Inventora e atriz. O legado de Hedy Lamarr em Beverly Hills
ICARO Media Group
Por Linda Immediato para o Beverly Hills Courier
Muitas estrelas do cinema chamaram Beverly Hills de "lar". Uma das primeiras celebridades, Mary Pickford, morou na Benedict Canyon Drive. Greta Garbo, Ava Gardner e Marlene Dietrich moraram na North Bedford Drive. Embora cada uma dessas lendas tenha feito contribuições importantes para o mundo do cinema, e sua influência na cultura pop e na beleza não possa ser negada, há apenas uma atriz cuja influência mudou significativamente nosso mundo – Hedy Lamarr.
No auge de sua fama na década de 1940, Lamarr discretamente inventou a tecnologia que tornaria possíveis o Wi-Fi, o Bluetooth, o GPS e os telefones celulares.
No entanto, décadas passariam até que ela fosse reconhecida por sua contribuição. Para Lamarr, sua beleza lendária foi uma bênção e uma maldição. Muitos não aceitariam que “a mulher mais bonita do mundo”, como era chamada, também pudesse ter um cérebro.
Lamarr nasceu Hedwig Eva Kiesler em Viena, na Áustria, em 1914, filha de judeus assimilados. Embora Louis B. Mayer, chefe de estúdio da Metro-Goldwyn Mayer (MGM), tivesse dado a Hedy sua grande chance e seu novo nome, ela foi proibida, assim como todos os atores contratados pela MGM, de falar sobre religião. Hedy manteve tanto segredo que os filhos que ela teve com seu terceiro marido (de seis), o ator John Loder, nunca souberam que ela era judia até depois de sua morte.
Enquanto era contratada da MGM (Lamarr deslumbrou em clássicos como “Argélia” de 1938, “O Mundo é um Teatro” em 1941 e o épico bíblico de Cecil B. DeMille “Sansão e Dalila” em 1949), ela começou a criar invenções, como um passatempo. Não há muito nos registros públicos sobre o que a levou a inventar ou mesmo como ela se saiu, apesar de sua educação formal ter se limitado ao ensino médio e a um período em uma escola suíça para garotas. Como tantas mulheres de sua geração, o ensino superior não era uma opção. De qualquer maneira, ela não teria cursado; seu objetivo sempre foi atuar. Ela abandonou o internato para seguir seu sonho.
No entanto, os registros mostram que ela inventou. Lamarr disse a Merv Griffin [apresentador de um famoso talk show] em seu programa de TV em 1969: “Eu era diferente, eu acho. Talvez eu tenha vindo de um planeta distante mas, seja lá o que for, inventar era fácil para mim.” Thomas Edison não teve nenhuma educação formal e graças a ele temos a lâmpada. A ideia é o que importa. E Hedy teve muitas ideias.
Ela também tinha muito tempo disponível para pensar nelas, especialmente à noite, depois de um dia no estúdio. Hedy não gostava do agito de Hollywood, não bebia e detestava ir a festas. Em vez disso, ela preferia ficar em sua casa na Roxbury Drive e trabalhar em suas invenções. A estrela tinha uma mesa de desenho e todos os apetrechos necessários instalados em sua residência e passava as noites esboçando suas ideias. Howard Hughes, com quem Hedy tinha um relacionamento próximo, presenteou a atriz com uma versão em miniatura da configuração de sua casa. Ela foi instalada no trailer que Hedy usava nos filmes, para que ela pudesse continuar seu trabalho entre as filmagens. Diz-se também que ela enviou esboços a Hughes enquanto ele trabalhava na construção do avião mais rápido do mundo, o Hughes H-1 Racer. Lamarr afirmou que comprou livros sobre os pássaros e os peixes mais rápidos e associou as melhores partes de ambos em seu desenho para Hughes. E, embora a implementação de sua ideia tenha exigido que os engenheiros completassem algumas lacunas, o conceito básico de Hedy funcionou e influenciou o design do avião.
