Opinião: Acerto de contas humaniza Marlene Mattos e dá razão para mágoas de Xuxa
Contigo!
O reencontro entre Marlene Mattos e Xuxa Meneghel exibido em Xuxa, o documentário mostra que medir a relação que elas construíram com uma régua moral é simplista. Produtos de seu tempo, ambas são personagens responsáveis por um dos maiores fenômenos midiáticos da história do Brasil.
De um lado, a apresentadora loira, com ares infantis, uma sinceridade chocante e uma beleza desconsertante. Do outro a diretora casca-grossa, com personalidade forte e capaz de abdicar da própria individualidade em busca de sucesso e prestígio. Desse encontro nasceu Xuxa, a marca que foi responsável por fazer fortuna nos anos 80 e 90 e que segue viva até hoje.
A conversa, quase vinte anos após um rompimento total, tem um quê de sessão de análise. Enquanto Xuxa tenta expor suas mágoas e frustrações no período em que esteve sob o domínio de Marlene Mattos, a diretora insiste em relembrar que o passado é como um rio que não volta mais. A conversa humaniza a diretora, que insiste em lembrar que é fruto do tempo em que viveu, uma época em que a televisão era protagonista e a construção de mitos era possível.
As paquitas loiras e magras, as frases ácidas, as longas e exaustivas jornadas de trabalho, o crescimento pessoal e profissional, a fama e o prestígio. A busca pela audiência, a luta por se manter no topo, a batalha por dinheiro, poder, luxo e status. O cansaço e a exaustão de vinte anos de controle absoluto permeiam cada trecho da conversa franca.
"Eu estava esgotada de tanto trabalho, tanta coisa. Todo dia eu acordava com alguém dizendo: “A Xuxa acabou” (...) quando você foi para a Globo, diziam que ia durar só um ano. Fizeram aposta, tudo. E eu sempre disse: fica bonita, dorme, se cuida e deixa que o resto eu vou fazer. Eu tive que virar a mesa, a chave. E isso me levou a um cansaço profundo. E a dizer coisas que… se eu disse tudo isso, eu me arrependo. Mas não dá pra voltar. A água não volta pro rio", declarou Marlene Mattos em um dos momentos mais fortes da conversa entre as duas.
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Marlene Mattos, aos 70 anos, segue dura, firme, sincera e rude, características que simbolizam uma realidade ultrapassada, vencida, cheirando a mofo. Já Xuxa Meneghel, aos 60 anos, se modernizou e está adaptada ao presente. Cheia de vida, segura de seu lugar e insatisfeita com a condição que lhe foi dada, ela parece desinteressada a ocupar o trono de intocável. Sua postura crítica ao passado, as mágoas que joga na mesa de maneira quase infantil e a coragem de colocar em xeque o auge de sua trajetória são atitudes que só a engrandecem.
É fato que "a água não volta pro rio", mas também é fato que o mundo hoje é outro. Reconhecer as próprias falhas e problematizar as próprias condutas é sinal de nobreza.