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Piloto, militar e nobre sonhador: quem foi o homem que deu vida ao ‘Pequeno Príncipe’
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Piloto, militar e nobre sonhador: quem foi o homem que deu vida ao ‘Pequeno Príncipe’

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Aventuras Na História
22/04/2023 13h50
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O ronco do motor do F-5 Lightning ecoava sobre o silêncio do céu. Mesmo com o som metálico, o homem sentado no cockpit parecia não se incomodar – pelo contrário, aquele som lhe era familiar. E o infinito à sua frente, de um azul que não se pode descrever, era bonito demais para que qualquer coisa pudesse atrapalhar.

Além disso, era ali, voando em meio às nuvens, que ele se sentia mais à vontade. Piloto experiente, já enfrentara tempestades tropicais, ventos polares e até as areias do deserto, mas, nesse dia, a natureza não era um adversário e tudo parecia contribuir para que aquele fosse o melhor de todos os voos. Quantas aventuras não havia vivido enquanto pilotava? Quantas horas voadas? Quantas cidades, países?

Tantas distâncias vencidas, memórias acumuladas, pensamentos então? Nas longas horas em que passava no céu, gostava de meditar sobre o estado do mundo, sobre o homem e, principalmente, confrontar-se consigo mesmo.

Humilde, apesar da origem nobre e dos prêmios que acumulara graças aos seus feitos aéreos e dom literário, era terrivelmente apaixonado pela liberdade e desconfiava da glória e da vida mundana – preferia a solidão das alturas e os longos momentos de contemplação em busca de respostas para perguntas que pareciam impossíveis.

O que, afinal, procurava o aristocrata que virou escritor no meio das infindáveis horas que passava no céu? Naquele 31 de julho de 1944, no que deveria ser apenas mais uma missão de rotina, observando as posições alemãs na costa sul da França ocupada, se viu novamente refletindo sobre a natureza humana e sobre como tudo havia chegado àquele ponto.

Sua missão era uma preparação para os desembarques que deveriam acontecer dali a alguns dias, contribuindo para a reconquista de sua tão amada França. Mas será que era apenas a guerra que dominava seus pensamentos, ou será que sua própria existência, onde vida e obra pareciam se confundir, sem saber onde começava uma e terminava outra, também ocuparia sua mente? Todos os questionamentos se misturavam em uma espiral sem fim até que, de repente, tudo ficou branco.

Tendo abaixo de si as águas azuis do Mediterrâneo, Antoine de Saint-Exupéry, considerado “o último romântico”, encontrou seu fim. Ou – a depender da perspectiva – o começo de uma eterna biografia.

Os primeiros anos

Antoine Marie Jean-Baptiste Roger de Saint-Exupéry era o terceiro filho de Marie e Jean de Saint-Exupéry, um casal de nobres franceses. Nasceu nos arredores de Lyon, em 1900 – tal como sua vida, influenciada pelo espírito da primeira metade do século 20, seu nascimento se confundiu com o início de uma nova era. Desde cedo mostrou uma curiosidade incomum e um senso de amor pela vida e natureza.

Mas a inocência juvenil logo lhe seria roubada, aos 4 anos, com a morte súbita de seu pai. Com o luto, veio a pobreza (apesar da origem nobre da família, as finanças estavam à míngua) e Marie e seus cinco filhos – Antoine tinha três irmãs e um irmão – passaram a viver de casa em casa de parentes até, finalmente, se instalarem no Château de Saint-Maurice-de-Rémens, de propriedade de uma tia.

Antonie (o mais alto) entre os irmãos Marie, Gabrielle, François e Simone - Crédito: Domínio Público

 

Ali, o pequeno Antoine viveria novamente uma fase plena, reencontrando o sabor da vida e tomando gosto pela aventura. Apesar de perspicaz, na escola seu desempenho era sofrível. “As notas de Antoine, de tão pobres, são um incentivo para os demais alunos. Ele simplesmente negligencia tudo o que não gosta.

