Escuridão como aliada: Como foi o primeiro ataque aéreo lançado de um porta-aviões
Aventuras Na História
Em 10 de junho de 1940, exatamente um mês após o início da ofensiva alemã no episódio que ficou conhecido como a Batalha da França, a Itália entrou na Segunda Guerra. Vendo que o governo francês se refugiava em Bordeaux e declarava Paris cidade aberta, Benito Mussolini, que estivera inicialmente hesitante em apoiar as campanhas alemãs na Polônia e na Escandinávia, colocou seu país no conflito.
O motivo da cautela inicial era o temor das severas consequências que a Itália poderia sofrer caso a Inglaterra e a França derrotassem os alemães. Entretanto, com a Blitzkrieg nazista varrendo todos os exércitos que se colocavam em seu caminho — os franceses praticamente derrotados, e os ingleses sendo evacuados de Dunquerque —, o ditador fascista considerou que aquela era uma boa oportunidade para conseguir um assento na mesa de negociações ao lado dos vitoriosos alemães.
Mesmo que a França tenha capitulado dias depois, a Inglaterra se manteve firme, e com os italianos agora em cena, o conflito que se iniciara na Polônia e se espalhara para a Europa Ocidental, chegava ao Mediterrâneo.
Desde que assumiu o poder em 1922, Mussolini nunca escondera suas pretensões imperialistas. Em seu ímpeto de restaurar o Império Romano, invadira a Abissínia em 1935, apoiara os Nacionalistas na Espanha em 1936 e expandira consideravelmente o tamanho de sua marinha de guerra, tanto que quando a Itália entrou no conflito, a Regia Marina era um adversário à altura da Royal Navy.
Lutando sozinhos e temendo uma invasão de suas ilhas, os ingleses sabiam que não podiam negligenciar o Mediterrâneo, pois, além de seus territórios, os suprimentos vitais para manter seu esforço de guerra em casa passavam pelas águas da região. Tendo isso em mente, o almirante britânico, Sir Andrew Cunningham, bolou um plano engenhoso, mas ousado: um ataque ao coração da frota italiana, a Base Naval de Taranto.
Por conta de sua posição geográfica ao sul da Península Itálica, de seu relevo e de suas águas rasas, Taranto sempre foi considerada a base naval ideal. Era de fato impensável que alguém pudesse realizar um ataque direto à frota ali baseada.
Buscando uma saída para o problema e cientes de que somente um ataque contra o porto poderia debilitar a armada do rival e garantir as rotas de suprimento do Mediterrâneo, os estrategistas britânicos perceberam que um ataque frontal, com navios emparelhados em um combate direto, de fato, surtiria pouco ou nenhum efeito contra o inimigo. Todavia, um ataque furtivo com aeronaves poderia causar um grande estrago.
A estratégia era inovadora, pois era a primeira vez na história militar em que uma batalha naval seria realizada sem que os navios envolvidos nos dois lados do combate se enxergassem. Os aviões ingleses decolariam de porta-aviões localizados a poucas milhas náuticas da base italiana, mas a uma distância segura para se manterem longe da ação.
Correndo contra o tempo, e sabendo que se mal executada a operação teria consequências catastróficas para todo o esforço de guerra aliado, os britânicos escolheram uma data simbólica para o ataque, dia 12 de outubro de 1940, o dia da Batalha de Trafalgar — a grande vitória de Lorde Nelson contra Napoleão.
Entretanto, por conta de problemas estruturais e até de um incêndio ocorrido nos porta-aviões que participariam do ataque, a incursão teve de ser adiada. Os contratempos não paravam por aí, pois mesmo com a missão sendo de alto valor estratégico, a aeronave escolhida para sua execução foi o biplano Fairey Swordfish, mais conhecido como Stringbags (sacos de barbantes, em uma tradução livre).
Com as ilhas britânicas sob ameaça da Luftwaffe alemã, as aeronaves mais modernas, como Spitfires ou Hurricanes, não stavam disponíveis, fazendo com que a Marinha tivesse de utilizar modelos mais antigos. Havia ainda uma questão vital a ser resolvida: como realizar um ataque de profundidade em uma localidade conhecida justamente por possuir águas rasas?
A solução foi adaptar os torpedos para o calado de Taranto, e voar bem rente, quase tocando a água. Tendo de contar com apenas um porta-aviões, na noite de 11 de novembro, 21 Fairey Swordfish decolaram contra Taranto, tendo a escuridão como aliada, era iniciado o primeiro ataque aéreo lançado de um porta-aviões na história mundial. Mesmo que estives sem preparados para uma investida aérea, os defensores da base foram pegos de surpresa. As ondas de aviões que davam rasantes em meio à frota agrupada nas águas rasas da baía provocavam explosões atrás de explosões.
Após os primeiros impactos, com o petróleo que jorrava dos navios já avariados, todo o porto estava em chamas. Alguns dos pilotos que participaram da ação descreveram a cena como “um inferno entre homens”, tamanhas as labaredas de fogo que saíam das águas sujas de óleo. Na madrugada de 12 de novembro os aviões britânicos já tinham regressado ao porta-aviões deixando para trás um cenário de caos e destruição.
Cinquenta e nove italianos perderam a vida e os três couraçados, os maiores e melhores navios italianos, foram seriamente atingidos, incluindo o Cavour, o orgulho da Regia Marina, que não resistiu e afundou. Do lado inglês dois homens foram vitimados e, surpreendentemente, apenas dois aviões foram abatidos. Para todos os efeitos a missão foi considerada um sucesso total.
O ataque a Taranto foi a primeira grande vitória Aliada da Segunda Guerra Mundial. É fato que os rumos do conflito só virariam mesmo em 1943, mas depois de mais de um ano de derrotas, o engenhoso ataque aéreo provou que o Eixo podia ser vencido.
Os italianos viram sua supremacia no Mediterrâneo ameaçada e ali começaria o engajamento mais direto da Alemanha em socorro ao seu aliado. Para os ingleses, o sucesso na campanha ajudou a animar o moral em casa em meio aos bombardeios da Blitz. Entretanto, a consequência mais inesperada ocorreu do outro lado do mundo.
Os japoneses, que já planejavam sua expansão na Ásia, ficaram maravilhados com as táticas inglesas. Os estrategistas da Marinha do Japão estudaram detalhadamente as ações de aeronaves empregadas contra navios, e as replicaram contra os norte-americanos em 7 de dezembro de 1941, em Pearl Harbor, fazendo com que a guerra que começara na Europa, se tornasse mundial.
Ricardo Lobato é sociólogo e mestre em economia pela unb, oficial da reserva do Exército Brasileiro e consultor-chefe de política e estratégia da Equilibrium — consultoria, assessoria e pesquisa.