Desastre de Hillsborough: 34 anos da maior tragédia do futebol inglês
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Na década de 1980, Liverpool e Nottingham Forest eram duas das equipes mais populares da Inglaterra. Embora o Forest tenha voltado à elite da Premier League, a equipe segue longe dos tempos áureos. Apesar da tradição. Do outro lado, o Liverpool tenta recuperar a regularidade e o caminho dos resultados positivos.
Os clubes se enfrentam no sábado da próxima semana, 22 de abril, no lendário estádio de Anfield. Mas é um duelo entre os clubes ocorrido em um dia como esse, em 15 de abril, que marcou a Inglaterra para sempre.
Em 1989, o Desastre de Hillsborough se tornou o episódio mais trágico do futebol inglês e um dos mais dolorosos do mundo. Na ocasião, 95 pessoas morreram por conta da tragédia.
O desastre
No final dos anos 1980, o futebol inglês vivia o auge do chamado hooliganismo — nome dado aos torcedores arruaceiros conhecidos por seus comportamentos destrutivos e atos de vandalismo.
Em 1985, por exemplo, Juventus e Liverpool se enfrentaram na decisão da Copa dos Campeões no estádio de Heysel, na Bélgica. Quando o time italiano se sagrou campeão com um gol de Michel Platini.
A partida ficou marcada pela morte de 39 torcedores, de maioria biaconeros, que foram prensados contra um muro após tumulto iniciado por torcedores dos Liverpool. Como consequência, a equipe inglesa foi banida de competições continentais por cinco anos.
Quatro anos depois, a disputa daquela semifinal de Copa da Inglaterra colocaria a prova mais uma vez a torcida dos Reds, que prometia empurrar o time para mais uma decisão. O palco escolhido para o jogo foi o estádio do Sheffield Wednesday.
Motivos não faltavam para isso. O Hillsborough foi um dos estádios da Copa do Mundo de 1966. Era também um dos poucos campos aptos a receberem grandes jogos. Segundo recorda o Globo Esporte, a Football Association (FA) também o preferiu por se tratar de um campo neutro.
Ao contrário de como vemos um jogo do futebol inglês hoje, os estádios da época eram separados por grades que dividiram as arquibancadas do gramado. Mas o que devia ser um item de proteção, acabou sendo fundamental para as mortes.
Na data do jogo, a polícia inglesa decidiu por colocar os torcedores do Nottingham Forest no setor Spion Kop End, com capacidade para 21 mil pessoas. Já os apoiadores do Liverpool ficaram nos chamados Leppings Lane Terrace — um espaço para 14.600 pessoas que não tinha cadeiras numeradas; o que conhecemos nos estádios brasileiros pelo popular nome de 'geral'.
O jogo estava marcado para começar às 15 horas, e foi aconselhado que os torcedores entrassem no estádio com pelo menos 15 minutos de antecedência. Além disso, no dia da partida, os noticiários avisaram que os torcedores sem ingresso não deveriam comparecer aos arredores do estádio — o que gerou um certo congestionamento na rodovia principal que levava ao Hillsborough; ainda mais por isso ser anunciado a poucas horas da bola rolar.
A partir das 14h30, um considerável acúmulo de torcedores foi percebido na fila de acessos às catracas para a Leppings Lane End. Afinal, das sete catracas, apenas uma funcionava propriamente para controlar a entrada de mais de 10 mil pessoas.
A solução encontrada para conter a aglomeração foi abrir um dos portões que, originalmente, eram para a saída de torcedores. Com a ansiedade para entrarem antes do início da partida, um empurra-empurra começou na parte de trás das duas divisões centrais da arquibancada, que já estavam lotadas — enquanto outras áreas ainda estavam com espaço.
Dessa forma, as pessoas que estavam mais próximas às grades passaram a ficar esmagadas. Pressionados e asfixiados pela multidão, os torcedores ainda foram impedidos de entrarem no campo — visto que as autoridades policiais não haviam entendido a magnitude da situação e pensavam se tratar de uma tentativa de invasão.
Às 15h06, o juiz da partida foi alertado do que estava acontecendo e decidiu pela interrupção do jogo. Mas a tragédia já estava formada: 97 torcedores morreram — 95 para fins judiciais — e outros 766 ficaram feridos.
Falta de reconhecimento
Na época, porém, veículos britânicos de comunicação trataram o Desastre de Hillsborough como uma tragédia ocorrida por culpa dos torcedores do Liverpool. Conforme aponta o Globo Esporte, o The Sun foi um desses principais propagadores.
O tabloide não só culpabilizou os torcedores de Liverpool pelo acidente como também alegou que os torcedores estavam tão bêbados que causaram o tumulto e chegaram até mesmo a urinar nos policiais e equipes de salvamento.
Por conta das falsas acusações de agressões, até hoje o The Sun sofre grande boicote da população. Sua circulação na região é de apenas um décimo do que era antes.