A literatura parece não ser seu forte, e ele parece não gostar de história e geografia”, disse, certa vez, sua mãe. Mesmo assim, havia nele uma paixão pelas artes, incentivada pela própria Marie, que era pintora.

Antoine gostava de escrever cartas, além de, secretamente, manifestar um gosto pela poesia. Sem o pai, “em um mundo de mulheres”, como ele mesmo diria anos mais tarde, cresceu sem referência masculina e, com seu carisma manifestado desde cedo, logo se tornou o favorito de sua mãe ou, como era dito: “o rei da casa”.

Carl Jung, o fundador da psicologia analítica, diria que esta experiência seria essencial para que a vida de Saint-Exupéry fosse pautada pelo espírito de Puer Aeternus (Eterno Jovem). Em outras palavras: que a dependência de uma figura feminina – primeiro a mãe, depois Consuelo, seu grande amor – norteariam suas ações. Outra característica do “Eterno Jovem” seria a adoração por esportes e atividades que envolvessem altura e risco.

Não à toa, a aviação se tornaria a maior de suas paixões. E foi exatamente na infância que descobriu que aquele seria seu destino. A história da aviação se confunde com a história da própria França. Foi nos anos 1900 que as disputas aéreas em campos públicos – como o voo experimental de Santos Dumont e seu 14 Bis, em Paris – ocorriam.

O jovem Antoine ficava fascinado com a capacidade dos aviões de superarem os limites naturais e, com apenas 6 anos de idade, decidiu: seria aviador. Com a chegada da Grande Guerra, em 1914, sua mãe se alistou como enfermeira e Antoine e seu irmão mais novo, François, foram enviados para um internato na Suíça. Mesmo estando em um país neutro, longe dos combates, a morte bateria novamente à sua porta.

François caiu vítima de febre reumática e morreu dias depois, com apenas 15 anos de idade, e Antoine esteve ao seu lado, no leito de morte, até o fim. A cena do irmão indefeso, mas impassivo frente ao destino iminente, assim como sua figura – jovem, rosto angelical e cabelos loiros –, teria uma profunda influência na construção e no destino de seu personagem mais famoso, o Pequeno Príncipe.

Escreveria anos depois que aquele contato direto inesperado com a morte – para ele, François era apenas uma criança, e crianças não deveriam morrer cedo –, teria um impacto na maneira como veria o mundo dali em diante.

Os loucos anos 20

No início dos anos 1920, Antoine queria prestar o exame da Escola Naval e se mudou para Paris, onde ficou hospedado na casa de uma prima de sua mãe. Para um jovem como ele, cuja veia literária começava a aflorar, aquilo era o Paraíso. O contato com a vida pulsante da cidade no pós-Guerra, sobretudo no círculo de amigos artistas da anfitriã, fez com que seu interesse pela literatura crescesse.

Passava mais tempo em cafés e em conversas com intelectuais do que estudando para os exames que deveria prestar. Não à toa, foi reprovado duas vezes. Na segunda reprovação, quando soube do resultado, acionou o alarme de incêndio do edifício – um ato de clara delinquência juvenil.

Como também possuía gosto pela pintura resolveu se inscrever na Academia Nacional de Belas Artes, mas frequentou o lugar por apenas 15 meses, até abandonar o curso e se dedicar a “empregos pequenos”, como ele mesmo descreveria em suas cartas. Logo, veio a época de seu serviço militar. Inicialmente foi para o Exército, como recruta, porém, como já fazia aulas de voo privado, foi-lhe oferecida a oportunidade de mudar para a Força Aérea.

Para o garoto apaixonado por aeronaves, aquele foi o maior presente que poderia receber. É verdade que a disciplina não era seu forte, mas seus superiores pareciam fechar os olhos para isso. Além da origem aristocrática, Antoine se mostrou um piloto brilhante. Quando acabou o curso de pilotagem, foi transferido para Casablanca, no então Marrocos Francês, e depois redesignado para a metrópole, para servir em um aeródromo nos arredores de Paris.

