'Eu não cheguei aqui ontem, existe uma trajetória', avalia Kenya Sade
Caras
Você já deve reconhecer o rosto dela da televisão. Desde o início do ano passado, Kenya Sade (30) aparece na telinha da Globo para comandar a transmissão dos principais festivais de música que acontecem no Brasil. Após passagens pela TV Cultura, Trace Brasil e Multishow, a jornalista alça voos cada vez mais altos ao entrevistar grandes ícones da música pop, tornando-se um nome popular entre a nova safra de apresentadores globais. “É a chance da minha vida! Uma oportunidade única de mostrar quem eu sou. Não acho que eu sou a primeira, a Glória Maria já fazia essa mistura de jornalismo e entretenimento. Mas sinto que estou abrindo uma nova era de pessoas pretas no entretenimento, falando de outras coisas para além dos nossos sofrimentos e do racismo”, pontua Kenya, em papo exclusivo com CARAS. Ela agora se prepara para novo desafio, como co-host do The Masked Singer, ao lado de ninguém menos do que Ivete Sangalo (51). “Me senti tão em casa. Está sendo tão legal fazer parte desse universo de magia. Me sinto muito acolhida, estou muito grata!”, diz.
A jornalista lembra com emoção de sua trajetória profissional até chegar, finalmente, à telinha da Globo. “Não era meu grande sonho trabalhar com televisão e acho que foi até um autoboicote meu, porque sabia que era difícil e competitivo. Por alguns momentos como estagiária, pensei que não era para mim”, conta Kenya, que, em 2018, decidiu realizar um intercâmbio na Irlanda. “Não estava tão feliz no mercado de trabalho, que é muito difícil para mulheres negras, especialmente num Brasil que ainda não falava tanto sobre racismo”, se recorda. No ano que passou viajando pela Europa, surgiu a oportunidade de voltar ao nosso País até o teste na Globo. “Era a chance da minha vida. Tinha uma única oportunidade de mostrar quem eu sou”, conta. Tudo deu certo e o resto é história. “Acho que sempre fui da TV quando faço essa retrospectiva. A Globo me escolheu e assinei o contrato em 2022”, diz.
Talentosa, ela tem noção do que representa, mas não deixa que a responsabilidade se torne um peso para o seu trabalho. “É um sentimento duplo: fico feliz de ser referência porque as pessoas podem acreditar que o sonho é possível, mas é uma responsabilidade muito grande. Tenho erros e acertos, mas meus movimentos não são só para mim. Eu carrego a comunidade comigo. Sou fruto de uma luta de anos do movimento negro. São tantas outras vozes que vieram antes de mim. Minha imagem na tela já causa impacto muito grande”, pondera. “Uma apresentadora preta, retinta. As pessoas me dizem que ficaram impressionadas comigo entrevistando a Demi Lovato em inglês, recebi mensagens de mulheres dizendo que fui um incentivo para elas voltarem a estudar a língua. Nesse lugar, me torno uma referência. São minhas vitórias pessoais, mas também é uma vitória coletiva”, comemora ela.
Além de Demi Lovato, a apresentadora já teve a honra de entrevistar nomes como a atriz Viola Davis (58) e o DJ Tiesto (24). No fim do ano passado, mais um momento único na carreira: Kenya foi repórter por um dia do Fantástico e acompanhou nada mais nada menos do que a passagem-relâmpago de Beyoncé (42) pelo Brasil. A cantora participou de um evento para fãs em Salvador, na Bahia, e Kenya estava nas primeiras fileiras, registrando cada momento da diva no palco em uma live que viralizou nas redes sociais. “Tudo de mais extraordinário acontece na Bahia. Ela escolheu Salvador para declarar seu amor pelo Brasil. Só quem viveu sabe. Um momento inesquecível e inexplicável”, vibra.
E não são só os gringos que fazem o coração de Kenya bater mais forte. “Teve vários momentos que eu tremi na base! Fui para Salvador e tinha um grande show de Ivete Sangalo, Luedji Luna, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Estava com os quatro do meu lado para a entrada ao vivo. A gente entrega o trabalho, mas a minha perna estava bamba. Era uma energia surreal!”, relembra. “Ainda é muito louco me olhar na TV! É tudo muito novo”, admite.
Casada com a pintora Thamyris Donadio, a jornalista não vê sua sexualidade como tabu e também torce por um espaço mais inclusivo e democrático para os profissionais LGBTQIAPN+ na mídia. “Hoje, nós avançamos e as pautas mudaram. Há uma aceitação maior do público, de entendimento. Mas, para nós, ainda existe um lugar de invisibilidade e falo disso com muita naturalidade. Não tenho vergonha nenhuma! É a minha vida, a minha identidade. Mas acho que falta representatividade de mulheres lésbicas na mídia”, avalia.
Diante da trajetória de sucesso, Kenya dá somente uma dica para aqueles que querem seguir os passos dela. “Pretinhos e pretinhas, estudem e estudem, só isso é um caminho para nós. A gente ainda vive nessa sociedade racista e temos que nos provar quatro vezes mais. Eu não cheguei aqui ontem, no susto, existe uma trajetória: fiz uma boa faculdade, bons cursos, investi em mim mesma”, explica ela.
E o que esperar do futuro? Kenya sonha o mais alto possível! “Sou uma mulher ambiciosa, sim, não é algo negativo! Nós temos que ter sonhos, sim. Gostaria de ter um programa meu. Por que não? Idealizo e tenho feito essa construção pessoal para chegar a lugares maiores. Tem muito chão pela frente, mas eu sonho todo dia em atingir milhões de pessoas com o meu trabalho”, conclui.
FOTOS: RODOLFO SANCHES/GLOBO/REPRODUÇÃO