Há três séculos, a descoberta de ouro nas minas sacudiu o marasmo da Colônia portuguesa
Aventuras Na História
Era noite de 29 de junho de 1720 em Vila Rica, cidade mineira que fervia e prosperava economicamente graças à riqueza da mineração na então Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Por volta das 11 horas da noite, em meio ao estouro dos fogos para as comemorações do Dia de São Pedro, cerca de 2 mil pessoas com os rostos cobertos desceram das matas de Ouro Podre, nos arredores da vila, e invadiram as estreitas ruas de pedras em direção ao centro.
Começava ali uma conspiração popular que seria sufocada pela Coroa portuguesa em poucos dias, mas que, por outro lado, resultaria em um marco histórico para toda a região aurífera e para o país: a fundação de Minas Gerais.
Naquela noite junina, há mais de 300 anos, uma pequena multidão se reuniu em frente ao prédio da Câmara Municipal de Vila Rica e, sob o comando de um modesto tropeiro e comerciante chamado Felipe dos Santos, os conspiradores explicaram suas aspirações ao povo que assistia a tudo aquilo, em meio às fogueiras: a extinção das casas de fundição anunciadas pela Coroa portuguesa por meio da Lei da Moeda, em 1719; a redução dos impostos; e a abolição dos monopólios comerciais do gado, fumo, aguardente e sal, mercadorias preciosas para o abastecimento da população local, que vivia em uma região praticamente isolada dos grandes centros urbanos, Salvador e Rio de Janeiro, e muito distante do litoral.
Apesar da boa oratória, Felipe dos Santos não era o verdadeiro mentor do movimento que levaria o seu nome — Revolta de Felipe dos Santos ou Revolta de Vila Rica — e que algumas décadas mais tarde inspiraria uma conspiração de mineiros contra a Coroa, com objetivos semelhantes e liderada pelo alferes José Joaquim da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes: a Inconfidência Mineira.
Ocorrida em 1789 — e que também começou como um protesto contra a cobrança dos impostos da Coroa, o chamado “quinto” do ouro —, a Inconfidência entrou para a história do Brasil como um dos movimentos mais importantes no país contra a dominação portuguesa.
“Há uma ideia de que Minas Gerais é terra da paz, da conciliação etc. Esse pensamento não vale para o período colonial, sobretudo na primeira metade do século 18. Se havia algo que distinguia o mineiro era a rebeldia”, explica Luiz Carlos Villalta, um dos organizadores do livro 'História de Minas Gerais' (ed. Autêntica).
“O começo do século 18, em Minas Gerais, foi batizado por letrados da época como tempo do ‘despotismo dos facinorosos’, período em que as autoridades, leigas e religiosas, eram frequentemente desobedecidas. Ou até mesmo, em alguns casos, assassinadas”, completa Villalta.
No movimento de 1720, os verdadeiros conspiradores que influenciavam Felipe dos Santos eram ricos mineradores e empresários da região que se opunham às casas de fundição, criadas apenas para a cobraça do imposto sobre a extração de ouro, o “quinto” — correspondente a 20% da produção.
Entre eles, Pascoal de Guimarães, proprietário de grandes fazendas, centenas de escravos e várias lavras de ouro no Morro do Ouro Podre (atual Morro da Queimada), onde havia um arraial e começava a marcha dos revoltosos em direção a Vila Rica.
No paço municipal, o grupo redige um documento para ser enviado ao governador nomeado pela Coroa, o conde de Assumar, que residia na vizinha Vila de Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana), então capital da região das minas.
No caminho, a galope, o mensageiro dos rebeldes, José Peixoto da Silva, gritava a todo momento: “As Gerais estão levantadas!”. Habilidoso, o governador percebeu a gravidade da situação e procurou ganhar tempo para organizar uma reação. Afirmou aos revoltosos que atenderia todas as reivindicações, acalmou os ânimos e pediu reforços ao Rio de Janeiro e aos ricos da região fiéis à Coroa.
