Há 54 anos, Tupi mudou novela de horário após censura federal
Contigo!
Em 1970, a finada TV Tupi decidiu importar Simplesmente Maria, dramalhão consagrado como um sucesso em vários países americanos de língua espanhola. Inicialmente, a novela era exibida às 19h, mas uma mudança de horário foi imposta pela censura federal e a obra passou a ocupar o horário das 20h.
A trama acompanha a jovem Maria (Yoná Magalhães), que deixa o interior para trabalhar como empregada doméstica de Roberto (Ênio Gonçalves), um jovem estudante de medicina. Ingênua, Maria engravida do patrão e é abandonada ao revelar essa verdade. Para a situação do país na época, a obra era bastante progressista ao ter como protagonista uma mãe solteira, o que é uma possível explicação para o desejo de censura pelo governo militar.
Na TV Tupi, o texto original de Celia Alcântara (1920-2005), produzido pela primeira vez em 1969, foi adaptado por Benjamin Cattan (1925-1994) e Benedito Ruy Barbosa (93). No segundo mês de exibição da obra, a emissora solicitou que Cattan abandonasse o que já estava produzido e conduzisse a trama de forma autoral.
Simplesmente Maria teve 315 capítulos que ocuparam a grade da Tupi por quase um ano e contou com grandes estrelas da teledramaturgia no elenco, como Yoná Magalhães (1935-2015) e Carlos Alberto (1925-2007), que eram na época um casal.
Longo histórico de censura na TV
A novela, que é a segunda mais longa da TV Tupi, não foi a única a sofrer com imposições do período militar.
A autora Janete Clair (1925-1983), por exemplo, foi obrigada a fazer Cristiano (Francisco Cuoco) abandonar Fernanda (Dina Sfat) na primeira versão de Selva de Pedra (1972). Isso porque, na trama, a primeira mulher de Cristiano se fingia de morta e, como o público sabia da farsa, o casamento entre o personagem de Cuoco e Sfat seria bigamia.
Alguns títulos, como Despedida de Casado (1977) e a primeira versão de Roque Santeiro (1975), foram barrados antes mesmo de ir ao ar. Em 1976, o clássico de Gilberto Braga (1945-2021), Escrava Isaura (1976), também passou pelo crivo da ditadura: a agressividade dos feitores com os escravizados foi atenuada a pedido dos censores, como uma tentativa de evitar a abordagem do racismo presente no Brasil.
Segundo o jornalista e escritor Zuenir Ventura (93), durante os dez anos de vigência do AI-5 (1968 – 1978), cerca de 1.650 obras — entre filmes, peças, livros e músicas — sofreram vetos pelo governo militar.