Belfast: Entenda o conflito político por trás do filme que chegou à Netflix
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Nesta terça-feira, 6, "Belfast" (2022) chegou ao catálogo da Netflix. O longa, indicado a sete categorias do Oscar e venceu o prêmio de Melhor Roteiro Original, remete ao início de um período turbulento na Irlanda do Norte no final dos anos 1960.
Um garoto deixa para trás a infância quando tensão e tumulto chegam à sua região com o início dos conflitos na Irlanda do Norte", diz a sinopse do filme.
No verão de 1969, as ruas de Belfast, capital do país, foram palco para o início dos conflitos conhecidos como 'The Troubles' ('Os Problemas', em tradução livre), que colocaram frente-a-frente nacionalistas católicos e protestantes pró-Reino Unido. Entenda!
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Separação da Irlanda
Para entender os conflitos na Irlanda, primeiro é preciso compreender a situação do país. Afinal, há mais de 700 anos, a nação faz parte do império britânico — que sempre usou seu poderio bélico para silenciar movimentos a favor da independência do país. Tudo isso ordenado pela coroa britânica.
Conforme recorda matéria publicada pelo O Globo, no início do século passado, a ilha do Atlântico Norte ainda pertencia à colônia de Londres. Em 1916, porém, um levante organizado por grupos nacionalistas, como o Exército Republicano Irlandês (IRA), passou a ganhar adeptos na população.
O resultado? Em maio de 1921, o país foi dividido em dois: a Irlanda do Norte (cuja capital é Belfast), de maioria protestante, continuou 'aliada' com a Grã-Bretanha. Enquanto isso, a República da Irlanda (Dublin), maior parte da ilha, de maioria católica, se declarou independente.
Mas a divisão não foi tão bem aceita pela sociedade e, em junho do mesmo ano, uma guerra civil começou — o que envolveu grupos nacionalistas dos dois lados; tanto de quem apoiava a partição do país quanto de quem era contrário.
Em quase 11 meses que durou, a Guerra Civil Irlandesa foi responsável por cerca de quatro mil mortes. O conflito terminou com a vitória do Estado Livre Irlandês e a confirmação da independência da República da Irlanda.
Quatro mil pessoas foram mortas durante quase 11 meses de um conflito que deixou marcas. Os principais partidos irlandeses hoje, o Fianna Fáil (liberal) e o Fine Gael (democrata-cristão), são descendentes diretos do conflito, explica Bill Kissane em 'The Politics of the Irish Civil War'.
A Constituição da Irlanda só entrou em vigor em 29 de dezembro de 1937. Segundo matéria do DW, a carta magna foi criada para acabar com a violência entre os protestantes e católicos, mas isso não aconteceu.
The Troubles e Belfast
Apesar disso tudo, as tensões entre os dois grupos se manteve até uma nova implosão, agora no final dos anos 1960, com os conflitos na Irlanda do Norte; que começaram quando grupos católicos iniciaram um movimento pacífico por direitos civis. Os movimentos foram motivados pela revolta deles com a discriminação que sofriam no enclave inglês.
Mas as manifestações logo foram contestadas por grupos radicais liderados pelos protestantes que eram leais à coroa britânica. Um dos principais grupos paramilitares era os Voluntários Protestantes do Ulster (UVF), que não suportava os separatistas.
Os protestos pacíficos foram combatidos com violência pelos extremistas e uma onda de agressões se intensificaram no país nos meses seguintes. Um exemplo emblemático da violência aconteceu em abril de 1969, quando um idoso e suas duas filhas foram espancados dentro de sua própria casa, na Irlanda do Norte. O sujeito morreu após dois meses.
Entre 12 e 14 de agosto do mesmo ano ocorreu a 'Batalha do Bogside' — conflito de três dias e duas noites que marcou o embate de grupos católicos (formados principalmente por jovens) contra a polícia (que era poiada pelos protestantes).
O conflito, aliás, é considerado por muitos pesquisadores como o início do The Trouble. O episódio foi marcado pela depredação de casas e lançamento de gás contra os católicos; que revidaram armando barricadas e atirando pedras e explosivos caseiros.
A violência de Bogside se espalhou por Belfast, onde as coisas ficaram ainda piores. Na capital do país, os católicos eram minoria e viviam cercados por enclaves de protestantes. Por lá, casas e estabelecimentos de católicos foram apedrejados ou até mesmo incendiados; o que resultou na morte de sete pessoas (cinco católicos atingidos por policiais e dois protestantes). E esse é, justamente, o período retratado no filme.
Para conter a situação, o Exército britânico foi chamado para o local, mas os católicos apontavam que as forças só favoreciam o lado dos protestantes (que defendiam a coroa). Em setembro de 1969, o Conselho de Segurança da Irlanda do Norte decidiu pela construção de muros — as chamadas "linhas de paz" — que dividiam os distritos. As divisórias foram erguidas no final de 1971 e existem até os dias atuais.
Domingo Sangrento
Apesar da aparente trégua, o clima de hostilidade voltou a reinar em 30 de janeiro de 1972, num episódio que ficou conhecido como Domingo Sangrento. Na data em questão, o Exército britânico reprimiu de forma violenta uma manifestação nacionalista pacífica; deixando 14 mortos (sendo seis adolescentes). Além disso, dezenas de ativistas ficaram feridos.
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A violência entre os grupos se tornou algo cada vez mais comum. Após o Domingo Sangrento, o Exército Republicano Irlandês organizou mais de mil atentados, deixando ao menos uma centena de mortos.
No dia 21 de junho, ainda em 1972, o grupo realizou a chamada Sexta-Feira Sangrenta, quando detonou 22 bombas na capital, matando seis pessoas. As ações violentas duraram até a década seguinte.
No início dos anos 1990, começou um longo processo de pacificação da Irlanda do Norte, que culminou com um acordo de cessar-fogo: em 10 de abril de 1998, o Acordo de Belfast (também chamado de 'Acordo da Sexta-Feira Santa') foi firmado pelos governos britânico e irlandês — colocando praticamente um ponto-final no The Troubles.
Em 28 de julho de 2005, o IRA anuncia o fim da "luta armada" e a entrega de armas, recorda matéria do Estadão. Um período de tranquilidade entre católicos e protestantes, mas temas mais controversos, como o Brexit e as restrições geradas pela pandemia de Covid-19, porém, reacenderam as discussões e os grupos chegaram a se enfrentar em alguns conflitos.