The Afterparty: série é um prato cheio para fãs do cinema (crítica)
Tecmundo
Parece que estamos vivendo uma onda nova de histórias de mistério. A febre de séries e podcasts de true crime sugere algo que é óbvio pelo menos desde a época em que Agatha Christie lançou seus livros: nós costumamos adorar narrativas de crime, e amamos sentir que estamos na pele de detetives.
É nesse contexto que nasce The Afterparty, série de comédia do Apple TV+ que bebe dessa fonte, mas de uma forma debochada. No primeiro capítulo, temos a introdução do que se trata a história: ela se passa em uma reunião de 15 anos de formatura de uma mesma turma de ensino médio.
Mas como ocorre com a maior parte das tramas de mistério, a trama começa pelo fim, ou seja, pelo crime. E quem morreu é Xavier (vivido por Dave Franco, que fez sucesso na série Scrubs, e é irmão mais novo do ator James Franco), o único aluno da turma que ficou famoso – ele virou um ator/influencer/rapper de qualidade duvidosa, mas cuja fama parece impactar na vida de todos os ex-colegas. A reunião escolar se encerrou na sua mansão, e a história começa com Xavier estatelado na praia situada embaixo de sua casa.
A partir daí, The Afterparty caminha para uma narrativa whodunnit, ou seja, o tipo de história centralizada em descobrir quem cometeu o crime. Após o assassinato, os ex-colegas ficam presos na casa e precisam prestar depoimento à polícia, representada pela detetive Danner (interpretada por Tiffany Haddish, uma das mais engraçadas do elenco) e seu assistente Culp (John Early). A dinâmica meio atrapalhada entre os dois é um dos trunfos do roteiro.
Aparentemente, todo mundo parece ter alguma razão para odiar Xavier. Aniq (Sam Richardson, conhecido por Veep) foi à festa para tentar conquistar sua crush do colégio, a artista Zoë (Zoë Chao), que recém se divorciou do super ciumento Brett (Ike Barinholtz, de Esquadrão Suicida). Aparentemente, Xavier também estava interessado na moça. Já Chelsea (Ilana Glazer, de Broad City) trama uma vingança contra ele, por motivos obscuros. Por fim, Yasper (Ben Schwartz, de Parks and Recreation) tem interesses profissionais em Xavier: ele quer beber um pouquinho da sua fama para ver se consegue se lançar no mercado musical.
Uma homenagem aos gêneros do cinema
(Fonte: Apple TV)
Até aqui, não há muita novidade, até porque o gênero de mistério é um dos mais antigos que conhecemos. Então qual é a sacada de The Afterparty? De fato, a série é uma comédia com boas ideias. A primeira delas é que os episódios são todos organizados pelo ponto de vista dos suspeitos. Cada um deles é narrado por meio das impressões e das memórias dos convidados da festa – que narrarão o que aconteceu naquela noite, obviamente, de forma enviesada.
Mas a melhor sacada da série está no fato de que as histórias sequentes são organizadas como homenagens aos diferentes gêneros já muito explorados pelo cinema. Por isso, ela deve agradar sobretudo os fãs da sétima arte.
As memórias de Yasper, por exemplo, se dão dentro um filme musical (o episódio é um tanto cansativo para quem não é fã do estilo). Já as lembranças de Brett, que se visualiza como um valentão que só quer proteger sua preciosa família, ocorrem como um filme de ação, como se ele fosse James Bond. Há, claro, sempre um tom de deboche: trata-se claramente da forma equivocada pela qual os personagens se veem, em sua megalomania meio patética.
Chelsea, a personagem desequilibrada que todo mundo parece detestar (um comentário: parece pouco criativo colocar Ilana Glazer sempre para fazer papéis meio despirocados, como se repetissem o que ela fazia em Broad City), tem seu episódio homenageando os slasher movies, os filmes de terror com assassinos psicopatas que matam aleatoriamente, como Sexta-feira 13 e O Massacre da Serra Elétrica. Há, portanto, uma certa continuidade entre a mentalidade da personagem e o jeito que ela visualiza aquilo que aconteceu.
Estratégia inteligente e um elenco de pequenas estrelas
(Fonte: Apple TV)
Outro ponto interessante de The Afterparty é a estratégia do Apple TV+ para lançar a série. A plataforma disponibilizou os três primeiros episódios e, nas semanas seguintes, tem soltado apenas um episódio – o que, de certa forma, parece ser uma maneira de criar expectativas sobre a comédia e fugir dos spoilers.
Além disso, a série investe em uma coleção de pequenas estrelas emergentes na comédia, como os nomes já citados nesse texto – em especial, de Sam Richardson (totalmente diferente do assessor pateta que ele fazia em Veep), Ilana Glazer, Tiffany Haddish (que brilha como a detetive esperta que usa seu sotaque meio “ghetto” para conquistar a confiança dos suspeitos), Dave Franco (impagável como o “famoso por nada” Xavier, um ricaço sem noção bem estereotipado) e Ben Schwartz. É bastante provável que você os reconheça de várias outras séries que já viu, embora talvez não saiba os seus nomes.
Há ainda dois personagens que parecem completamente aleatórios: a misteriosa Indigo (vivida por Genevieve Angelson) e o ignorado Walt (Jamie Demetriou, uma mini estrela da comédia britânica). Ambos provavelmente terão algum envolvimento forte com o crime, o que será revelado nos episódios seguintes (será algum deles o assassino de Xavier?)
Isto tudo torna The Afterparty uma atração imperdível? Não exatamente. Isto porque a série arranca menos risadas do que poderia. É bastante provável que, nesta mescla meio maluca de tantos gêneros, ela acabe se perdendo na tentativa de fazer graça em cima de várias paródias que busca entregar ao público.
Em outras palavras, para fazer sentido, a série precisa encontrar um espectador familiarizado com todos os gêneros: o qual entenderá todas as tirações de sarro com os filmes de ação, o qual captará todas as referências no gênero musical no episódio de Ben Schwartz, o qual estará familiarizado com os filmes de terror a ponto de decodificar humor na paródia feita pela personagem de Ilana Glazer.
Talvez The Afterparty não seja o lançamento do ano e nem entre na lista das melhores séries. Mas quem se aventurar nos oito episódios totais, certamente vai encontrar alguma diversão e dar umas boas risadas. Não ocorre o tempo, mas quando acontece, você sabe que valeu a pena.