Salão de Baile foi feito para 'compartilhar com o mundo as pessoas que nos inspiram', revelam diretoras Juru e Vitã
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Salão de Baile: This Is Ballroom, grande vencedor do 32º Festival MixBrasil, chega aos cinemas brasileiros a partir desta quinta-feira, dia 5 de dezembro, trazendo um mergulho no universo efervescente da cena ballroom do Rio de Janeiro, uma comunidade protagonizada por pessoas pretas e LGBTQIAPN+, que segue a trilha da cultura criada na década de 1970, em Nova York.
Conversamos com Juru e Vitã, diretoras do documentário, ambas integrantes da cena ballroom do Rio de Janeiro, assim a equipe do longa. “Mais do que um filme sobre a cena ballroom, nós fizemos um filme em conjunto com a comunidade ballroom. Queremos proporcionar ao espectador uma experiência de imersão no universo, com o nosso olhar ‘de dentro’”, explicou Vitã. Confira a entrevista na íntegra a seguir:
Quando surgiu a ideia de fazer o documentário sobre a cena ballroom do Rio de Janeiro, e como foi o processo de imersão nesse universo?
Juru: A ideia do filme surgiu em 2019. Eu e Vitã já frequentávamos a cena há um tempo. Eu desde 2017 e Vitã desde o começo de 2019. Já nos conhecíamos, mas nos reencontramos bastante nas ballrooms. Eu estava fazendo uma pesquisa de doutorado sobre a cena e comecei a frequentar as ballrooms por interesse pessoal, mas logo isso se transformou em pesquisa. A partir de 2019, eu comecei a participar de todas as ballrooms e encontrei Vitã com frequência. Esse processo foi bonito, pois embora já fôssemos amigas, foi ali que nos aproximamos mais.
No final de 2019, fomos a uma ballroom da House of Alafia, que era muito especial, uma ballroom dedicada às Yabás, as orixás femininas das religiões de matriz africana. Foi um dia muito lindo e familiar. Quando saímos de lá, sentamos no bar e a Vitã sugeriu que fizéssemos um filme que fosse uma ballroom. Eu pensei: 'Será que isso é uma conversa de bar ou vai para frente?' No dia seguinte, Vitã marcou uma reunião e começamos a escrever o projeto.
Enviamos o projeto no início de 2020, mas aí veio a pandemia. No entanto, em abril de 2020, fomos contempladas com um edital, o que foi muito importante, especialmente porque a pandemia nos deixou sem saber quando poderíamos reunir pessoas novamente. O edital demorou para ser pago, então só conseguimos filmar em 2022, depois de dois anos de espera e mobilização. A maior parte das filmagens aconteceu em 2022 e algumas gravações extras em 2023.
Como foi o processo de pesquisa para o documentário?
Vitã:A pesquisa foi, na verdade, muito orgânica. Quando comecei a frequentar a ballroom, era por um interesse pessoal. Eu queria estar ali, entender o fenômeno, as pessoas, o que estava por trás disso, e me conectar com a comunidade. Eu queria compreender as categorias e como as coisas funcionavam ali, então participei de workshops e encontros. Isso foi se tornando parte de uma pesquisa pessoal.
Quando a ideia do filme surgiu, nossa perspectiva mudou. Pensamos: 'Como podemos transformar essa experiência em cinema?' A partir daí, começamos a nos relacionar com a cena de uma nova forma, já com a ideia do filme em mente. Começamos a ver outros filmes sobre ballroom, mas pensando no que queríamos fazer de diferente, o que nos interessava, o que tinha em comum com os nossos próprios interesses artísticos, e como poderíamos consolidar um projeto para que outras pessoas entendessem nossa proposta.
Uma das poucas certezas que tínhamos era que queríamos fazer um filme coletivo, sobre uma comunidade e com a comunidade. Então, trouxemos pessoas da ballroom para a equipe. Não só para atuar, mas também para pensar junto com a gente sobre o filme e como ele seria feito. Isso foi fundamental, porque o filme foi debatido e discutido com a cena de maneira conjunta.
Juru:Eu lembro de um momento em que estávamos tendo algumas reuniões com produtores e outras pessoas, e alguém comentou: 'Ah, as diretoras já fizeram a pesquisa.' Eu pensei: 'Será que já fizemos a pesquisa?' Para mim, naquele momento, estávamos apenas vivendo a cena, querendo entender e nos conectar. Não era algo tão separado, como um 'momento de pesquisa', mas um processo que foi acontecendo de forma natural. Foi uma vivência que se transformou, aos poucos, em um projeto de documentário.
A Vitã mencionou que vocês assistiram a outros documentários. Bixa Travesty (2018) e Paris is Burning (1990) foram algum tipo de influência para vocês?
Juru:Paris is Burning foi uma referência que, inicialmente, a gente quis desviar. A gente queria se afastar desse filme por entender que há muitas discussões críticas dentro da própria comunidade sobre ele. Uma das críticas é que as pessoas que participaram do filme não foram devidamente valorizadas ou recompensadas. Então, desde o começo, decidimos que iríamos filmar apenas uma ballroom, não várias, e fazer dessa ballroom o acontecimento principal.