Esta situação lhe era perfeita, pois podia aliar a paixão de voar e o trabalho, e ainda aproveitar o melhor da Cidade Luz nas horas vagas. Em 1923, ficou noivo de Louise Lévêque de Vilmorin, jovem de uma família de peso na cidade.

Apesar da reprovação de seus pais, a moça se encantou pelo piloto que, embora tímido, tinha porte de príncipe e despertava uma paixão pela vida, principalmente quando falava das façanhas aéreas – e de alguns acidentes – que já começara a colecionar. Como tudo parecia em sua vida, o fim do romance com Louise também foi súbito.

Antoine de Saint-Exupéry e sua esposa em Paris - Crédito: Domínio Público

 

Tendo decidido não continuar na Força Aérea – pelas condições estritas da vida militar e não por deixar de voar –, e tendo começado a trabalhar como representante comercial, Antonie foi tomado pela depressão. Sem amor, sem propósito, escreveu para sua mãe pedindo que ela fosse visitá-lo em Paris. E, apesar da condição, como uma fênix conseguiu se reinventar.

Aéropostale

Naquela década, um novo tipo de transporte estava nascendo: o correio aéreo postal. Pilotos precisavam ser aventureiros para voarem em aparelhos rudimentares por rotas muitas vezes desbravadas pelos próprios aviadores – algo que fascinava Saint-Exupéry. Para ele, um piloto desempregado, haveria emprego melhor?

Não demorou a conseguir uma vaga na Latécoère (rebatizada de Aéropostale em 1927), onde ainda se juntou a nomes como Jean Mermoz e Henri Guillaumet, dois ases da aviação. Um lugar “para os bravos e destemidos, homens e heróis”, descreveu Saint-Exupéry tempos depois sobre aquele ambiente e amigos que, não por acaso, se tornaram protagonistas dos primeiros romances de Antoine.

Depois de passar pela escola de pilotos da agora Aéropostale, foi designado como um dos responsáveis da linha aérea Toulouse-Casablanca-Dakar. A responsabilidade que recebeu, sendo ainda jovem, podia ser tudo, menos o acaso. O percurso era muito perigoso, não apenas por voar sobre as areias do Saara, mas também pelos desafios que tinha de enfrentar, como os confrontos com as tribos beduínas e a pouca fiabilidade das aeronaves.

A taxa de morte de pilotos era elevada, mas isso não o preocupava. Flertando com a morte em seu cotidiano, Saint-Exupéry se saiu melhor do que seus superiores previam. Tendo demonstrado também habilidades como negociador, o jovem piloto recebeu o comando do posto de Cabo Juby.

Ali, no meio do deserto e alijado da civilização, tinha de conciliar os interesses franceses com os espanhóis – uma vez que estava em terras espanholas na África –, e com os povos do deserto, que capturavam os pilotos acidentados e exigiam resgate. Por sua habilidade diplomática foi condecorado com a Legião de Honra, a mais alta comenda francesa – a primeira das muitas que receberia.

O tempo que passou em Cabo Juby fez com que ele, a exemplo de muitos europeus, se apaixonasse pela vastidão e magia do deserto. A solitude daquele posto também fazia com que escrevesse cartas para amigos e família, especialmente para sua mãe, onde contava – já com traços de seu personalismo literário – suas experiências naquelas novas rotas de comércio. O coletivo desses relatos se tornaria um livro, o seu primeiro romance, Correio Sul, publicado em 1929.

Sua obra de estreia revelava, na intimidade, como a solidão do deserto se tornava uma espécie de teste de caráter e de provação ao rapaz que, cedo, ficou órfão de pai. A forma como lidou com o turbilhão de sentimentos, alternando tristeza com momentos de exaltação e glória, fizeram com que se tornasse um adulto íntegro e benevolente.

