eram revistados. Além disso, os filmes em 16mm eram 'contrabandeados' dentro de um abajur.
Conforme explica o Opera Mundi, um dos presos trabalhava como marceneiro. Ele construiu o abajur com um pé em formato de círculo (parecido com uma lata de filmes). Nesse compartimento eram colocados os negativos das imagens proibidas.
Imagens recuperadas
O processo de resgate de 'Água, Açúcar e Sal' começou logo após Jabur ceder a película em 16mm ao grupo de pesquisa. Os profissionais do grupo Práticas do Contra-Arquivo digitalizaram a obra e a publicaram pela primeira vez, e de forma gratuita, em seu canal do YouTube.
Além das filmagens sobre os 32 dias de greve, o grupo também entrevistou Jabur e o resultado dessa pesquisa acabou se tornando um novo filme, contendo relatos sobre como os presos faziam os registros de forma clandestina dentro da prisão.