A perturbadora história dos internatos de crianças indígenas no Canadá
Aventuras Na História
No final do último mês, a comunidade indígena Tk'emlups te Secwepemc descobriu restos mortais de 215 crianças, que foram enterradas na Escola Residencial Kamloops Indian, em British Columbia, no Canadá. O caso gerou comoção e repercutiu em todo o mundo.
O triste episódio fez com que novas considerações fossem feitas sobre o genocídio cultural que vem sendo realizado contra os indígenas americanos ao longo dos séculos. No local em questão, inúmeras injustiças foram cometidas contra crianças indígenas, mestiças e inuítes.
Conforme o UOL, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, declarou durante coletiva: "É uma triste lembrança deste obscuro e lamentável capítulo da nossa história. Meus pensamentos estão com todos os afetados por esta terrível notícia".
Embora a descoberta tenha sido triste e totalmente chocante, a verdade é que ela não é única na história do Canadá. Afinal, o internato em questão funcionou ao longo de anos, mas foi apenas um de muitos, que apresentavam uma política responsável por um terrível genocídio cultural.
Em internatos católicos
Em 2015, um relatório da Comissão de Verdade e Reconciliação foi publicado no Canadá, relatando o que aconteceu em comunidades indígenas do país entre os anos de 1863 a 1998. Durante esse período, cerca de 150 mil crianças foram separadas de suas famílias.
Elas eram levadas para internatos que funcionavam principalmente a partir da orientação da Igreja Católica, mas que eram administrados pelo próprio governo do Canadá. Internados à força, os jovens passavam por uma assimilação cultural constante.
Como relatou a BBC, as crianças eram proibidas de falar sua língua materna: apenas o inglês ou o francês eram permitidos nas instituições. Caso elas falassem as próprias línguas, funcionários das instituições poderiam lavar as bocas dos menores com sabão e até mesmo dar puxões de orelhas.
Na tentativa de apagar a origem indígena dessas crianças, elas também não podiam praticar nada relacionado a sua cultura. Tudo o que poderiam fazer era aceitar as ordens do internato e se converter ao cristianismo, religião que moldava toda a atuação das instituições.
Conforme o documento de 2015, "essas medidas faziam parte de uma política coerente para eliminar os aborígenes como povos distintos e assimilá-los na corrente dominante canadense contra a sua vontade".
Os jovens viviam em condições precárias, com falta de médicos, em ambientes insalubres e mal-construídos, que não garantiam sua própria segurança. Se isso não fosse o suficiente para que muitos morressem nesses locais, muitos foram sofreram abusos físicos, psicológicos e até mesmo sexuais.
Ao longo dos anos em que essas escolas funcionaram, cerca de 6 mil crianças morreram enquanto estavam internadas à força. Os dados foram documentados pela Comissão de Verdade e Reconciliação. Segundo o Projeto Crianças Desaparecidas, esse número pode chegar a até 4,1 mil crianças.
Um relato do terror
Quando o relatório sobre o tema foi publicado em 2015, histórias de pessoas que viveram sob essas terríveis condições, mas sobreviveram, começaram a vir à tona. A BBC entrevistou, naquele ano, Joseph Maud, que foi internado em 1966, aos cinco anos de idade.
Separado de sua família, ele foi levado ao internato Pine Creek, em Manitoba, no Canadá, onde passou por situações angustiantes. Maud contou que não podia falar a própria língua, nem praticar nada relacionado aos costumes de seu povo."Mas a maior dor era estar separado dos meus pais, primos e dos meus tios e tias", afirmou.
Ele também relatou episódios específicos em que foi humilhado por freiras responsáveis pela instituição em que ficou por anos. O homem contou que, certa vez, ele urinou na cama em que dormia, um ato comum para uma criança.
A reação da freira responsável por seu quarto, porém, foi impiedosa: ela esfregou o rosto da criança contra a própria urina. "Foi muito degradante e humilhante. Porque eu estava em um dormitório com outras 40 crianças", disse.
Outro momento truculento vivido por ele aos apenas cinco anos de idade foi quando freiras o obrigavam a ajoelhar no chão de concreto da igreja do internato. Elas afirmavam que "essa era a única forma para que Deus o escutasse". "Eu estava chorando quando me ajoelhei e pensei: quando isso vai acabar? Alguém me ajuda", completou.