Em meados de julho, o conde de Assumar invadiu Vila Rica com uma tropa de mais de 1500 homens bem armados e sufocou a rebelião, matando e esquartejando os principais líderes, entre eles Felipe dos Santos, e retomando o controle de toda a capitania, em especial nas vilas, estradas e arraiais próximos às zonas mineradoras.
Novas capitanias
Em uma tentativa de aumentar o controle administrativo na região das minas após a Revolta de Felipe dos Santos (ou Revolta de Vila Rica), Portugal resolveu separar a capitania das Minas de São Paulo. Dessa maneira, pelo alvará de 2 de dezembro de 1720, o rei D. João V criou a capitania de Minas Gerais, autônoma e desmembrada de São Paulo. Nascia ali a capitania e o futuro estado de Minas Gerais.
Além de evitar novos conflitos por conta da cobrança de impostos e acalmar os ânimos entre mineiros e paulistas, cuja rivalidade vinha desde a Guerra dos Emboabas (1707-1709), o progresso da região aurífera justificava a criação de uma nova capitania. Nesse ano, a população das minas alcançava cerca de 250 mil habitantes, dos quais 100 mil eram brancos, 50 mil eram escravos e outros 100 mil, pardos e mestiços.
A produção de ouro desde o começo do século 18 crescia de maneira vertiginosa, o que provocou o surgimento de vilas importantes em todo o território das minas, como: Vila Real de Nossa Senhora da Conceição (Sabará) e Vila Rica de Albuquerque (Ouro Preto), ambas em 1711; Vila de São João del-Rei, em 1713; Vila do Príncipe (Serro), em 1714; e Vila São José del-Rei (Tiradentes), em 1718.
O ouro no Brasil
A região ganhou tanta importância durante o Ciclo do Ouro que, em 1763, a capital do Brasil foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro. O objetivo foi levar o poder central da colônia para uma região mais próxima dos caminhos que escoavam o ouro e os diamantes de Minas para os portos do Rio de Janeiro e Paraty, de onde as riquezas seguiam para Portugal. A transferência da capital permitiria um melhor controle da metrópole na cobrança dos impostos sobre a produção do ouro nas minas.
Não à toa, no ano em que o estado completa três séculos, especialistas explicam que a formação de Minas Gerais está ligada diretamente ao desenvolvimento do próprio Brasil. Um dos marcos importantes para a exploração do estado, por exemplo, foi a bandeira de Fernão Dias Pais e seu genro, Borba Gato, que partiu de São Paulo em 1674 em busca de ouro e esmeraldas na região além dos costões da Serra da Mantiqueira, sertão adentro.
“A criação do estado de Minas Gerais foi um ponto de virada na História do Brasil. Com a descoberta do ouro, a economia colonial ganhou uma importância muito maior”, acredita o urbanista Nestor Goulart Reis, professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e também autor de mais de 30 livros sobre a história do urbanismo no Brasil, entre eles, a obra 'As Minas de Ouro e a Formação das Capitanias do Sul' (ed. Via das Artes).
Em meio às mudanças ocorridas no período colonial com o advento de Minas e da mineração, segundo o especialista, estão a decadência da economia da cana-de-açúcar no litoral nordestino, em especial Pernambuco, e a aceleração do processo de colonização do interior do país. Além da exploração das jazidas na região mineradora, outras regiões do estado, como o sul de Minas, começaram a desenvolver atividades ligadas à agropecuária para abastecer a região das minas e o Rio de Janeiro.
A descoberta dos diamantes nos arredores do arraial do Tejuco (atual Diamantina) provocou uma corrida à região da comarca do Serro, na área que abrange o Vale do Jequitinhonha, refletindo diretamente na urbanização de Minas Gerais e do Brasil.
“No começo do século 18, as capitanias ao sul da colônia possuíam quase a mesma quantidade de vilas, povoados e cidades das capitanias do norte, que englobavam Bahia e Pernambuco, e eram as principais da época”, descreve Goulart Reis. O professor lembra também que a mineração no Brasil não começou em Minas Gerais, como acreditam muitas pessoas, e sim em São Paulo — mais precisamente nas minas do Jaraguá, nos arredores da capital paulista, onde já se explorava ouro no começo do século 17 e tinha os jesuítas como grandes e prósperos mineradores.
