Ainda Estou Aqui: Como os filhos de Eunice Paiva enxergam o filme?
Aventuras Na História
Filha mais velha de Eunice e Rubens Paiva, a psicóloga social Vera Paiva descreve o filme "Ainda Estou Aqui", que estreou na última quinta-feira nos cinemas, como um "psicodrama público".
Psicodrama é uma técnica coletiva da psicoterapia que utiliza o teatro como ferramenta para tratar diferentes sofrimentos psíquicos. O psicoterapeuta assume o papel de diretor e, inicialmente, um dos pacientes compartilha com o grupo um problema pessoal ou trauma, relatando um episódio que, em sua percepção, é a raiz de seu sofrimento.
Em seguida, os outros participantes encenam a situação, assumindo papéis e representando a cena traumática.
"Ainda Estou Aqui" representa a materialização do maior trauma vivido pela família Paiva: o sequestro e execução de Rubens durante a amarga e incontornável ditadura militar brasileira.
Dirigido por Walter Salles, o filme é o escolhido para representar o Brasil em possível indicação ao Oscar de melhor filme internacional em 2025. Baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, a produção narra a luta enfrentada por Eunice (Fernanda Torres) ao investigar as causas do desaparecimento do marido.
Impressões
Em entrevista ao Globo, os filhos do casal Paiva — Vera, Eliana, Ana Lúcia, Marcelo e Maria Beatriz — compartilharam suas impressões sobre o filme de Salles.
"Vi um copião, ainda sem trilha sonora, em casa. A cena da prisão da minha mãe me pegou. Precisei parar e sair para fumar", desabafou Vera. Ela ressalta o efeito libertador da produção para a família: "Esse filme ajudou a reparar os efeitos que esse silêncio teve em nós. Não tocávamos no assunto. Minha mãe não falava da prisão."
Vera conclui: "Agora, família virou coisa de direita. Mas nós também somos família. Nós também queremos uma pátria, mas uma pátria diferente, sem desigualdade, com justiça social e solidariedade."
Eliana, por sua vez, relembrou do período que esteve em cárcere com à mãe, retratado em "Ainda Estou Aqui": "Tenho amigos que me conhecem há 40 anos e descobriram pelo filme que fui presa. Eu nunca falei da minha prisão, embora ela tenha sido noticiada pela imprensa".
Me mostraram um trabalho de escola meu sobre a Tchecoslováquia e me acusaram de ser comunista. Me apalparam, bateram na minha cabeça. Uma hora, quebrei o pau com eles, comecei a falar que aquilo era ilegal, que eu era menor de idade. Fiquei 24 horas presa", acrescenta Eliana.
Ana Lúcia relembra as marcas do choque que foi a prisão da mãe para a família: "Os 12 dias que a minha mãe passou na prisão são um branco na minha cabeça. Ela chegou em casa acabada. Não era mais a minha mãe. Voltou muito magra, abatida, quase não falava com a gente. Foi aí que entendi que o negócio era sério."
"Eu dizia na escola que o meu pai tinha morrido num acidente de automóvel. Torturaram e mataram o meu pai, olha a vida que a minha mãe teve, que a gente teve. E olha como eu estou me vingando: com um filme!", complementa Nalu.
O escritor Marcelo Rubens Paiva revela que era o mais propenso entre os 5 filhos a falar sobre o caso: "Sempre abordei esse assunto sem nenhum constrangimento, inclusive com a minha mãe. Minhas irmãs não falavam entre elas, mas eu falava o tempo todo, sem parar".
Marcelo conclui: "A principal lição que Eunice Paiva deixa é recusar o papel de vítima, é não baixar a cabeça. Ela ficou com cinco crianças e sem dinheiro nenhum, mas não parou, tocou em frente, se reconstruiu, priorizou sua integridade enquanto mãe."
Por fim, Maria Beatriz relembrou a comoção que o filme lhe causou: "Eu só chorava. Foi uma catarse. Senti uma tristeza muito forte, um luto, que durou semanas. Até pensei em voltar para a terapia. Nunca tive coragem de perguntar para a minha mãe sobre a prisão."
"Minha mãe era o silêncio em pessoa. Ela não chorava. Levantou a cabeça e seguiu em frente. Ela era muito contida e racional. Quando dava entrevistas sobre o caso do meu pai, se mostrava uma mulher muito calma e inteligente. E era mesmo", concluiu a filha mais nova de Eunice.