El Clásico: Jogo entre Real Madrid e Barcelona ajuda a entender a história da Espanha no século XX
Aventuras Na História
Real Madrid e Barcelona se enfrentarão no próximo dia 21, pelo Campeonato Espanhol, com transmissão exclusiva da ESPN para o Brasil. E se engana quem pensa que, em campo, está apenas a disputa por mais um título.
O chamado El Clásico faz parte da cultura espanhola e ajuda a contar a história do país, seja na paixão pelo futebol ou por todas as nuances políticas que envolvem o duelo.
O tamanho do clássico
A definição do que é o maior clássico do mundo não é simples, e nem racional. Mas o que gera maior comoção mundial, sem dúvida, é o espanhol, o El Clásico entre Real Madrid e Barcelona. Segundo a La Liga, organizadora do Campeonato do país, em todo mundo, 650 milhões de pessoas param para assistir ao duelo entre as equipes. Um número bem superior a, por exemplo, o badalado Super Bowl, a decisão da NFL nos Estados Unidos.
No Brasil, o duelo é destaque na ESPN. Assim como acontece globalmente, o encontro entre os dois é sinal de alta audiência no canal. Neste ano, por exemplo, um jogo entre as duas equipes em janeiro fez a emissora liderar a TV paga, com índices 43% superiores ao segundo colocado (Target: Total Domicílios).
Em números
São 256 jogos na história do confronto, com 100 vitórias para o Barcelona e 104 para o Real Madrid. O primeiro jogo aconteceu em 1902, longe do profissionalismo e dos milhões que cercam o futebol atualmente.
Hoje, no entanto, o El Clásico é simbolo da indústria financeira que o futebol se tornou. Em 2019, o Barcelona deixou isso claro ao se tornar a primeira equipe a ter um orçamento superior a 1 bilhão de euros.
Segundo o relatório de 2024 da Deloitte Football Money League, que avalia as equipes de futebol mais ricas do mundo, os dois times espanhóis estão hoje entre as quatro agremiações que mais faturam, com o Real Madrid na liderança graças a uma receita de 831 milhões de euros.
Entre as duas equipes, por sinal, estão apenas Paris Saint-Germain e Manchester City, clubes que tiveram forte investimento árabe nos últimos anos.
Ainda como clubes e não empresas, como parte dos times ingleses, ou como os alemães que abrem capital na bolsa, Real Madrid e Barcelona são os dois maiores símbolos de equipes que conseguiram multiplicar o faturamento ao longo do século XXI graças à globalização do futebol, com patrocínios fechados em todo o mundo e direitos de TV cada vez mais valorizados.
Política
Aqui o tema começa a ficar mais delicado. O Real Madrid, como indica o próprio nome, tem forte ligação com a Coroa Espanhola. O título de nobreza, assim como a coroa que até hoje cobre o escudo da equipe, foi cedido pelo Rei Alfonso XIII em 1920.
O monarca, por sinal, tem história próxima ao futebol. Sua ascensão ao poder, em 1902, foi celebrada pelos fundadores do Real Madrid com a criação de uma Copa Nacional. O monarca doou uma taça para a competição, que ganhou o nome de Copa do Rei.
A Copa do Rei existe até hoje, mas chegou a ter mudanças de nomes ao longo da história conforme ocorreram embates políticos na Espanha. Com a chegada da República, o torneio chegou a ser chamado de Copa do Presidente. E, com Francisco Franco no poder, Copa do Generalíssimo.
O Barcelona, por outro lado, refuta o poder real. Segundo o livro “Como o Futebol Explica o Mundo”, de Franklin Foer, a fundação do clube em 1899 foi uma celebração à Catalunha e representava o sonho de independência.
Esse símbolo separatista foi reforçado ao longo da Guerra Civil Espanhola, quando as tropas de Franco fuzilaram o presidente do clube, Josep Sunyol, em 1936, e a sala de troféus foi bombardeada.
Desde então, o Barcelona e seu estádio, o Camp Nou, se tornaram um símbolo de resistência. Recentemente, por exemplo, o ídolo do time, o zagueiro Gerard Piqué, se manifestou a favor do movimento separatista, algo apoiado por grande parte da população catalã.
Franco
O ditador é o ponto mais sensível dessa história. Francisco Franco era torcedor e sócio do Real Madrid. E foi o principal responsável por frear as conceções à Catalunha que a tornaram mais independentes no início do século XX. O General, no intuito de unificar a Espanha, perseguiu e impediu demonstrações culturais da região.
Historicamente, o Real Madrid ficou associado ao regime, enquanto o Barcelona seria a resistência. E essa narrativa é tão forte que, em 2023, ano passado, ela ganhou enorme repercussão mais uma vez, mesmo com mais de 40 anos após a ditadura.
Em entrevista coletiva, o presidente do Barcelona, Joan Laporta, falou sobre o tema para se defender de acusações de corrupção. “Gostaria de destacar o caso de um clube, o Real Madrid. Um clube historicamente favorecido, o clube do regime. Quero lembrar a vocês que em 70 anos de história, a maioria das pessoas que escolheram juízes foram diretores, membros ou jogadores do Real Madrid. Às vezes, tudo ao mesmo tempo”, declarou.
O problema é que o Real Madrid respondeu em vídeo para seus milhões de seguidores nas redes sociais. No conteúdo, o clube deixou claro: o Barcelona também foi conivente com Franco, com presença de governantes em eventos oficiais e honrarias ao ditador. Franco, por sinal, se tornou sócio de honra do clube da Catalunha em 1965.
E o Real Madrid foi além. Esportivamente, o Barcelona foi favorecido ao longo do regime, com aporte financeiro que salvaram a equipe. Enquanto isso, o time da capital demorou 15 anos para voltar a vencer o Campeonato Espanhol com o Franco no poder, graças ao modo como a equipe sofreu durante a Guerra Civil.
É fato que o Real Madrid teve relações próximas com Franco, e que o ditador chegou até impor uma mudança de nome do Barcelona por proibir o idioma catalão. Mas mais forte que o desejo centralizador na capital, estava o anseio em usar o futebol como ferramenta de popularidade. A História, como sempre, não é simples.