O que contribuiu ainda mais para essa culpabilização das vítimas foi o fato do relatório da tragédia só se tornar público em meados de setembro de 2012, ou seja, mais de 20 anos após a tragédia.
Os verdadeiros culpados
Quando o relatório do Desastre de Hillsborough veio ao conhecimento do público, não só os erros por trás do episódio foram expostos como a conduta das autoridades nas investigações também passaram a ser questionadas.
Isso porque, de acordo com o GE, mais de 160 depoimentos colhidos na época haviam sido adulterados pelo governo — então liderado por Margaret Thatcher — para limpar a barra dos verdadeiros culpados. Por conta disso, o então primeiro-ministro David Cameron e a Football Association foram a público se desculpar com os familiares dos torcedores mortos.
Após a tragédia, um inquérito foi aberto para apurar as responsabilidades do caso. O documento teve autoria de Peter Taylor, Chefe do Judiciário da Inglaterra e País de Gales, chamado de Lord Justice Taylor. O documento ficou conhecido como Relatório Taylor, e sua apuração durou 31 dias.
A primeira parte, chamada de relatório intermediário, foi entregue em 1º de agosto de 1989, expondo os eventos do dia e as conclusões imediatas. Já o relatório final foi entregue apenas em 19 de janeiro de 1990, sendo divulgado ao público mais de uma década depois.
O Relatório Taylor concluiu que o policiamento no dia do jogo foi "falho" e o principal motivo para o desastre acontecer foi o fracasso do controle policial — não só com o erro de abrir os portões secundários como em não adiar o início do jogo.
O Sheffield Wednesday também foi criticado pelo número inadequado de catracas no final da Leppings Lane e pela má qualidade das barreiras de esmagamento nas esplanadas, "aspectos em que a falha do Clube contribuiu para este desastre", aponta o documento.
O levantamento também rechaçou as alegações de que as autoridades não tinham como prever os problemas, visto que um congestionamento semelhante já havia ocorrido em 1987 e 1988.
A Ordem Operacional e as táticas policiais do dia falharam em controlar uma chegada concentrada de grandes números caso isso ocorresse em um curto período. Que isso pudesse ocorrer era previsível".
Já a falha da polícia em dar ordem para direcionar os torcedores para as áreas vazias do estádio foi descrita por Taylor como "um erro de primeira magnitude", visto não haver como calcular com precisão quando um setor atingiria sua capacidade. Essa avaliação era feita de modo visual.
No entanto, no dia do desastre, "por volta das 14h52, quando o portão C foi aberto, os cercados 3 e 4 estavam superlotados [...] permitir mais entrada nesses cercados provavelmente causaria ferimentos; permitir um grande riacho era cortejar o desastre".
O relatório também eximiu os torcedores do Liverpool de culpa. "Não considero que a escolha dos lados tenha sido a causa do desastre. Se tivesse sido revertido, o desastre poderia muito bem ter ocorrido de maneira semelhante, mas para os torcedores do Nottingham".
O relatório ainda rejeitou a teoria, apresentada pela Polícia de South Yorkshire, de que os fãs que tentavam entrar sem ingressos ou com ingressos falsificados eram fatores contribuintes.
Processos criminais e a 97ª vítima
Em fevereiro de 2000, o chefe de polícia responsável pela segurança da partida, David Duckenfeld, foi acusado por seu trabalho considerado “grosseiramente negligente”, relatou a BBC. Mas foi somente em 28 de novembro de 2019 que Duckenfield foi considerado inocente de homicídio culposo por negligência grave — crimes pelos quais ele poderia pegar prisão perpétua.
Graham Mackrell é o único considerado culpado até hoje. Ex-secretário do Sheffield Wednesday, proprietário do estádio de Hillsborough, ele foi condenado, em maio de 2019, a pagar uma multa de apenas 6.500 libras — por não conseguiu garantir que houvesse catracas suficientes para evitar a formação de grandes multidões.
No dia do Desastre de Hillsborough, 95 torcedores morreram e é apenas esse número que consta para aspectos judiciais. Mas outras duas vítimas faleceram tempos depois.
Em março de 1993, a alimentação artificial e a hidratação foram retiradas de Tony Bland, um jovem de apenas 22 anos. Durante quatro anos, ele permaneceu em estado vegetativo persistente, sem sinais de melhora, o que fez com que sua família entrasse como um pedido legal no Tribunal Superior para que seu tratamento fosse retirado.
Algo semelhante aconteceu com Andrew Levine, que ficou em estado vegetativo, falecendo apenas em 2021, sendo considerado a 97ª vítima de Hillsborough. Muitos também aponta Stephen Whittle como uma vítima da tragédia.
Devido a um compromisso de trabalho, ele acabou não conseguindo ir ao jogo e vendeu seus ingressos para um amigo, que faleceu no acidente. Por sentimento de culpa, algo explicado pela psicologia como síndrome do sobrevivente, Whittle desenvolveu depressão e se matou em fevereiro de 2011.