O que sabemos das invenções de Hedy dessa época é que elas foram em grande parte inspiradas na Segunda Guerra Mundial, que já assolava a Europa em 1940. Ela tentou criar um comprimido (semelhante ao Alka-Seltzer) que transformaria água em Coca-Cola para militares fora do país. Mesmo com a ajuda de dois químicos que Hughes lhe cedeu, Hedy não conseguiu fazê-lo funcionar.
Hedy Lamarr em “Um Rival nas Alturas”, da MGM (1944), foto cortesia de funcionário(s) da MGM, domínio público, através de Wikimedia Commons
Em uma das raras festas de Hollywood a que compareceu, Hedy conheceu George Antheil. Ele era um compositor talentoso que veio para Hollywood com sua esposa na esperança de compor trilhas sonoras de filmes. George também já havia trabalhando como inspetor certificado de munição de artilharia em um arsenal dos EUA, na Pensilvânia. O primeiro marido de Hedy era dono de uma fábrica de munições na Áustria, e ela ouviu com frequência suas conversas com os militares alemães que iam à sua casa. Esse interesse comum foi o que provavelmente levou Hedy e George a se tornarem amigos, de acordo com o escritor Richard Rhodes, vencedor do Prêmio Pulitzer, que passou anos pesquisando para escrever “Hedy’s Folly” (“As Loucuras de Hedy”, em tradução livre), o mais completo livro sobre as invenções de Lamarr. “Acho que, quando Hedy ouviu falar da experiência de George com munições, ela pensou: ‘Você tem de servir’”. E Lamarr não se cansou de levar suas ideias adiante. George disse sobre Hedy: “Tudo o que ela quer fazer é ficar em casa e inventar coisas… Ela me liga no meio da noite porque teve uma ideia”. Lamarr finalmente encontrou em George alguém que estava disposto a ignorar sua aparência e ouvi-la. Certa vez, ela disse a um repórter: “Um homem não tenta descobrir o que há dentro. Ele não tenta arranhar a superfície. Se ele fizesse isso, ele poderia encontrar algo muito mais bonito do que o formato de um nariz ou a cor dos olhos.”
Lamarr e Antheil criaram três invenções durante sua parceria, mas uma delas mudaria o mundo.
Indignada com os submarinos alemães que saqueavam o Atlântico, atacando navios de passageiros e matando todos a bordo, Hedy estava desesperada para encontrar uma maneira de os deter. Sua ideia inicial era um torpedo controlado por rádio. Então, percebendo que o inimigo poderia simplesmente interceptar o sinal e desviar o projétil, ela teve a ideia do salto de frequência. Se o torpedo fosse guiado por um sinal de rádio e esse sinal mudasse de frequência de maneira constante e aleatória, o inimigo não seria capaz de o interceptar, não com tempo suficiente para mudar o curso do projétil antes que a frequência mudasse novamente.
Lamarr convocou Antheil para colocar sua ideia em prática. Eles trabalharam muitas horas juntos, tanto que Hedy sugeriu a ele e à esposa que se mudassem para a casa dela para agilizar a conclusão da patente de sua invenção. Mas, quando a esposa de Antheil veio visitá-lo e viu que todas as janelas da casa davam para a piscina, ela perguntou se Hedy nadava nela. Ela nadava e a lenda diz que Lamarr preferia nadar nua. Isso encerrou rapidamente o assunto: Antheil ficaria em Hollywood com sua esposa. Embora não haja nada que sugira que alguma vez houve um relacionamento romântico entre George e Hedy, não é difícil ver por que a esposa de Antheil bateu o pé.
George teve de ir todos os dias até Beverly Hills, onde ele e Hedy esboçavam conceitos para seu dispositivo de salto de frequência na sala de estar dela. Acredita-se que o ponto crucial do design foi inspirado nos rolos da pianola [um tipo de piano automático], que toca músicas interrompendo o som em um padrão. No caso do salto de frequência, o padrão seria aleatório. Antheil tinha experiência com rolos de pianola; ele sincronizou 16 deles para criar sua obra-prima orquestral chamada “Ballet Mécanique”. Para o dispositivo deles, seriam mais ou menos como se 88 rolos de pianola trabalhassem em conjunto.