Quando seu tempo ali terminou, foi enviado de volta a Paris. Mas a vida da cidade, onde tudo estava pronto, já não tinha mais sabor – pelo menos não agora. Ansiava por mais aventura. Foi assim que aceitou um novo desafio: dirigir a Aeroposta Argentina, a subsidiária sul-americana da Aéropostale. Aos 29 anos e sedento por mais aventura, desembarcou em Buenos Aires.

Contudo, teve a decepção de se ver atolado na burocracia característica dos trabalhos de gerência. Sem a perspectiva de novas façanhas, seu novo posto tinha como único lado positivo o “pagamento generoso”, como confessou em uma carta à sua mãe. Para o aristocrata que, desde a infância, se via sem muito dinheiro, os proventos de diretor internacional de uma firma em expansão lhe permitiam custear o estilo de vida que sempre sonhou.

Ainda assim, faltava algo. Sempre que podia, achava uma desculpa para poder voar e, em mais de uma dessas viagens, veio ao Brasil, pois uma das linhas da Aeroposta passava por aqui (leia mais no quadro da página 49). Fosse para entregar uma encomenda ou achar um camarada que caiu em um ponto inóspito do continente – muitas linhas da Aeroposta ficavam em meio a ilhas não mapeadas ou sobre os Andes –, lá estava Antoine de Saint-Exupéry.

Esse foi o caso de uma das aventuras que viraria tema de seu livro Terra dos Homens, publicado em 1939. Quase dez anos antes, seu amigo Guillaumet, também piloto, caiu enquanto sobrevoava a cordilheira na fronteira da Argentina com o Chile. Ao saber de seu desaparecimento, Antoine não descansou enquanto não o encontrou.

A despeito das recomendações das autoridades, que diziam não ser possível sobreviver a tantas intempéries, Guillaumet foi localizado, vivo, cinco dias mais tarde. O abraço dos dois quando se reencontraram e as palavras emocionadas de Antoine, eternizadas em seu livro, ajudaram a consolidar a fama de ambos (e da Aéropostale) como uma “companhia para os bravos”.

Com pagamento satisfatório e tendo conseguido encontrar tempo para suas aventuras e pensamentos – já que era na imensidão do céu onde gostava de refletir –, parecia estar com a vida feita. E foi nesse clima que começou a aproveitar a noite portenha, onde conheceu seu grande amor: Consuelo Suncín Sandoval, uma jovem salvadorenha.

Antoine a pediu em casamento logo que a viu, mas a união aconteceu de fato quando retornou à França, em 1931, no mesmo ano em que publicou seu segundo romance, Voo Noturno, fortemente inspirado em suas peripécias aéreas durante a estadia na América do Sul. Já de volta ao país natal, Saint-Exupéry ainda passaria alguns meses como executivo da Aéropostale, mas optou sair da companhia após a aquisição pela Air France.

O sucesso de seus dois livros e a adaptação de Voo Noturno para o cinema lhe renderam royalties e fama, o que lhe permitia levar uma vida confortável em Paris. E, cada vez mais, o escritor superava o aviador – que nunca deixou de voar. Sempre em busca de novos recordes e novas rotas aéreas, relatava suas viagens em artigos para jornais.

Em 1936 e 1937 fez duas viagens à Espanha para cobrir a Guerra Civil, que acabara de começar. Ficou horrorizado com as atrocidades cometidas pelos dois lados do conflito e, conta-se que lá, teve a sensação de que uma guerra maior estava por vir. Assolado por estes pensamentos, se refugiou na busca de novas façanhas aéreas. Em 1938, enquanto tentava ir de Nova York à Terra do Fogo, com o avião sobrecarregado por causa de um erro no cálculo de combustível, acabou caindo na Guatemala.

