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Dia da Consciência Negra: Qual o papel do futebol na luta antirracista?
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Dia da Consciência Negra: Qual o papel do futebol na luta antirracista?

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Aventuras Na História
20/11/2022 14h00
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©Getty Images
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Hoje, 20 de novembro, o mundo do futebol para mais uma vez para respirar os ares de mais uma Copa do Mundo FIFA. Realizada no Qatar, a vigésima segunda edição do torneio acontece até o próximo dia 18 de dezembro. 

Porém, o 20 de novembro tem uma representatividade, para nós brasileiros, muito além do sonho pela busca do hexa. A data também marca as celebrações do Dia da Consciência Negra — escolhida por ser a mesma data da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, em 1695. 

Ilustração de Zumbi dos Palmares / Crédito: Divulgação/Antônio Parreiras - ARTExplorer/ Domínio Público

 

Pode até não parecer, mas os dois temas possuem sim uma ligação. Afinal, como reflexo da sociedade, o futebol ainda é conivente com muitos casos de racismo, sejam eles no cenário nacional ou até mesmo no mais alto nível do futebol europeu. Mas, como o combate ao preconceito pode se tornar cada vez mais recorrente no esporte?

O Dia da Consciência Negra

Em entrevista ao projeto especial do Aventuras na História em parceria com o portal SportBuzz, Marcelo Carvalho, fundador e atual diretor-executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, falou sobre a importância da data para nosso calendário. 

“Nós vivemos em um país que convive com o racismo, de certa forma até confortável, porque nós temos notícias de casos de racismo diariamente e a gente não tem uma convenção social, e eu não digo simplesmente notícias de casos de racismo atreladas a xingamentos e a insultos, mas estou falando de genocídio da população negra. Estou falando de pessoas que morrem por serem pretas”, aponta. 

Navio negreiro, quadro do pintor Rugendas/ Crédito: Domínio público / Johann Moritz Rugendas

 

Marcelo ainda reforça como o racismo estrutural está presente em nossa sociedade, com pessoas negras ganhando menos no mercado de trabalho e até com uma oportunidade menor de acesso à educação. Embora reconheça que ações coletivas já lutam para mudar esse cenário e também para ajudar na conscientização da população. 

“Lá atrás, cerca de 50 anos, foi pensado o Dia da Consciência Negra para que a gente parasse para debater sobre o genocídio da população negra; que a gente parasse para debater sobre a desigualdade racial; para que a gente parasse para debater a falta de oportunidade para pessoas negras. Precisamos entender que lá em 1888, quando foi assinada a Lei Aurea, não foi dada a garantia ou a possibilidade para as pessoas negras terem uma vida digna”, prossegue. 

Apesar de muitos negros terem sido alforriados, ou seja, terem ganho o direito à liberdade, grande parte acabou sendo proibido de práticas comuns e fundamentais para qualquer cidadão, como o acesso à educação ou a posse de terra. 

“Essas pessoas conviveram a vida inteira com xingamento, estupro, com proibição, então a gente precisou de diversos mecanismos de luta para gente tivesse, por exemplo, a possibilidade de entrar no elevador social. Porque até determinado momento da sociedade brasileira era proibido a entrada de pessoas negras neste elevador”, explica Marcelo

Então, o dia 20 de novembro é este dia, de mobilização, é dia de grito. É o dia para que as pessoas entendam a necessidade da gente debater o racismo tão presente no Brasil”, completa. 

A luta antirracista no esporte existe?

Mas como a luta antirracista é presente no esporte? Mais recentemente, um caso se tornou emblemático por envolver um atleta da Seleção Brasileira que é uma das grandes apostas dos escolhidos de Tite

Na noite de 15 de setembro, Vinícius Junior, atleta do Real Madrid, foi alvo de ataques racistas em um programa espanhol. Na ocasião, o programa ‘El Chiringuito de Jugones’ recebeu o empresário Pedro Bravo, que declarou que o camisa 20 precisava “deixar de fazer macaquice” (‘hacer el mono’, em espanhol); em referência às danças que ele fazia ao celebrar um gol. 

Pedro Bravo acaba de llamar mono a Vinicius.#ChiringuitoDerbi
¿Debe seguir en el programa?
🔃 Si
❤️ No pic.twitter.com/i1imkCGXjr

— CHIRINGUITO SHOW (@ShowChiringuito) September 15, 2022

Trazendo a situação para um cenário nacional, onde caso até piores que esses são proferidos por torcidas em todo o Brasil, Marcelo Carvalho reforça que “não existe uma campanha efetiva de nenhum clube e de nenhuma federação, e de nenhum campeonato de combate ao racismo no futebol brasileiro”.

E nunca existiu”, afirma. “O que a gente acompanha são ações pontuais”.

Para se ter uma ideia, em agosto deste ano, 2022, durante a primeira edição do Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol, o Observatório divulgou o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, que condiz com casos de racismo no esporte apenas em 2021. 