Além disso, decidimos pagar cachê, fornecer transporte e garantir condições para que as pessoas estivessem lá, algo que estava previsto desde o início do projeto. A ideia era não repetir o que aconteceu com Paris is Burning, onde muitos dos participantes não receberam retorno. A organização do projeto, portanto, envolvia não só esse fomento, mas também a inclusão de pessoas da cena na equipe de produção. A equipe de direção, por exemplo, é toda da cena, e o mesmo se aplica à produção, arte e direção sonora. Ou seja, começamos com um desvio do Paris is Burning.
Vitã:Curiosamente, é a primeira vez que alguém traz Bixa Travesty em uma entrevista com a gente, e eu acho interessante pensar nesse filme em relação ao nosso. Ele registra um momento e uma época na vida de uma pessoa em transformação, e é isso que também vemos no nosso filme: as pessoas que filmamos dois anos atrás são muito diferentes hoje. E, dentro do filme, elas também passam por mudanças. A transformação pessoal é uma parte central do nosso filme, e por isso Bixa Travesty tem uma conexão, mesmo que não tenha sido uma referência direta para nós.
Juru:Um filme muito importante para a gente foi Línguas Desatadas (1989), do Marlon Riggs. Esse filme, que também é da mesma época de Paris is Burning, tem uma presença da cena ballroom, mas se destaca por seu caráter performativo. Usamos essa referência para algumas cenas no nosso filme, especialmente para as reencenações históricas e intervenções performáticas, como a cena da cantora famosa dos anos 1990.
Como foi montar o filme? Tinha muito material gravado?
Juru:Sim, gravamos mais de 30 horas de material e tentamos conectar todas as histórias e entrevistar mais de 30 pessoas. Encontramos desafio em como reunir tudo isso. Nesse momento, a referência ao Paris is Burning voltou à tona, principalmente por causa do seu caráter ensaístico. Achamos que a forma como o filme mistura os tópicos nas vidas das pessoas e na ball é muito bem feita e elaborada, o que nos inspirou a fazer algo semelhante.
O documentário traz um olhar intimista e pessoal dos artistas e performers, mas também aborda aspectos coletivos e culturais. Como foi a decisão de construir uma narrativa que equilibrasse essa dualidade, sem perder o foco no indivíduo e também na comunidade?
Juru:A decisão de equilibrar esses dois aspectos foi pensar sobre o que é compartilhado, o que é comum, o que é a produção de comunidade, mas também sobre o que é singular, o que é diferença. Sabíamos que existem experiências trans diferentes, com vivências muito distintas, e esse equilíbrio é o que cria a riqueza da multiplicidade.
Voltando à questão da montagem, esse foi o grande desafio. Passamos mais de um ano e meio trabalhando com o PeterKino, nosso montador, para testar diferentes formas de combinar as histórias e criar uma dramaturgia coletiva a partir das histórias individuais. A questão era como uma experiência da ball atravessa a vida das pessoas, e como conseguimos retornar à ball, trazendo outras questões.
As histórias são múltiplas, mas se conectam. Na cena ballroom, as pessoas contam suas histórias enquanto dançam, enquanto performam. A nossa estratégia foi desdobrar isso, tanto no discurso do filme quanto nas histórias das pessoas.
Vocês enfrentaram desafios durante a pré-produção do filme? Como foi o processo de decidir que o foco seria coletivo e plural?
Vitã:Durante a pré-produção, participamos de um laboratório no Conecta TV, que foi realizado online devido à pandemia. Nessa fase, recebemos muitos conselhos de que o filme deveria focar em um número limitado de protagonistas, normalmente de três pessoas, para não se tornar superficial. Eles diziam que, com mais de três personagens, o filme perderia profundidade e não circularia bem nos festivais. No entanto, isso nunca foi o que queríamos. Fizemos até o exercício de tentar criar um roteiro com quatro personagens centrais, mas percebemos que esse não era o projeto que queríamos realizar. Queríamos um filme plural, um manifesto coletivo que refletisse a diversidade da ballroom. Então, decidimos bancar isso, mesmo com a insegurança de saber se funcionaria.
A ideia era fazer um filme com várias histórias, sem perder a emoção e a conexão com o público, e foi um grande desafio costurar tantas histórias em tão pouco tempo. Um baile pode durar de cinco a seis horas, mas o filme precisava condensar tudo isso em uma hora e meia, incluindo histórias, batalhas, performances e emoção. Foi um grande desafio que escolhemos viver, e estamos muito orgulhosos do resultado, especialmente pelos retornos positivos que temos recebido.
Como vocês veem a evolução do ballroom no Brasil daqui para frente, considerando todas as transformações culturais e políticas?