Saiu vivo do acidente, mas foi enviado de volta a Nova York para se recuperar e, assim, terminou 'Terra dos Homens'. O ano era 1939 e, enquanto pensava em suas próximas viagens, o destino lhe reservou outros planos. Com a invasão nazista na Polônia, Inglaterra e França declararam guerra à Alemanha. Neste momento, o capitão Saint-Exupéry, reservista da Força Aérea, foi convocado de volta ao serviço. Era o início da Segunda Guerra Mundial.

80 anos do principezinho

Em razão da Segunda Guerra Mundial, o manuscrito original de 'O Pequeno Príncipe' foi publicado primeiro nos Estados Unidos, em abril de 1943, em inglês (mas também em francês, por exigência do próprio Antoine), e só depois na França, onde chegou apenas em 1946, dois anos após a morte do autor. O livro foi um sucesso imediato e até hoje é um dos mais lidos do mundo, com mais de 150 traduções de norte a sul do planeta.

Capa de 'O Pequeno Príncipe' - Crédito: Domínio Público

 

Uma obra que encanta gerações e gerações e dialoga com a vida do autor, que manifesta suas esperanças e desejos para o mundo. É também um livro de poesia e ternura, uma fábula filosófica que nos convida a refletir sobre a existência, os caminhos e as escolhas dos seres humanos. É a herança maior que um homem romântico, apaixonado pela vida, podia legar para a humanidade.

Na linha de frente

De volta à Europa, já com quase 40 anos e com algumas limitações devido aos múltiplos acidentes, o capitão francês recebeu uma função burocrática. Porém, mantendo sua própria tradição, gentilmente recusou dizendo que “não desejava pilotar uma mesa enquanto tantos se arriscavam na linha de frente”.

Foi então designado para a unidade de reconhecimento aéreo. Apesar de conseguir o que desejava, precisou conquistar o respeito de seus pares e subordinados, que acreditavam que um nobre – e ainda por cima famoso por suas proezas aéreas – jamais desejasse “o trabalho de verdade”.

Mas isso não foi um problema: ao colocar sua vida em risco em mais de uma ocasião, Antoine ganhou não só o respeito desses homens como também admiração e amizade. Apesar das missões bem-sucedidas, que lhe valeram a Cruz de Guerra da França, seu serviço foi em vão, pois o país capitulou perante a superioridade militar germânica em 22 de junho de 1940.

Em uma peripécia que mais parecia uma cena de seus livros, conseguiu voar por cima das linhas inimigas até Orã, na então Argélia Francesa. Levava alguns outros compatriotas a bordo e, de lá, partiu para a neutra Portugal, de onde embarcaria para o exílio nos Estados Unidos.

Entre dois continentes

Em seu retorno à América, tinha apenas um objetivo: convencer os EUA a se juntarem à guerra contra a Alemanha. Apesar da fama e de todo o seu esforço, encontrou resistência e desconfiança, até mesmo de seus compatriotas. Escolheu não aderir ao Governo de Vichy, a quem considerava um traidor dos ideais franceses, mas também não aderiu aos Franceses Livres, do general De Gaulle e, dessa forma, passou a receber críticas de ambos os lados.

Durante sua estadia nos Estados Unidos, além do ativismo, escreveu mais uma obra, Piloto de Guerra (1942), sobre sua experiência na Batalha da França, e viveu um romance com a jornalista norte-americana Sylvia Hamilton. Consuelo morava com ele em Nova York, mas a relação dos dois passou por momentos conturbados ao longo dos anos juntos. Em 17 de abril de 1943, Antoine e Sylvia se viram pela última vez.

No ano anterior, os EUA haviam entrado na guerra contra a Alemanha e se preparavam para invadir a África ao lado dos ingleses e da França Livre. Apesar de suas diferenças com o general De Gaulle, o amor dos dois pela França era maior e Saint-Exupéry foi reintegrado à Força Aérea. Em sua despedida, Antoine confiou a Sylvia um bem precioso: os manuscritos originais de 'O Pequeno Príncipe', escrito e ilustrado por ele mesmo.