Segundo os dados, aconteceram 158 casos de discriminação no esporte brasileiro, sendo que 124 ocorreram no meio do futebol. Deste montante, 74 deles são oriundos de ofensas racistas; 25 de descriminação contra a população LGBTQIA +; 15 casos de machismo e os dez restantes de xenofobia. 

Manifestação antirracista feita pela torcida inglesa do Newcastle/ Crédito: Getty Images

 

“Fora dos clubes de futebol existe um aumento muito grande de coletivos de mulheres, lgbts e negros tentando levar essa pauta para dentro dos clubes, mas são coletivos do lado de fora dos clubes. Mesmo assim, a gente ta percebendo que diretorias ou nucleos de diversidade estão sendo montados nos clubes e isso vai ter um reflexo lá na frente”, aponta. 

A visão de um atleta negro

Com esses números alarmantes apontados pelo levantamento feito pelo Observatório, uma questão se torna crucial: afinal, por que poucos atletas brasileiros se posicionam em tais pautas?

Carvalho explica dois motivos: o primeiro deles é que atletas acabam sofrendo com o encurtamento de suas carreiras ao se posicionarem. “Quando a gente fala de posicionamento de jogador, a gente tem que lembrar o histórico do Brasil, que é um histórico de apagamento e silenciamento dos atletas que um dia falaram sobre racismo”.

Jogadores de Manchester United e Chelsea durante protesto antirracista/ Crédito: Getty Images

 

Outro fator importante apontado por Marcelo é a falta de compreensão do atleta negro de que o racismo precisa ser combatido. “Se a gente tá falando de aumento de denúncia, muitos desses números estão baseados nas denúncias que os atletas estão fazendo hoje”. 

O atleta, até ontem, entendia que sofrer racismo dentro de campo era parte do futebol, que ‘aquilo que acontece no campo, morre no campo’. Era a frase que a gente sempre ouviu. Hoje, muitos atletas estão entendendo que racismo é violência e que o racismo não pode passar despercebido”, continua. 

O caso Aranha

Outro caso que fortaleceu o debate sobre o racismo no nosso futebol foi o caso Aranha. Mário Lucio Duarte Costa, ou apenas Mário Aranha, foi vítima de um dos episódios de descriminação racial mais marcantes do esporte brasileiro. 

No segundo tempo do jogo entre Grêmio e Santos, pela Copa do Brasil de 2014, o então goleiro do clube paulista foi alvo de parte da torcida gaúcha, que estava acomodada atrás do gol. A denúncia do caso ganhou validação graças às câmeras da televisão, que registraram o momento em que ele foi hostilizado e chamado de “macaco”.

Também entrevistado para o especial entre Aventuras na História e SportBuzz, Aranha recordou como foi a repercussão do caso. “Dizem que os jogadores sempre falam as mesmas coisas, dão as mesmas respostas, mas é porque as perguntas são sempre as mesmas. Principalmente, porque são direcionadas ao jogo”. 

E a partir daquele momento, o microfone e atenção da mídia veio para mim para falar sobre outras questões. E aí eu acho que a população brasileira começou a perceber que existe algo mais em um jogador de futebol, existe um ser humano por trás daquele personagem”, aponta. 

Uma semana após o episódio, e depois de quase quatro horas de julgamento, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decidiu pela exclusão do Grêmio da competição pelo ato racista de seus torcedores, em uma decisão inédita no futebol nacional. O clube também foi multado em R$ 50 mil. 

Em concordância com debate iniciado por Marcelo Carvalho, Aranha reitera que jogadores que se posicionam em pautas sociais podem sofrer com represálias em sua carreira. Por isso o assunto ainda é muito frágil dentro das quatro linhas. 

“Aliado a isso tem o fato que o brasileiro, de um modo geral, não conhece sua história, a história real. Eles conhecem uma história fantasiosa, podemos dizer que o Brasil passou por um photoshop histórico e de que todos os eventos históricos do Brasil teve uma mudança”, reforça Aranha

“Então, o negro, ele não conhece sua história e quando ele se torna um ídolo, acaba não tendo conteúdo suficiente para se posicionar. O máximo que ele pode fazer é dizer que concorda ou não concorda e que repudia tais tipos de atitudes, mas isso baseado em sua vivência”, explica. 

Em contrapartida, Mário Aranha acredita que, desde então, o assunto tem gerado a reflexão que merece, pontuando que o negro é referência em várias profissões além do esporte.

“De 2014 pra cá, o futebol brasileiro tem passado por essa transformação. O país tem passado por essa transformação também, de querer um ambiente mais respeitoso, mais saudável, não só nos estádios, mas em outros lugares também. Mas de maneira geral, acho que o mundo agora decidiu resolver tentar diminuir os impactos que o racismo traz, porque ele não é prejudicial só para as pessoas negras, mas a todos”, conclui.

 

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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