Juru:Eu acho que a ballroom é um lugar onde as coisas estão em constante transformação, elas estão borbulhando. A cena está passando por um processo constante de auto-reflexão, criação e tradução da cultura de fora. Não sabemos exatamente o que esperar, mas vemos um processo de amadurecimento e ebulição. Muitas surpresas e novas categorias podem surgir, como as de pessoas transmasculinas e não-binárias, que estão cada vez mais presentes e demandando seu próprio espaço na cena.
Qual é o papel do documentário dentro dessa evolução?
Juru:O filme tem como expectativa fortalecer a cena, ajudando as pessoas a entenderem o que é a cultura ballroom e como ela pode ser fortalecida. Ele aproxima pessoas que não conheciam o movimento, mostrando que existe uma cena aqui no Brasil, o que tem gerado um impacto positivo. O documentário também ajuda a divulgar e visibilizar o movimento, trazendo um foco importante para a cena.
Como o acesso à produção audiovisual mudou a forma como a cena ballroom é representada?
Vitã:No passado, as pessoas da cena ballroom não tinham acesso fácil à produção audiovisual. Elas precisavam de parcerias externas para registrar a cultura, como o clipe Deep In Vogue [de Malcolm McLaren e a Bootzilla Orchestra]. Hoje, com o acesso à tecnologia, as pessoas da cena podem se registrar e se representar como querem. O nosso filme é uma das várias produções que vêm surgindo, além de outros documentários, séries e clipes. Isso mostra como a cena tem se fortalecido e se mostrado para o mundo.
Estamos vendo novos filmes surgindo pelo Brasil todo. Em Belo Horizonte, um filme está na etapa final de gravação, e há projetos em Maceió, Curitiba, Juiz de Fora e Fortaleza. A cena está crescendo e se espalhando pelo país, com novos curtas e produções sobre ballroom em diversas cidades. O nosso filme é apenas uma parte dessa longa construção da ballroom no Brasil, que agora está ganhando visibilidade.
Como tem sido a recepção do filme em festivais e o que significou para vocês ganhar o Coelho de Ouro no 32º Festival MixBrasil?
Juru:Foi uma experiência muito emocionante. Ganhar o prêmio do Festival MixBrasil foi algo especialmente significativo, porque esse é um festival feito por e para a nossa comunidade, o que torna o reconhecimento ainda mais importante.
Além disso, recebemos prêmios em festivais internacionais, como o prêmio do público no Queer Porto e no NewFest em Nova York, o que também foi muito gratificante. Ter o reconhecimento do público de diferentes partes do mundo é algo incrível mas, para mim, o maior prêmio é ver a cena local, a nossa comunidade, se sentindo representada e valorizada pelo que fizemos. Esse é o verdadeiro sucesso para mim: ver como o filme contribui para a nossa cena e como as pessoas daqui se sentem tocadas por ele.
Quais são os planos para o futuro do documentário após essa recepção positiva em festivais internacionais?
Juru:Agora, estamos animados com a exibição comercial do filme, que está chegando ao cinema, mas entendemos que o filme terá uma vida longa. Queremos que ele seja exibido em centros culturais e cineclubes, alcançando o maior número possível de pessoas, especialmente dentro da nossa comunidade, em várias partes do Brasil. Nosso objetivo é continuar conectando as pessoas e mantendo esse diálogo vivo, seja no Brasil ou em outros lugares do mundo.
Houve algum momento marcante durante a participação do filme em festivais internacionais?
Vitã:Sim. Um dos momentos mais marcantes aconteceu em Oslo, na Noruega, onde recebemos um prêmio de um júri que, surpreendentemente, tinha uma pessoa da House of La Beija, uma das mais famosas casas da cena ballroom. Quando descobrimos, ficamos emocionados, porque esse tipo de conexão, inesperada, mostra como a nossa cena está infiltrada em vários lugares ao redor do mundo.
Além disso, ver como o filme tem ativado cenas ballroom em outros locais, como quando pessoas dessa comunidade vão aos cinemas ou participam de debates e performances, tem sido muito gratificante. Acreditamos muito nesse poder de conexão e é muito especial ver o filme cumprindo esse papel.
O que tem da Juru e da Vitã no Salão de Baile?
Vitã:A cineasta Sandra Kogut (Três Verões) comentou que viu muito de nós no filme, especialmente em relação ao humor e à subjetividade. O filme reflete nossa experiência e as discussões que vivenciamos no ballroom e com nossas famílias. A ideia era capturar essas 'pérolas', momentos que achamos engraçados, bonitos ou significativos, e compartilhá-los com o público. A ideia é também mostrar as pessoas que nos inspiram e nos ajudam a nos descobrir, algo que ainda estamos vivendo no processo de autoconhecimento.
Juru:O filme reflete muito da nossa subjetividade e das pessoas que estão ao nosso redor, como amigos e familiares. Ele compartilha as intimidades, inseguranças e momentos significativos que vivenciamos, mostrando como essas pessoas nos inspiraram e ajudaram a nos descobrir. Muitas vezes, não sabíamos que poderíamos ser algo até encontrar essas pessoas, e o filme também é sobre essa transformação, tanto nossa quanto delas.
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