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O passado nazista do primeiro vencedor do Oscar de Melhor Ator
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O passado nazista do primeiro vencedor do Oscar de Melhor Ator

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Aventuras Na História
15/02/2025 12h00
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©Getty Images
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Em 1929 ocorreu a primeira premiação do Oscar. Naquele ano, os responsáveis pela votação enfrentaram um problema um tanto quanto inusitado ao descobrirem o resultado do vencedor do Prêmio de Melhor Ator. Afinal, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas havia elegido o cachorro Rin-Tin-Tin.

O canino havia participado de filmes populares como 'A Dog of the Regiment' e 'Jaws of Steel'. Mas apesar de sua popularidade, a Academia estava preocupada com um dilema: oferecer a estatueta para um cachorro logo em sua primeira edição daria credibilidade ao prêmio?

Para evitar essa loucura, eles destinaram o prêmio para o ator Emil Jannings. Na sua primeira edição, o Oscar concedeu algumas honrarias por performances em mais de um filme.

No caso de Jannings, ele foi condecorado por sua interpretação de um bancário em 'The Way of All Flesh', de 1927; e por interpretar o Grão-Duque Sergius Alexander no filme 'The Last Command', de 1928.

Se, a curto prazo, a decisão de premiar Jannings pareceu acertada, o tempo não foi tão certeiro assim com a escolha. O Oscar esnobou um pastor alemão, mas acabou escolhendo um 'mascotinho' nazista em seu lugar. 

Emil Jannings - Getty Images

Segundo matéria do The Independent, ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando Hitler e seu ministro da propaganda Joseph Goebbels já estavam mortos, Jannings teria corrido em direção às tropas aliadas que marchavam para Berlim, segurando sua estatueta dourada e gritando:

Não atirem, eu ganhei um Oscar!".

O ator não foi preso, mas sua reputação já havia sido destruída. Aquele que outrora fora considerado o maior ator do mundo, nunca mais arranjou nenhum outro papel. Mais de 90 anos após a premiação, a Academia sequer tem orgulho sobre seu primeiro vencedor de Melhor Ator. 

'Tirano temperamental'

Nascido na Suíça, em 23 de julho de 1884, Theodor Friedrich Emil Janenz perdeu seu pai ainda quando era uma criança. Assim, acabou se mudando com sua mãe para o extremo leste da Alemanha. 

Aos 16 anos, ele fugiu de casa para se tornar marinheiro, mas não demorou muito para perceber que a atuação era seu maior dom. Em 1906, se juntou à companhia de teatro de Max Reinhardt em Berlim. Doze anos depois, conseguiu seu primeiro papel no cinema mudo, usando o nome Emil Jannings, ao estrelar 'Die Augen de Mumie Ma' ('Os Olhos da Múmia', em tradução livre). 

Logo se estabeleceu como um dos principais talentos do cinema mudo alemão, estrelando em filmes aclamados como 'Otelo' (1922), 'The Last Laugh' (1924) — que Alfred Hitchcock descreveu como "quase o filme perfeito" — e 'Variety' (1925).

Em 1927, foi atraído para Hollywood ao fechar um contrato lucrativo com a Paramount Pictures; que lhe deu controle para escolher roteiros, papéis e diretores com quem queria trabalhar. 

Jannings parecia ter se encaixado no turbilhão social de Hollywood, como mostra a foto dele sentado junto de Greta Garbo, que usava um maiô. Mas alguns atores com quem ele trabalhou o descreveram como um "tirano temperamental"

Emil Jannings - Getty Images

Um exemplo desses foi citado por Fritz Feld, nascido na Alemanha, que apareceu em 140 filmes. Feld disse ao roteirista Michael Dobbs que, durante a produção de 'The Last Command', Jannings o chamou de lado e revelou que queria demitir o diretor Josef von Sternberg e colocar Fritz em seu lugar. Fritz Feld se recusou a ser traiçoeiro com o colega e ouviu Emil Jannings gritar: "Seu idiota! Seu idiota de merda!".

