No sertão alagoano, a rivalidade entre duas cidades
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Munícipio brasileiro com cerca de 80.000 mil habitantes, Palmeira dos Índios tem este nome por conta de sua área ter sido habitada durante muitas décadas por índios Xucurus. Diga-se de passagem, a sua origem está ligada a uma lenda que envolve o caso de amor entre os índios, Tilixi e Tixiliá. Apaixonados um pelo outro, eles foram proibidos de se encontrar pelo fato da índia Tixiliá estar prometida ao cacique Etafé. Durante uma festa tribal, no entanto, Tilixi não apenas se aproximou de Tixiliá, bem como lhe roubou um beijo. Condenado a morrer de fome, Tilixi acabou por receber a visita, sorrateira, de sua amada. Flagrados por Etafé, ambos foram mortos. Neste lugar nasceria a palmeira que deu origem à cidade.
O status de município, conquistado em 1835, chegou a ser perdido por conta de disputas políticas que provocaram inúmeros assassinatos. A autonomia só foi reconquistada a partir de 1889 e após alguns anos de maior estabilidade, passou a ser conhecida como a “Princesa do Sertão”. Chegou a ter como prefeito um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, Graciliano Ramos, autor de obras primas como Caetés e Vidas Secas, e que durante o exercício de seu mandato político chegou a adotar como medida oficial que os presos trabalhassem na construção de estradas. A partir de 1933, a inauguração da estrada de ferro serviu para firmar seu importante papel no crescimento do estado e a fez tornar a terceira cidade mais importante do estado de Alagoas.
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A criação do Clube Sociedade Esportiva, conhecido como CSE, em 21 de junho de 1947, foi marcante para seus habitantes que passaram a ter o futebol como uma importante atividade de lazer. As partidas do simpático CSE eram sempre realizadas aos finais de semana e atraíam grande interesse da população. Naqueles tempos os confrontos reuniam as equipes de cidades próximas a Palmeira dos Índios, e em especial quando os adversários vinham da vizinha Arapiraca, distante cerca de 40 km, a rivalidade era ainda maior.
O motivo disso muito se deve ao fato de Arapiraca ter se tornado munícipio, em 1924, a partir do desmembramento de alguns territórios pertencentes a Palmeira dos Índios. Além disso, durante muitos anos continuou fazendo parte da comarca de Palmeira. No Brasil, dá se o nome de comarca a uma determinada área que indica os limites territoriais da competência de um juiz. Há comarcas que coincidem com os limites de um município, e outras que englobam vários deles. Neste último caso, poderá haver um munícipio que será a sede da comarca, enquanto que os outros serão distritos deste, sob o ponto de vista de organização judiciária. O que pode ser apenas uma questão de organização possui uma grande relevância junto aos habitantes das cidades vizinhas.
Mas a rivalidade não se resumia apenas a estas questões. Desde que se tornou munícipio independente, Arapiraca passou a crescer de forma significativa, muito por conta da cultura do fumo. Justamente por conta dele, passou a abrigar, desde o final do século XIX, a feira livre municipal, que durante décadas foi a única forma de comercio institucional não apenas para seus habitantes, bem como para aqueles das cidades vizinhas. Até os dias atuais a Feira de Arapiraca é reconhecida como uma das mais importantes do nordeste brasileiro. Enfim, o maior crescimento econômico de Arapiraca também servia para acirrar ainda mais a rivalidade com as cidades vizinhas.
Já no ponto de vista esportivo, a rivalidade no futebol viveu dois momentos bem distintos. Inicialmente os confrontos entre as equipes de Palmeira dos Índios e de Arapiraca costumavam ser realizadas de maneira muito informal. Os rapazes se reuniam para bater bola e costumavam se dividir de acordo com a cidade onde moravam. Ainda assim, se permitiam “misturar” o que acabava por dirimir eventual clima de rivalidade. Este comportamento, no entanto, não durou muito tempo.
Em 1952, mais precisamente, em 25 de setembro, um grupo de empresários e autoridades de Arapiraca resolveram tornar realidade um antigo sonho, o da criação de um clube de futebol que fizesse frente as grandes equipes da região. Assim surgiu a Associação Sportiva Arapiraca, o ASA. Os vizinhos de Palmeira dos Índios, cuja equipe local, o CSE, era soberana nos torneios regionais, encararam o fato como mera bravata.
