Na África, Pelé parou duas guerras
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O crescimento do comércio de mão de obra escrava, e posteriormente, de comodities, sobretudo entre os séculos XVII e XIX, motivou a presença europeia no continente africano. A criação de protetorados, territórios autônomos protegidos diplomaticamente era a forma normalmente utilizada pelos países colonizadores para manter a região sob controle, bem como para explorá-la.
Em 1900, o governo britânico criou os protetorados do ‘Norte da Nigéria’ e do ‘Sul da Nigéria’ que a partir de 1914 foram unificados, dando origem a colônia da Nigéria. Cerca de três décadas depois, com o fim da II Guerra Mundial e o crescimento do nacionalismo dos habitantes locais, os britânicos iniciaram um processo de transição, tendo em vista dar a colônia, total independência.
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O plano consistiu na estruturação da região em três áreas administrativas divididas por linhas étnicas, o Norte, com os haucás e os fulanis, o Sudoeste, com os iorubás, e, por fim, o Sudeste, com os igbos, que posteriormente dariam origem, em 1960, a República Federal da Nigéria, a ser governada por forças políticas locais tradicionais.
Ainda que independente, as diferenças econômicas e sociais entre estes grupos étnicos fizeram se instalar uma grande instabilidade no país, marcada por vários conflitos entre civis e militares. Em janeiro de 1966, cerca de um milhão de igbos, grupo étnico que fazia parte da elite nigeriana promoveu uma revolta militar no país, com o objetivo de separar a região Sudeste da Nigéria.
Cerca de seis meses depois, oficiais do norte, pertencentes, em sua maioria, ao grupo étnico dos haucás, realizaram um golpe de estado e passaram a perseguir os igbos. No ano seguinte, tendo como intuito promover a integração e a paz entre as regiões, os líderes militares de cada uma delas se reuniram em Aburi, no Gana.
Os planos de reconciliação não surtiram efeito e logo depois, em maio de 1967, os igbos formalizaram a cissão da região e a criação da República do Biafra. Não demorou para a defragação, oficialmente a partir do dia 6 de julho, de um dos mais sangrentos conflitos no continente africano, a Guerra Civil da Nigéria ou a Guerra da Biafra.
Naquele tempo, em outros campos, os de futebol, um atleta negro, brasileiro, ganhava notoriedade por desfilar sua arte única com a bola nos pés, seu nome, Edson Arantes do Nascimento, ou simplesmente Pelé. Até então, quatro vezes campeão do mundo, duas vezes pela seleção brasileira e duas pelo Santos, já era reconhecido por todos como o Rei do Futebol.
Sua presença nos vários estádios de futebol era uma garantia de grande público e por conta disso, o Santos costumeiramente era convidado a fazer excursões por várias partes do mundo. Em janeiro de 1969, a equipe da Vila Belmiro embarcou para a África, onde faria partidas amistosas em vários países do continente.
A estreia aconteceu diante a seleção da República Democrática do Congo, na cidade de Brazzaville, no dia 19, vitória por 3 a 2. Para chegar à Kinshasa, na República do Congo, onde faria a sua segunda partida, a delegação santista precisaria atravessar o rio que separava estas duas cidades. O problema era que os países viviam em conflitos e por conta disso esta passagem estava interrompida.
Os governos dos dois países se reuniram e concordaram em uma trégua temporária que permitisse a travessia da equipe brasileira. Tão logo o Santos chegou à Kinshasa, a travessia voltou a ser bloqueada. Após vencer a seleção local no dia 21, por 2 a 0, a delegação santista foi informada que apenas poderia deixar a cidade após realizar uma nova partida, uma revanche, frente a mesma seleção. Uma providencial derrota por 3 a 2, com dois gols de Pelé, deu fim a esta primeira etapa da excursão no dia 23.
Três dias depois, em 26 de janeiro, a delegação santista chegou à cidade de Lagos, na Nigéria. O estádio local estava lotado para a partida amistosa diante a seleção nacional. A atuação da equipe brasileira foi primorosa, sobretudo a de Pelé, que marcou os dois tentos santistas, no empate em 2 a 2. A torcida extasiada gritava de alegria cada vez que a bola ia em direção ao Rei, “um negro, como eles, que ganhara o reconhecimento mundial”.
O sucesso da passagem de Pelé por Lagos, fez com que autoridades locais quisessem que o Santos voltasse a jogar no país. O local marcado para o jogo, no entanto, a cidade de Benin, inspirava muitos cuidados, uma vez que ela estava localizada na parte leste do país, próximo a Biafra, justamente na região onde os conflitos eram mais intensos.
Ainda que não tivesse muito conhecimento sobre o ambiente vivido na região, uma vez que normalmente os jogos eram disputados em locais com muitos torcedores esbanjando alegria, os atletas santistas temiam pela partida, sobretudo pelo fato dos funcionários dos hotéis, onde estavam hospedados, terem os informado que a luz do local seria totalmente apagada durante a noite para que os inimigos não pudessem localizá-los.
Sob este clima, o tenente coronel do governo nacional, Samuel Ogbemudia, garantiu que haveria feriado na cidade durante toda a tarde. Ele ainda autorizou que a ponte sobre o rio que ligava Benin à cidade de Sapele, onde havia muitos integrantes dos igbos, pertencentes as frentes inimigas, tivesse a passagem liberada para que todos, indistintamente, pudessem assistir ao jogo. Sendo assim, no dia 4 de fevereiro, nigerianos, inimigos de guerra, sentaram lado a lado no estádio para festejar a presença de Pelé, na vitória do Santos por 2 a 1, frente a uma seleção nigeriana do Meio Oeste.
A excursão santista acabou no dia 9 de fevereiro, na Argélia, com um saldo de nove jogos, sendo cinco vitórias, três empates, uma derrota e oito gols marcados por Pelé. A Guerra da Biafra se estendeu até 15 de janeiro de 1970, após a morte de mais de um milhão e duzentas mil pessoas, com a rendição dos Igbos e a reanexação da região da Biafra ao território da Nigéria. Quanto a Pelé, jogou futebol até 1977 e é até hoje considerado o maior atleta de futebol de todos os tempos e seu maior goleador com 1285 gols.