Aos 43 anos, bem acima da idade máxima de um aviador militar e, a despeito das desconfianças que alguns comandantes gaullistas ainda tinham dele, Antoine de Saint-Exupéry foi reintegrado à sua antiga unidade de reconhecimento aéreo: o Grupo 2/33 Savoia. Precisou de algum tempo para se adaptar à nova aeronave, o F-5 Lightning, mas, com sua experiência e o amor pela aviação, conseguiu desempenhar cinco missões bem-sucedidas enquanto estava ainda na África, o que lhe rendeu inúmeros elogios ao redor.

O fim da vida e o início da história

Em 31 de julho de 1944, um dia calmo, de poucas nuvens e céu azul indescritível, Saint-Exupéry decolou da base de sua unidade em Borgo, na Córsega. Sua missão era fazer o reconhecimento aéreo do sul da França em preparação para a invasão Aliada que ocorreria em alguns dias. A aeronave, desarmada, carregava combustível para seis horas de voo.

Decolou às 8h25 e sua última posição conhecida foi dada cinco minutos após. Depois, nada. Quando o tempo previsto para o combustível se esgotou – e sem notícias do piloto–, a buscas começaram. Diante da falta de sinal da aeronave e de seu corpo, Antoine foi considerado desaparecido em combate. E morto.

Não é possível saber o que aconteceu naquele fatídico dia, porém a correspondência pessoal do piloto dá conta do turbilhão de emoções pelas quais passava o escritor antes de sua última missão. A guerra havia cobrado um preço muito caro para um homem com uma vida que, apesar de vivida com intensidade e alegrias, foi também triste e cheia de provações. A última carta que Antoine escreveu, horas antes de decolar, chegou à sua esposa duas semanas depois.

Nela, é nítida a face mais humana de um homem, celebrado pela coragem e feitos heroicos, que guardava dentro de si uma grande sensibilidade. Em suas palavras finais, lê-se: “Consuelo, preciso das suas cartas assim como preciso de pão para viver. Você é meu doce dever e gostaria de poder te amparar. Só quero dizer que te amo. Tenha certeza de que meu amor por você é tão resplandecente quanto a luz do Sol”.

Ainda que sua morte até hoje não tenha sido completamente esclarecida, a paixão com que viveu e seu legado literário fizeram de Saint-Exupéry um personagem imortal. Por ironia do destino ou não, vale lembrar-se do que disse a raposa ao jovem protagonista: “És eternamente responsável por aquilo que cativas”. Antoine cativou o mundo – e, de certa maneira, em sua morte, se igualou ao mistério de 'O Pequeno Príncipe' que legou à humanidade.

Será o fim da vida o início da História? O Piloto “Zé Perri” no Brasil Uma das linhas operadas pela Aeroposta na América do Sul era a Rio-Buenos Aires. A linha foi inaugurada em 16 de maio de 1930. Com a pouca autonomia dos aviões da época, muitas escalas para reabastecimento eram necessárias. Uma delas era em Florianópolis, no aeródromo perto da Praia do Campeche.

Com seu jeito simpático, mesmo diante da dificuldade de comunicação, Saint-Exupéry fez amizade com o pescador Deca, que, sem conseguir pronunciar o nome do francês, passou a chamá-lo de “Zé Perri”. Antoine visitou ainda Vitória, Rio de Janeiro, Santos, Recife, Salvador e Natal, cidades onde a Aéropostale possuía operações ou para onde planejava se expandir. Foi em Natal que conheceu o Baobá, não por coincidência, as árvores do asteroide de 'O Pequeno Príncipe'.

Também há indícios que esteve em Belém, para planejar uma expansão da linha aérea que nunca se concretizou, devido ao fim da companhia. Por sinal, foi o fim das operações da empresa francesa que inspirariam a Criação do Correio Aéreo Nacional (CAN), em 1931. Baseado no sucesso da empreitada, e na necessidade de ligar o território, a aviação militar brasileira iniciou as atividades de transporte de correspondência.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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