Em fevereiro, direito ao voto feminino completa 91 anos no Brasil
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“Meus queridos brasileiros e brasileiras, pela decisão soberana do povo, hoje será a primeira vez que a faixa presidencial cingirá o ombro de uma mulher”. Foi dessa forma que Dilma Rousseff iniciou seu discurso de posse no ano de 2011, quando se tornou a primeira mulher presidente da história do Brasil. Mesmo com o eventual impeachment, sua vitória foi significativa: nunca um cargo tão alto na política do país tinha sido destinado a uma mulher.
Esse marco carrega um histórico de luta que começou a séculos atrás. Entre os diversos momentos que foram decisivos na conquista feminina em busca de uma maior participação política, o dia 24 de fevereiro se destaca. Foi nessa data, no ano de 1932, que a mulher adquiriu, pela primeira vez no país, o direito ao voto pelo Decreto 21.076 do presidente Getúlio Vargas.
Pela primeira vez, mulheres votam legalmente no Brasil
Apesar de significativo, o direito não era universal e não significava igualdade frente ao voto masculino. O voto feminino, restrito às solteiras, era obrigatório apenas às mulheres que exerciam alguma função remunerada. A total equiparação do direito eleitoral feminino ao masculino só vem 35 anos depois, em 1967. “Então a gente está comemorando, nesse 24 de fevereiro, os 91 anos de uma conquista que não foi integral”, explica Gisela França, professora e Doutora em Direito Penal pela UERJ.
Mesmo relativo, tal progresso foi significativo e árduo. A luta feminina brasileira acompanhou um movimento internacional que aconteceu entre os séculos XIX e XX nos Estados Unidos e Europa. As mulheres que exigiam o direito de votar ficaram conhecidas como sufragistas – sufrágio significa votação. Consequência do embate, no ano de 1893, as mulheres foram autorizadas a votar pela primeira vez na Nova Zelândia.
40 anos depois, em um Brasil coronelista, oligárquico e agrário, surge o governo de Getúlio Vargas. Segundo a professora, é “próximo das Forças urbanas que ele [Getúlio] percebe a possibilidade de incorporação do direito ao voto feminino para amealhar mais votos”. É com essa abertura que a participação da mulher na política começa a ganhar espaço.
Nomes importantes da luta feminina
Diversos nomes marcam a luta sufragista em solo brasileiro. Bertha Lutz se destaca nessa jornada. Sendo da elite, ela conseguia viajar para fora do Brasil. Bertha voltava com a disposição de trazer ao país os direitos das mulheres que via em outros lugares do mundo. “Evidentemente, a luta dessas mulheres foi mal recebida pelas elites. Teve uma grande repercussão na imprensa”, revela Gisela. A reverberação na mídia levou o debate a um maior patamar e conhecimento público.
Leolinda Daltro também teve um grande papel. Professora que realizava um trabalho humanitário com indígenas, “criou o Partido Republicano feminino e é uma das precursoras no Brasil do voto para mulheres”, explica a professora Gisela França. Em 1919, Leolinda Daltro se candidatou a intendente para o Rio de Janeiro, sendo a primeira brasileira candidata às eleições municipais.
“Mulher sempre foi ‘vista’ de maneira invisível”
Compreender as dificuldades que as mulheres tiveram para entrar no cenário político brasileiro é entender que sempre existiu uma crença a respeito da “incompetência” do sexo feminino. “Quando a gente fala em invisibilidade, a gente pensa em invisibilidade desde os primórdios da humanidade. A mulher, na verdade, sempre foi ‘vista’ de uma maneira invisível, no sentido de nós, mulheres, sermos consideradas desprovidas tanto de capacidade intelectual quanto de capacidade física”, elucida Gisela.
Ela ainda explica que a participação feminina na política não pode se limitar ao voto. Para a doutora, “o lugar da mulher na política não é apenas o lugar no que diz respeito ao direito de votar adquirido há 91 anos, no 24 de fevereiro, mas, sim, o direito de sermos votadas, eleitas. Isso impacta na representatividade e na qualidade da democracia brasileira”.
Violência contra a mulher
Com mulheres no poder, questões sobre a população feminina começam a ser mais pautadas e trabalhadas, como é o exemplo da violência contra a mulher. “Nós mulheres ainda somos vítimas de violência e morte em razão do gênero, e esse é um problema brasileiro e mundial. Aí entra a questão do voto novamente, entra a questão da política novamente, porque é importantíssimo que adotemos políticas de segurança pública voltadas especificamente para a mulher”, complementa a professora.
Gisela ainda comunica que o Brasil está em desvantagem quando o assunto é a quantidade de mulheres ocupando cargos políticos. “Segundo o mapa das mulheres na política de 2020, o Brasil ocupa a posição 145º em número de mulheres no Parlamento, num total de 187 países”, aponta. O número contrasta com a maioria eleitoral ocupada pelo sexo feminino. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, cerca de 52% dos votantes são mulheres.
“No senado, ocupamos 12 vagas, ou seja, menos de 15% das 81 cadeiras”, contesta a Doutora. Apesar dos avanços, dados como esse comprovam a necessidade de continuar lutando para uma maior igualdade nos cargos de poder.
Gisela ainda completa que “precisamos de uma política de incentivos e de cotas para as mulheres na política, pois temos essa imensa sub-representação e esse atraso visível retumbante brasileiro”. A construção dessas personagens políticas precisa ocorrer com ajuda de seus respectivos partidos, porque a candidatura de alguém não ocorre de forma rápida. O processo é lento.
Como ocorrem as candidaturas?
Michele Bravos, Mestra em Direitos Humanos e Políticas Públicas, explica como são feitas essas candidaturas: “Há muitas iniciativas do terceiro setor de formação de futuras candidatas ou de fortalecimento de campanhas de mulheres. Isso é fundamental, porque cria uma rede fortalecida em que as mulheres se enxergam umas nas outras e sabem que não estão sozinhas nessa jornada”. Ela ainda explica que a existência de cotas em partidos pode ser muito positiva e inclusiva.
A luta por igualdade se faz em todos os espaços, não apenas no político. “Ela se faz no nosso espaço doméstico, com a nossa família, se faz na educação, na nossa escola e na universidade, no ensino médio ou no ensino fundamental, com os nossos professores. Ela se faz no debate e em todos os espaços onde a mulher queira estar e onde a democracia permite que nós estejamos”, finaliza Gisela.