Quando Heddy e George chegaram à conclusão de que tinham encontrado a solução, levaram seus desenhos conceituais ao Conselho Nacional de Inventores. Eles ficaram maravilhados. Acreditando que poderia realmente funcionar, o inventor americano e membro do conselho, Charles Kettering, colocou os improváveis inventores em contato com um físico do Caltech [Instituto de Tecnologia da Califórnia], que projetou o dispositivo eletrônico com base em seus desenhos conceituais.
Arquivo de patente número 2.292.387, Sistema Secreto de Comunicação, inventores Hedy Kiesler Markey e George Antheil – DPLA – 128f022cfd9421aa10de72958a7edf90 (página 37), foto cortesia dos Arquivos Nacionais de Kansas City, domínio público, através de Wikimedia Commons
Lamarr e Antheil receberam sua patente, a Patente dos EUA número 2.292.387, para seu projeto, chamado de “Sistema de Comunicação Secreta” em 1942, e a apresentaram gratuitamente à Marinha dos EUA. A Marinha deu uma olhada em Hedy, disse “obrigado” e colocou o projeto em um arquivo, mas não antes de carimbá-lo como “Top Secret” [“Altamente Secreto”].
E foi isso. Foi esquecido.
Disseram a Hedy que se ela realmente quisesse ajudar os Estados Unidos a vencer a guerra, ela deveria fazer turnês e trocar beijos por bônus de guerra. E, embora ela não fosse cidadã americana, a nascida na Áustria amava profundamente os Estados Unidos, então ela fez exatamente isso. Na Cantina de Hollywood criada para entreter as tropas, ela vendeu beijos e também autógrafos. Lamarr tem o crédito de arrecadar US$ 25 milhões para o esforço de guerra do país, o equivalente a mais de US$ 343 milhões hoje.
Muitos anos mais tarde descobriu-se que, em meados dos anos 50, a Marinha desenterrou a patente de Lamarr e a partilhou com uma empresa contratada para criar sonoboias, dispositivos flutuantes que podem detectar submarinos embaixo d'água e transmitir a sua localização a aviões que passem acima. Em 1962, a Marinha adaptou a tecnologia de Lamarr durante a crise dos mísseis cubanos e todos os navios dos EUA enviados para fazer o bloqueio da ilha foram equipados com dispositivos de salto de frequência. Dez anos depois, os dispositivos foram usados nos drones de vigilância que sobrevoaram o Vietnã. Hoje, os satélites Milstar dos EUA, projetados pela Lockheed Martin, empregam a tecnologia na proteção das comunicações militares mais sensíveis, incluindo mensagens de comando e controle nuclear.
Depois que os militares dos EUA divulgaram a patente, ela ficou disponível para o setor privado. Foi então que a indústria das comunicações se deparou com ela e começou a aplicar saltos de frequência utilizando sinais digitais em vez de ondas de rádio, primeiro em sistemas GPS e, mais tarde, em Wi-Fi e Bluetooth. Cada um requer que um receptor seja capaz de passar de um sinal digital para outro para criar uma conexão perfeita.
E, embora a contribuição de Hedy tenha se perdido no tempo por décadas, em 1997 ela foi homenageada pela Electronic Frontier Foundation, depois que um de seus membros descobriu a patente e fez a conexão de que “Hedy Kiesler Markey”, a quem foi concedida, era a lendária atriz Hedy Lamarr. Em todos os documentos oficiais da patente, Lamas usou o sobrenome do segundo marido, Markey, porque achou que seria levada mais a sério. Embora Lamarr tenha falecido em 2000, ela foi colocada postumamente no Hall da Fama dos Inventores Nacionais em 2014 pelo desenvolvimento de sua tecnologia de salto de frequência.
Em 1997, quando Lamarr foi premiada pela primeira vez por sua invenção, ela não quis vir a público e enviou o seu filho para receber a premiação. Durante o discurso de agradecimento que fez em nome de sua mãe, seu celular tocou. Era Hedy, ele atendeu e colocou no viva-voz para a multidão. Ela queria saber como foi. Seu filho disse a ela: “Ainda está acontecendo, mãe. Estou meio que no meio da cerimônia.” A multidão aplaudiu-a de pé. Em particular, porém, quando Lamarr soube do prêmio, ela brincou: “Já estava na hora”.
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