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Cientista social analisa cenário político atual: 'O conservadorismo é uma tentativa de restabelecer a ordem'
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Cientista social analisa cenário político atual: 'O conservadorismo é uma tentativa de restabelecer a ordem'

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Aventuras Na História
14/08/2021 12h10
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Na última terça-feira, 10, aconteceu em Brasília a Operação Formosa, o evento anual que consiste no desfile de veículos da Marinha. A edição deste ano contou com a participação do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da defesa, Walter Braga Netto. 

Por coincidência, a cerimônia foi realizada no mesmo dia em que aconteceu a análise da PEC que previa a implementação do voto impresso — determinado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O ato foi fortemente criticado nas redes sociais e por alguns deputados e senadores da oposição. O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a classificar o ocorrido como uma "trágica coincidência". 

Pensando nisso, o site Aventuras na História convidou o jornalista Thales Guaracy, autor da obra ‘A era da intolerância', para analisar o episódio envolvendo o presidente e o atual cenário político brasileiro. 

Análise global 

Em seu mais novo lançamento ‘A era da intolerância', o autor busca refletir sobre as ameaças e desafios enfrentados pela sociedade democrática contemporânea como um todo. Para o autor, os mecanismos da democracia envelheceram, ou seja, são baseados em um sistema antigo, que surgiu por volta da Revolução Industrial.

A era da intolerância, de Thales Guaracy (2021) / Crédito: Divulgação / Editora Matrix

 

A percepção de que a democracia hoje é lenta, não resolve os problemas na medida do necessário, nem na velocidade à qual nos acostumamos na era tecnológica, dá a sensação de que ela é ineficiente, perdeu legitimidade e a capacidade de prover uma vida melhor para todos, com relativa igualdade. Só que, se nas democracias se pede por autoridade, na forma de uma maior eficiência do Estado, nos regimes autoritários ocorre o mesmo”, analisou o especialista. 

Publicada pela Editora Matrix, a obra busca, ainda, refletir sobre os aspectos fundamentais da Era Digital, que tem como uma das características trazer à tona debates sociais, como xenofobia, machismo, racismo, conservadorismo e muito mais. Por outro lado, a sociedade continua reproduzindo modelos políticos antigos, que para o autor precisam ser reavaliados. 

Muitos caminham hoje para uma maior liberdade, para diminuir a pressão por melhores condições de vida. Isso ocorre porque o capitalismo global mundial, com redução de processos de trabalho, emprego e uma maior exclusão social, afetou também a arrecadação e tirou poderes do Estado em todas as nações. Tendemos hoje, então, ao surgimento de regimes híbridos de democracia e autocracias, mas a crise, na realidade, é uma crise do Estado capitalista na era contemporânea”, concluiu ele. 

Baseado em suas pesquisas, Thales Guaracy explicou também que em um cenário de mudança política — em que nenhuma política pública parece satisfazer a massa — tende-se a aumentar movimentos conservadores em todo o mundo. 

O conservadorismo é uma tentativa de restabelecer a ordem, diante da sensação de que a sociedade está se fragmentando. Sobretudo procura-se manter o status quo de quem permanece integrado ao sistema. No fundo, há menos recursos para todos, isso acirra a disputa — seja por postos de trabalho, seja pelos recursos do Estado — e a intolerância é o fenômeno que justifica a quebra do princípio da igualdade e legitima a apropriação de uma maior quantidade de recursos por uns, em detrimento de outros. As pessoas tendem a se agrupar para se defender e tendem à radicalização, como ocorre no Brasil hoje”, argumentou o jornalista. 

Cenário político brasileiro 

Em 2018, o então candidato do PSL, Jair Bolsonaro, foi eleito presidente da República, derrotando no segundo turno o representante do PT, Fernando Haddad. Na época, ele foi eleito com o propósito de reduzir a corrupção e promover o crescimento da economia nacional. Contudo, para Thales Guaracy, o atual presidente vem “agindo no sentido contrário” daquilo que foi proposto durante a sua campanha eleitoral. 

Jair Bolsonaro em 2020 / Crédito: Getty Images

 

Ele se colocou como o homem que impediu uma 'ditadura de esquerda', mas não se faz isso impondo uma outra ditadura, apenas de sinal trocado. Acredito que o Brasil tem ainda instituições fortes para passar por mais essa provação e sair bem no final. Por isso, considero o governo Bolsonaro mais uma ameaça a si mesmo, por contrariar na prática a plataforma que o levou a ser escolhido pela maior parte do eleitorado. E este deve soberanamente decidir nas próximas eleições o que fazer com ele”, analisou o jornalista. 

Com relação a defesa do presidente pela instauração do voto impresso, o especialista não vê problema em se ter o voto eletrônico e o impresso, desde que não haja outras motivações por trás dos discursos políticos. 

Não há nada de errado em se ter o voto eletrônico e também o impresso, desde que isso seja utilizado para eliminar alguma dúvida. O problema é que esse instrumento foi imaginado para melar a eleição, numa situação em que o presidente está vendo poucas chances de ser reeleito. Talvez possa se discutir mais tarde, e sem segundos interesses, a eficiência do nosso sistema eleitoral, que por enquanto me parece correto — tanto que Bolsonaro se elegeu por ele”, refletiu ele. 

Nos últimos dias, outros políticos ligados ao presidente fizeram declarações polêmicas. É o caso de Milton Ribeiro, ministro da educação. Em entrevista à TV Brasil, o ministro defendeu que as universidades sejam ‘para poucos’, conforme repercutiu o portal UOL. Thales Guaracy, por sua vez, analisou o episódio:

Somente num país com educação, começando da base da pirâmide, se tem cidadãos capazes de qualificar uma nação. Como política de Estado, a promoção da deseducação tem o mesmo papel da defesa do terraplanismo e outras afirmações que ferem a lógica. A base da intolerância é disseminar a ignorância, o desrespeito pelo próximo e sobretudo a igualdade, incluindo a de oportunidades, que só é oferecida por uma educação de qualidade para todos. Ataca-se assim a própria razão, na sua origem iluminista, base para a crença de que todos somos iguais, o grande pilar da democracia”. 

O desfile com tanques da Marinha  

Desde 1988 acontece anualmente a Operação Formosa, que consiste em um desfile de tanques da Marinha. De acordo com o Estadão, a cerimônia que aconteceu na última terça-feira, 10, contou pela primeira vez com homens do Exército e Aeronáutica.

Blindados desfilando em frente ao Palácio do Planalto / Crédito: Divulgação / YouTube / Diário do Nordeste

 

Além disso, desde a criação da Operação Formosa foi a primeira vez em que um presidente da República participou da cerimônia. Por coincidência, o evento aconteceu no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados analisou a adoção do voto impresso, defendida por Bolsonaro.

Para Thales Guaracy, o atual presidente brasileiro possui um discurso sistemático e que busca reforçar a ideia de que ele possui apoio da cúpula militar. 

Eu não julgo intenções, ainda mais na política, em que se faz uma coisa querendo que pareça outra. Porém, é certo que o presidente Bolsonaro sistematicamente joga para uma plateia, tentando forçar as instituições a aceitar suas ideias. Qualquer associação que fortaleça a ideia de que ele tem os militares a seu lado, lutando contra um sistema injusto, é utilizada por ele e reforçada por sua rede de comunicação. É um fenômeno que vai aumentando sua influência na sociedade brasileira e, no limite, procura promover algum evento político que não condiz com a regra democrática, de forma a manter o presidente no poder de outra forma que não seja a via eleitoral”, concluiu ele. 

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