A surpresa foi ainda maior quando logo no ano seguinte, em 1953, a final da competição que reunia as equipes do interior do estado contou com a participação do CSE e do ASA. A partida seria realizada em Palmeira do Índios e tinha o CSE como grande favorito para a vitória, justamente por contar com jogadores de maior habilidade e com mais experiência na prática do futebol. O campo de jogo, que mais parecia apenas um terreno de barro, estava literalmente cercado por torcedores que pagaram ingresso para assisti-lo. Ao que parece, a chuva torrencial, que atingiu a cidade acabou por igualar as chances de vitória das equipes. Diante estas condições, em um lance fortuito, o ASA abriu o placar, 1 a 0.
A chuva se tornou ainda mais forte e a bola, além de muito pesada, sequer conseguia rolar no meio das poças de água. Depois de muitas discussões os jogadores acabaram sendo convencidos pelo juiz a interromper a partida cerca de 10 minutos antes de seu final, sob a condição, imposta pelos jogadores do CSE, que os minutos restantes fossem jogados na semana seguinte. E assim foi feito.
Desta vez sem chuva, as equipes voltaram a se encontrar em Palmeira dos Índios para jogar os minutos finais. O dia estava bonito e por conta disso, resolveram, novamente, cobrar ingressos dos torcedores. Os atletas e dirigentes locais combinaram que após os 10 minutos, dariam prosseguimento ao jogo, como forma de propiciar entretenimento ao público. Uma decisão que posteriormente se mostrou inadequada.
Após os 10 minutos a partida continuou 1 a 0 para o ASA. Inconformados com a derrota os jogadores do CSE começaram a atuar de forma mais viril, comportamento este que foi imediatamente seguido pelos atletas do ASA. O inicio de discussões e agressões foi quase que imediata e a briga, logo, se tornou generalizada, envolvendo quase todos os jogadores, dirigentes e até mesmo torcedores, que precisaram se esconder nos arredores, até mesmo em árvores. A confusão foi tão grande que alguns torcedores do ASA resolveram andar a pé, os quase 40 quilômetros, que separavam as duas cidades, através de uma estrada de barro, toda esburacada e escura. Infelizmente a história não acabaria aí.
Alguns dias depois, durante a tradicional Feira de Arapiraca, os visitantes originários de Palmeira dos Índios eram agredidos por cidadãos arapiraquenses tão logo suas procedências eram conhecidas. Maioria entre os compradores, a ausência dos moradores de Palmeira dos Índios foi sentida pelos comerciantes da feira, que tiveram um grande prejuízo naquele dia. Para resolver o problema econômico, iniciado no campo de futebol, foram necessários pedidos de desculpas de ambas as partes e a promessa que episódio lamentável como aquele jamais voltaria a acontecer. Reza a lenda que apesar do mútuo perdão, durante muitos anos pessoas de uma cidade evitavam ir para outra.
Com o passar dos anos, a cidade de Arapiraca, que até então era a sexta maior do estado, cresceu muito mais que a vizinha, Palmeira do Índio, e a partir da década de 1970 se tornou a segunda maior cidade alagoana, atrás apenas da capital Maceió. Algo similar aconteceu com as equipes de futebol. Enquanto as maiores conquistas do CSE são dois vice-campeonatos estaduais em 1977 e 1987, o ASA já conquistou o título máximo de seu estado em sete oportunidades, nos anos de 1953, 2000, 2001, 2003, 2005, 2009 e 2011.
Em comum possuem apenas o apelido de seus estádios, tanto o Edson Amaral, em Palmeira dos Índios, como o Coaracy da Mata Fonseca, em Arapiraca, são conhecidos como Poeirão, por conta do péssimo estado de conservação dos gramados ao longo dos anos. Os confrontos entre as equipes continuam cercadas de grande rivalidade e passaram a ser chamado de Clássico do Interior, só perdendo em importância para os confrontos entre as maiores equipes do estado, CSA e CRB.