Quando o filme foi feito, Emil já tinha 44 anos e carregava em sua carreira a história de três casamentos de curta duração que viraram divórcios. Afastado dos filhos, ele se casou novamente com uma ex-atriz e artista de cabaré de Berlim, chamada Auguste Maria Holl. Mas isso não o impediu flertar outras atrizes.

Evelyn Brent, que participou de 'The Last Command', conta em sua biografia (The Life and Films of Hollywood's Lady Crook) que esnobou Jannings — que para não sair por baixo, dizia aos quatro cantos que Brent "não era o tipo dele". 

Emil Jannings podia ficar mal-humorado por pequenas coisas", escreveu. "Ele não gostava do casaco de pele que eu estava usando em uma cena, e quando eu o tirava e o deixava de lado no set, ele costumava ir até lá e chutá-lo, para todo o mundo ver, como uma criança petulante".

Do Oscar a Guerra

Quando a primeira cerimônia do Oscar foi realizada, em 16 de maio de 1929, os vencedores já haviam sido avisados cerca de três meses antes. Quando Jannings soube da premiação, ele estava de volta à Alemanha. 

Ainda assim, ele parecia ter um futuro brilhante: sua presença de palco era imponente, suas habilidades como ator eram maravilhosamente expressivas. Havia recebido um enorme reconhecimento no cinema mudo. 

Mas as coisas estavam mudando. O grande assunto do Oscar foi o filme 'The Jazz Singer', premiado com duas estatuetas, que foi o primeiro filme falado significativo para a indústria. Os atores, agora, seriam obrigados a falar em tela. 

A Paramount até tentou usar Emil, logo desistiram por conta de seu forte sotaque alemão. A produtora até ofereceu para que o ator fosse dublado, mas ele rejeitou. 

Com a carreira condenada na América, retornou à Alemanha. Em 1930, Jannings fez 'Der Blaue Engel' ('O Anjo Azul)' com Marlene Dietrich. No livro Modern Times, Stanley Kubrick diz que um dos maiores momentos da história do cinema foi "a maneira como Emil Jannings pegou seu lenço e assoou o nariz em O Anjo Azul". 

Sua carreira em declínio coincidiu com a ascensão de Hitler ao poder. Em março de 1933, Adolf assumiu o controle da Alemanha e nomeou Goebbels para ministro do Reich para esclarecimento público e propaganda.

Emil Jannings e Joseph Goebbels - Getty Images

Joseph Goebbels, por sua vez, acreditava que Jannings seria uma ferramenta útil para os nazistas e sugeriu que ele trabalhasse em filmes de propaganda. O primeiro deles doi 'Der alte und der Junge König' ('O Velho e o Jovem Rei'), de 1935, onde retratou o rei prussiano Friedrich Wilhelm I. O filme biográfico ajudava a exaltar a ideia de Führerprinzip — o conceito de obediência cega ao líder; neste caso, o Führer.

Ao mesmo tempo, o diretor nascido em Berlim, Veit Harlan, caiu nas graças de Goebbels após se divorciar de uma atriz judia chamada Dora Gerson (que mais tarde foi morta em Auschwitz, junto com toda a sua família). Ele foi escolhido para orientar Jannings em 'Der Herrscher' ('O Governante'), de 1937, outro filme que visava promover o Führerprinzip.

O filme agradou Hitler, que antes havia se esforçado para elogiá-lo por seu papel em 'Traumulus' ('O Sonhador'). A relação entre ator e ditador se estreitaram ainda mais quando Jannings fez campanha para Hitler nas eleições de 1938 — as últimas para o Reichstag durante o regime nazista. 

Goebbels colocou Jannings no conselho da Tobis Films e deu a ele "controle artístico geral" dos filmes do estúdio estatal. Seu primeiro projeto foi produzir e atuar em um filme biográfico sobre o microbiologista alemão Robert Koch, que fez experimentos em africanos durante o período colonial. 

