O navegar do cérebro dentro do conhecimento social
Tecmundo
*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Pesquisadores identificaram que o cérebro humano codifica, em uma espécie de grade, a representação do conhecimento social da mesma forma que retrata as relações no espaço físico. O experimento, que originou essa descoberta, tratou-se da seleção de participantes que foram ensinados sobre um grupo de três empreendedores com dois atributos: competência e popularidade. Dias depois, os participantes foram submetidos a testes de ressonância magnética funcional no momento em que tiveram que escolher um empreendedor que fosse parceiro do outro. Em cada teste, um empreendedor era apresentado. Eles precisavam selecionar o melhor parceiro para o primeiro empreendedor, entre as duas opções disponíveis.
A popularidade e a competência deveriam ser igualmente avaliadas para que fosse feita a escolha do parceiro. Os empreendedores podiam ser vistos dentro de um espaço bidimensional preenchido pelas dimensões de suas respectivas características, porém os participantes não viram os empreendedores dispostos neste espaço. Em vez disso, eles aprenderam de maneira gradativa quem eram os dois empreendedores, se um era mais competente que o outro, ou mais ou menos popular. Com essa informação, construíram um mapa cognitivo bidimensional relativo à competência e à popularidade dos parceiros a serem selecionados. O teste, de certa forma, se assemelha à vida cotidiana, onde muitas vezes é preciso reunir pequenas observações para constatar como as pessoas se relacionam umas com as outras.
Várias regiões do cérebro codificaram as diferenças entre os empreendedores quando os participantes viram os rostos deles durante a tarefa de seleção de parceiros. Regiões como córtex entorrinal, córtex hipocampal, córtex pré-frontal medial, córtex orbitofrontal, áreas corticais póstero-mediais e lóbulo parietal inferior. Nessas áreas do cérebro, os rostos dos empreendedores que estavam mais próximos do mapa cognitivo bidimensional que os participantes construíram, acabaram evocando padrões semelhantes de resposta neural.
Ilustração mostra uma representação da interação social (créditos: Lightspring/Shutterstock)
Para examinar como o cérebro suporta a capacidade de compor novas trajetórias imaginadas entre ambientes espaciais e espaços conceituais abstratos, os pesquisadores se basearam em sugestões recentes de que as células da grade podem apoiar o cérebro nesse atalho. Essas células foram descobertas pela primeira vez no córtex entorrinal de ratos, que disparavam sempre que a posição de um animal coincidia com qualquer vértice em uma grade que ladrilhava seu ambiente. Junto com outros tipos de células sintonizadas espacialmente na formação do hipocampo, acredita-se que as células da grade apoiem a capacidade do cérebro de navegar pelo espaço.
As células da grade contribuem para um mapa interno do espaço quando colocadas em uma superfície plana com formas geométricas sem sobreposições ou lacunas, assim as interseções dos vértices fornecem pontos de referência locais para a superfície. Na vida cotidiana, muitas pessoas estão mais familiarizadas com grades compostas de quadrados, no entanto, as células da grade codificam redes hexagonais que são ideais para representar locais em planos bidimensionais, porque elas oferecem a maior resolução espacial possível de tais superfícies.
A pesquisa fornece a primeira evidência de que tal esquema de codificação também apoia a capacidade de navegar mentalmente pelo conhecimento social abstrato. Em uma representação semelhante a uma grade, as trajetórias no espaço representacional que estão alinhadas com a grade codificada se cruzam com mais campos de disparo de células da grade e, assim, provocam respostas neurais mais fortes do que as trajetórias que estão desalinhadas com a grade. Se os participantes codificaram a trajetória de um candidato a outro ao ver o rosto de um deles, e a trajetória de um dos candidatos ao empreendedor ao ver o rosto do empreendedor, então o rosto do outro candidato deveria provocar uma maior atividade de células da grade do que o rosto do empreendedor. Isso ocorre porque a trajetória de ambos os candidatos está alinhada com a orientação da grade, então essa trajetória passa por mais campos de disparo de células da grade do que a trajetória de um dos candidatos ao empreendedor.
Embora as grades hexagonais sejam ideais para a construção de mapas bidimensionais de alta resolução, diferentes estruturas geométricas são ideais para representar espaços de dimensões superiores. O estudo deixou perguntas, como quais dimensões, e quantas delas, organizam os "mapas" mentais de conhecimento utilizado na vida cotidiana? Se esses mapas excederem duas dimensões, como serão codificados? E as respostas a essas perguntas variam entre os contextos? Novas pesquisas que promovam o desdobramento dessas dúvidas prometem avançar ainda mais na compreensão de como o cérebro humano navega no mundo social.
Fabiano de Abreu Rodrigues, colunista do TecMundo, é doutor e mestre em Ciências da Saúde nas áreas de Neurociências e Psicologia, com especialização em Propriedades Elétricas dos Neurônios (Harvard), programação em Python na USP e em Inteligência Artificial na IBM. Ele é membro da Mensa International, a associação de pessoas mais inteligentes do mundo, da Sociedade Portuguesa e Brasileira de Neurociência e da Federação Europeia de Neurociência. É diretor do Centro de Pesquisas e Análises Heráclito (CPAH), IPI Intel Technology e considerado um dos principais cientistas nacionais para estudos de inteligência e alto QI.