Senna: Alguém foi responsabilizado pelo acidente do piloto?
Aventuras Na História
A temporada de 1994 marcava a realização de um sonho para Ayrton Senna — que teve sua trajetória resgatada em 'Senna', nova minissérie da Netflix que estreou na última sexta-feira, 29.
Após passar anos gloriosos com a britânica McLaren (entre 1988 e 1993), ele passaria a defender a Williams — escuderia dominante no início daquela década e atual bicampeã da Fórmula 1.
As duas primeiras corridas, porém, não foram como esperadas: Senna acabou abandonando os Grandes Prêmios do Brasil e do Japão. Não restava outra alternativa, ele precisava pontuar em San Marino.
No dia 1º de maio de 1994, porém, Ayrton perdeu o controle do carro, seguiu reto e bateu contra um muro na curva Tamburello. O impacto foi tão forte que o carro de Senna rodou e quase retornou para a pista. Horas depois, chegou a notícia que ninguém queria dar: "Senna está morto".
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As investigações
Conforme recorda matéria do Globo Esporte, as investigações sobre a tragédia começaram nos dias seguintes. Após a morte de Senna, seu corpo foi enviado ao Instituto Médico Legal (IML) de Bolonha, na Itália, sendo liberado apenas no dia 3.
O procedimento foi uma determinação dos juízes Maurizio Passarini, Francesco Pintor e Pellegrino Ianacone. A autópsia ficou sob responsabilidade do legista Mirco Romanelli — que também analisou o corpo de Roland Ratzenberger; piloto austríaco que falecera um dia antes. Romanelli determinou que Senna morreu em decorrência de múltiplos traumas com falência cardíaca.
No dia anterior, na segunda-feira pós-corrida, a curva Tamburello já havia sido isolada para perícia. A justiça da Itália havia ordenado não apenas a inspeção do circuito como também do veículo que Ayrton conduzia.
Naquele dia 3, a Federação Internacional do Automobilismo (FIA) organizou uma reunião para discutir o último grande prêmio; onde dois pilotos morreram e houve ainda uma série de acidentes que poderiam ter sido mais graves, como aquele envolvendo o brasileiro Rubens Barrichello.
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Aquela altura, a Williams também já analisava os primeiros dados da telemetria do carro, em busca de respostas. Conforme repercute o GE, porém, a equipe teria removido os sensores do carro de Ayrton e só teriam os devolvidos à FIA dois dias depois.
À época, a equipe não se pronunciou sobre a questão, apenas publicando uma nota oficial, assinada pelo fundador Frank Williams, lamentando a morte do piloto. "É impossível avaliar o tamanho e o significado da perda de Ayrton… todos que o conheceram sabem que perderam alguém muito especial".
Duas polêmicas surgiram na ocasião: a primeira com Williams Patrick Head, diretor-técnico da escuderia, que chegou a declarar que Senna seria o único 'culpado' pelo acidente.
Depois, Bernie Ecclestone, vice-presidente da FIA, teria dito ao irmão de Ayrton que o piloto morreu ainda na pista, mas voltou atrás e disse que havia se confundido. A informação é de suma relevância, visto que uma lei italiana aponta que quando acontece uma tragédia de tal natureza, o evento teria que ser suspenso para investigações — o que não ocorreu.
A polêmica ainda abrangeu a morte de Ratzenberger, que também teria morrido in loco e não no hospital: "Existe uma lei na Itália que diz que, quando um piloto morre dentro de uma praça esportiva, o evento não pode ser realizado. E o que aconteceu? Quando eles tiraram o Ratzenberger dentro do autódromo, ele já estava morto, mas anunciaram a morte dele só no Hospital Maggiore, em Bolonha, para que a prova fosse realizada", diz o narrador Nilson César em entrevista à Aventuras na História.
O relatório
Em 1995, um laudo feito por peritos italianos deu outra visão sobre a tragédia, apontando que o acidente ocorreu devido à quebra da coluna de direção da Williams — o que fez o carro de Ayrton passar reto na curva. Um relatório de 500 páginas ainda detalha que uma peça da suspensão dianteira do carro atingiu Senna na região do supercílio.
Um braço da suspensão dianteira direita da Williams, transformado em lança mortal no choque contra o muro, entrou pela viseira de Ayrton, desfigurando seu rosto e destruindo seu cérebro. O velho capacete amarelo, inútil para salvá-lo naquele dia, cumpriu um último papel. Poupou milhões de pessoas de uma imagem devastadora", narra Ernesto Rodrigues na biografia 'Ayrton: O Herói Revelado' (Ed. Tordesilhas).
A Williams, porém, não concordou com os resultados. Mas, um ano depois, Patrick Head reconheceu que a peça se rompeu devido ao seu uso excessivo. Além disso, foi descoberto que Ayrton não tinha espaço suficiente dentro do cockpit, o que o fazia bater as mãos no carro todas às vezes que precisava virar o volante. Assim, os engenheiros da equipe teriam serrado a coluna de direção do carro e alterado o ângulo da barra — que veio a ceder naquele dia.
Além da Williams, os administradores de Imola foram acusados de falta de segurança no circuito, o que levou a pista a sofrer diversas reformas nos anos posteriores.
Audiências
Durante o ano de 1997, entre fevereiro e dezembro, foram realizadas 31 audiências sobre o caso, todas em primeira instância. Caso fossem condenados pelo crime de homicídio culposo, quando não há a intenção de matar, os julgados poderiam pegar até sete anos de prisão.
De acordo com o Globo Esporte, a promotoria chegou a sugerir um ano de detenção para Head e o projetista Adrian Newey. No entanto, o juiz Antonio Costanzo acabou inocentando todos os envolvidos.
Dois anos depois, após pedido da promotoria, o caso foi reaberto, mas teve o mesmo resultado após a ausência de provas. Já em 2003, a impugnação da apelação foi anulada após a Justiça da Itália detectar "erros materiais" na última análise. Sendo assim, Patrick Head e Adrian Newey voltaram a responder pelo caso em 2005 — quando foram absolvidos pela última vez.
No ano de 2007, o Ministério Público da Itália tentou recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça para poder responsabilizar o diretor-técnico pelo acidente. Head só escapou devido às leis italianas — que determinavam a prescrição de homicídio culposo para sete anos e meio e o caso de Ayrton já tinha mais de 13.
Apesar de todas as polêmicas, Frank Williams ficou no comando da Williams até meados de 2013, quando o cargo passou a ser ocupado por sua filha, Claire. Em 2020, a família vendeu a Williams a um grupo de investimento. Frank faleceu aos 79 anos, em 2021.
Já o cofundador da equipe, Patrick Head, saiu da Williams em 2011, mas acabou retornando como consultor técnico em 2019. Atualmente ele tem 78 anos.
Por fim, Adrian Newey é diretor técnico da Red Bull Racing, mas trocará de equipe e passará a ser sócio-gerente técnico da Aston Martin em 2025. Newey está com 58 anos.