Já o filme de guerra, de 1941, 'Ohm Krüger' ('Tio Krüger'), se tornou o mais controverso da carreira de Emil Jannings. Afinal, Goebbels queria que a produção inflasse os alemães antes de uma possível invasão da Grã-Bretanha. Assim, a produção celebrou a vida de Paul Kruger, o homem que liderou a luta da Segunda Guerra dos Bôeres contra os britânicos no final do século 19.

Jannings, produtor do filme, lançou uma campanha de imprensa para promover sua representação de Kruger. Ele descreveu o imperialismo britânico como "uma doença perniciosa", destaca o The Independent. 

"O presidente Kruger foi o primeiro campeão consciente contra a Inglaterra, ele é um exemplo para nós, alemães, que agora lideramos a luta contra o imperialismo britânico. Eu o interpretei porque ele foi escolhido para começar uma luta que será concluída em nossa vida", disse Jannings, conforme citado no livro de David Welch, 'Propaganda and the German Cinema, 1933-1945'.

Hitler adorou tanto o filme que nomeou o ator como "Artista do Estado" e também o premiou com o "Anel de Honra do Cinema Alemão". Já na Itália, o líder fascista Benito Mussolini premiou o filme 'Ohm Krüger' com a Taça Mussolini de melhor filme estrangeiro no Festival de Cinema de Veneza de 1941.

Emil Jannings - Getty Images

Sua próxima produção, 'Bismarck's Dismissal', Jannings interpretou o líder prussiano do século 19, Otto von Bismarck — responsável por unificar o império alemão em 1871. Hitler o admirava e ficou lisonjeado quando Emil comparou os dois líderes. 

Hitler era como Bismarck", disse Jannings, "porque ambos representavam a mesma situação histórica: um homem contra o mundo". 

Legado controverso

Para o historiador alemão Frank Noack, que escreveu uma biografia de Jannings em 2012, o motivo do apoio de Emil ao Terceiro Reich se deu por conta de sua mãe, uma russa de origens judaicas que morava em Berlim durante a Segunda Guerra. Vale ressaltar, porém, que essas raízes jamais foram discutidas na imprensa alemã. Noack especula que Jannings, para proteger sua mãe, se dispôs a trabalhar para os nazistas

Por outro lado, oficiais militares britânicos que o interrogaram no pós-Guerra rejeitaram essas alegações. Principalmente pelas anotações nos diários de Goebbels, que o elogiaram por seu comprometimento como ator com a causa nazista. 

Ele trabalha como se estivesse possuído", escreveu o Ministro da Propaganda. 

Assim, Emil foi oficialmente proibido de fazer outro filme. Jannings se mudou para a Áustria e pouco apareceu publicamente. Numa dessas, foi entrevistado por um jornal de Nova York, o The Rochester Democrat and Chronicle. Questionado sobre seu envolvimento com os nazistas, respondeu: "Resistência aberta significaria um campo de concentração". Ele alegou que foi "ordenado" por Goebbels para fazer os filmes de propaganda.

Em 1951, em sua autobiografia Life and Me, ele escreveu uma breve defesa sobre seu trabalho para o Terceiro Reich: 

Há coisas sobre as quais não se pode falar — coisas que nos puxam em direções opostas ao mesmo tempo, pois aparecem para a cabeça de uma maneira diferente da maneira como aparecem para o coração, que gostaria de estar em uníssono com a alma. Como meu coração e minha alma pertenciam à arte de atuar, eles ordenaram que minha cabeça não se preocupasse com coisas que não eram de sua conta".

Ainda assim, demorou anos para que seu legado de propaganda se tornasse conhecido por pessoas de fora da Alemanha. Em fevereiro de 1960, por exemplo, ele chegou a ser considerado para receber uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood

Emil Jannings e Goebbels - German Federal Archives

Esquecido com o tempo, os últimos anos de vida de Emil Jannings foram dolorosos e sombrios. O ator obteve cidadania austríaca e se converteu ao catolicismo, mas nunca encontrou a verdadeira paz; nem mesmo na bebida que lhe causou câncer de fígado. Ele morreu aos 65 anos, em 2 de janeiro de 1950. "As alegrias e as tristezas infinitas, todas elas terminam", diz o epíteto em seu túmulo.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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