Diego Martins reflete sobre homofobia e aceitação após Terra e Paixão: 'Abençoado'
Caras
Entre um clique e outro, a cena era inevitável: Diego Martins (26) era sempre tietado por um fã diferente. O assédio ilustra o sucesso que o ator fez na novela global Terra e Paixão. No papel de Kelvin, ele colocou o público para torcer pelo amor entre dois homens e levou a discussão da homofobia para a casa dos brasileiros. “É, de fato, o maior projeto que realizei na vida, a maior porta que se abriu para mim. Vai deixar muito aprendizado, mas, para além de tudo isso, vai deixar muita saudade também”, afirma.
Com o recente fim da trama, o artista se prepara para estrear um musical e ainda se dedica ao lado cantor. A sua versão drag queen, a Diego, está com a agenda cheia de lançamentos e espetáculos. “A Diego amarra tudo que eu amo fazer e, de fato, me prepara, é o meu escudo, é uma entidade para me apresentar”, define ele, em papo exclusivo com CARAS, no Lagune Barra Hotel, no Rio de Janeiro.
– A novela acabou, mas acredito que o legado de Kelvin e Ramiro (Amaury Lorenzo) ficará para sempre. O público torceu bastante pelo romance dos dois e esse amor ajudou a abrir a mente das pessoas...
– A história de Kelvin e Ramiro foi crescendo ao longo da novela, junto com a discussão de levar a pauta LGBTQIAPN+ para a casa das pessoas, carregada de amor, leveza, comédia, drama... foi tocando as pessoas. Esse trabalho é humano, é político e social. A ficha caiu aos poucos, porque boa parte dos comentários que recebo nas ruas, independentemente da idade ou do gênero da pessoa, é tipo: ‘Você abriu meus olhos, abriu os olhos da minha mãe, da minha vó... Hoje posso conversar sobre quem sou com o meu pai’. Então, para mim, é um trabalho muito importante e representativo. Fico feliz por tê-lo realizado.
– O beijo dos dois personagens foi uma das cenas mais aguardadas da trama. Ninguém poderia imaginar isso no Brasil, o País que mais mata pessoas da comunidade LGBTQIAPN+.
– Exatamente! É louco quando a gente recebe a informação de que as pessoas estavam esperando pelo beijo de dois homens, no horário nobre da maior emissora do País. E é engraçado, porque isso aconteceu quase que ao mesmo tempo de um momento louco, em 2023, quando a galera no Congresso decidia se casamentos homoafetivos poderiam continuar acontecendo ou não. Em 2023, um papo que parecia de 1800! E aí teve esse beijo para coroar e para reforçar que, no final das contas, realmente estamos falando de amor. Eu não vi nenhum comentário ruim sobre a cena e isso é engraçado porque todas as idades, gêneros, enfim, todas as pessoas, das que a gente julga conservadoras ou não, me paravam para perguntar: ‘E o beijo, não vai rolar?’. Ver isso acontecer foi lindo.
– Hoje, você é aceito por todos, mas em algum momento já enfrentou preconceito?
– Com certeza! Sou abençoado e sou exceção à regra, porque dentro de casa nunca sofri nada, não precisei nem me assumir, acho que esse papo nem existiu em casa. No máximo, algum dia a minha mãe
percebeu que eu estava saindo muito com um amigo que, de repente, virou meu primeiro namorado. Ela falou: ‘Você gosta dele? Está ficando com ele?’. Eu disse que sim e ela falou ‘tudo bem’. Meu pai nunca nem perguntou nada sobre minha sexualidade. Acho que esse posicionamento dos dois está relacionado às referências deles, pois sempre foram ligados à arte! E está aí o poder da arte, pessoas que crescem ligadas à cultura têm outra cabeça. Então, em casa, nunca sofri preconceito e amo falar sobre isso para que a minha família sirva de exemplo para outras famílias. Em casa o diálogo sempre foi possível, mas a rua é a rua, né?
– Na rua sofreu homofobia...
– Eu me entendo como homem gay desde os meus 16 anos, que foi logo quando estava entrando na faculdade, então, já ouvi muita besteira. Namorei um menino que não se entendia ainda e ele mesmo foi extremamente homofóbico comigo. A gente tinhas uns 17, 18 anos e ele falava coisas horríveis para mim. Depois de anos, ele se entendeu e, hoje, somos amigos. O que quero dizer com isso? Até mesmo dentro da nossa comunidade, a gente sofre. Às vezes, o lugar que a gente mais precisa de apoio não traz esse apoio e, às vezes, escuto coisas mais interessantes de pessoas fora da minha própria bolha do que de dentro dela.
– Por que isso?
– Tem várias explicações. Tem esse lugar do cansaço, algo que, quando fui fazer o Kelvin, entrei com essa cabeça. Pensei: ‘vou interpretar um personagem gay que, em princípio, é do núcleo cômico, numa novela das 9 e eu já vi muitas representações que não me representam. Acho que a minha comunidade está bem cansada disso e eu também. Então, me perguntava como fazer pra não cair em mais uma representação dessas. Ao mesmo tempo, ele é essa pessoa. O Kelvin era carismático, bem resolvido com ele mesmo, um jovem gay do interior do Mato Grosso do Sul que tem as referências pop, sertanejas, as mais gays possíveis, porque ele é essa pessoa. Então, não dá para fugir da comicidade dele. Porém, eu também podia trazer outra representação que não fosse cansativa. Não é porque ele é um personagem gay cômico que é só aquilo! É um ser humano com suas questões como qualquer outra pessoa. No início, muita gente pensava se tratar, mais uma vez, de um personagem gay afeminado correndo atrás do hétero, que vai ser grosso. E não foi isso, a gente viu duas pessoas descobrindo que podem amar e ser amadas. Foi um saldo positivo.
– Além dessa versão ator, já conhecida do público, também tem a Diego, que é a drag queen, cantora. Me fale sobre isso.
– Eu me considero um multiartista, me sinto extremamente realizado quando consigo fazer tudo que amo dentro da arte. Durante muito tempo, fiz teatro musical, que une basicamente tudo o que amo — cantar, dançar e atuar —, mas, para além da minha carreira de ator, também tem minha carreira de drag cantora. Eu canto desde cedo profissionalmente, desde os 14, 15 anos. Quando eu tinha 17, participei do The X Factor Brasil (Talent show musical exibido na Band) e entendi: a minha persona cantando passaria muito pelo feminino, transitaria entre os gêneros, as vibes, as energias. Eu usava um lápis carregado, batom, botas de salto alto, roupas femininas, masculinas. Depois de um tempo, entendi que o que eu fazia já era drag, já era a Diego 2.0, uma Diego que canta, performa no palco, e não esse aqui sentando conversando. Sempre fui fã da arte drag e, em 2018, um amigo que estava fazendo um musical comigo falou para eu comprar uma peruca, porque chegava mais cedo nesse musical só para experimentar as das meninas. Aí, comprei minha primeira peruca e entendi que era isso que faltava.
FOTOS: MARCIO FARIAS; VÍDEO: ANDRÉ IVO; BELEZA: VIVI GONZO; STYLIST: LARISSA CASTILHO; ASSISTENTE DE STYLIST E PRODUÇÃO DE MODA: LUKE HAUCKMANN; DIEGO VESTE: JHONATAN ZATHA, LULLY HAIR, ANOTHER PLACE E HAUCKMANN; AGRADECIMENTOS: LAGUNE BARRA HOTEL