Nestor Goulart Reis destaca também outros dados curiosos sobre a mineração em Minas. Um deles é que a primeira pessoa a descobrir ouro na região da atual Ouro Preto foi um jovem de Curitiba, capital do Paraná — que também nasceu de povoados ligados à mineração no Sul do país.
O homem, cujo nome se perdeu no tempo, acompanhava os bandeirantes paulistas que desbravavam o território mineiro em expedições pela região das minas entre o fim do século 17 e o começo do século 18. Segundo o professor, ele descobriu ouro por acaso ao “bater a gamela” (minerar) em um córrego da região após o almoço.
Outras frentes
Após uma baixa na exploração e produção do ouro, outras regiões do território mineiro começaram a se desenvolver graças às plantações e às criações de gado. A busca por novas terras para o cultivo e a pecuária impulsionaram os habitantes a anexar regiões importantes ao estado, como o Triângulo Mineiro, que pertencia a Goiás. Ao norte, os mineiros anexaram terras que eram de Pernambuco e, a leste, terras do Espírito Santo.
A região do Rio Doce, porém, permaneceu por muito tempo pouco explorada, ganhando impulso só com a chegada da Estrada de Ferro Vitória-Minas, já no século 20, e com a exploração do ferro, que constitui até hoje um dos principais pilares da economia mineira. “A criação da indústria siderúrgica nos anos 1930 deu grande impulso à região do Rio Doce”, diz o historiador e professor Silas Luiz de Souza, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Assim como ocorreu em outras regiões e países nos séculos 19 e 20, a expansão das ferrovias pelo Brasil contribuiu para incorporar o território mineiro.
Mas, se a ferrovia ajudou a integrar as diversas regiões do estado — que possui grandes extensões territoriais — também quase provocou divisões. No final do século 19, políticos e fazendeiros de Taubaté, em São Paulo, se articularam com fazendeiros do sul de Minas para a construção de uma ferrovia que ligaria Ubatuba a Taubaté e à região sul do estado mineiro, onde a economia oriunda da produção de café e de leite prosperava.
A nova ferrovia criaria condições para a formação até de um novo estado — que se chamaria Estado do Sapucaí — abrangendo parte do sul de Minas, Vale do Paraíba e litoral norte paulista. “Ao mesmo tempo em que se planejava a ferrovia, o Congresso Nacional, no começo da República, rearticulava a formação dos estados brasileiros”, explica o professor e urbanista Goulart Reis.
A proposta gerou forte reação negativa dos paulistas, em especial dos cafeicultores e dos comerciantes do produto em Campinas, que perderiam o monopólio do comércio e o escoamento do café sul-mineiro. E, assim, o projeto da criação de Sapucaí foi arquivado. A definição das divisas entre Minas Gerais e São Paulo provocou um verdadeiro “estica e puxa” de terras nos dois estados por muito tempo.
Pedaços de Minas pertenceram ao estado de São Paulo e vice-versa desde o início da colonização do país. Cidades paulistas, como Franca, Batatais e Igarapava, por exemplo, que receberam levas de mineiros durante e após o fim do ciclo do ouro para expansão das atividades agropecuárias e para o abastecimento de São Paulo, Minas e o Rio de Janeiro, quase se tornaram mineiras justamente pela influência do estado nas fundações e no crescimento dos povoados. “Nesse contexto, era natural que MG acabasse por requerer essa região (norte paulista) como seu território.”
Por outro lado, cidades mineiras da região sul do estado, como Ouro Fino, Guaxupé, Alfenas, Campanha e Cambuí, poderiam ter se tornado paulistas, já que ficam próximas às divisas e na região logo abaixo da comarca do Rio das Mortes, que, durante muito tempo, pertenceu a São Paulo.
Diversas disputas entre MG e SP ocorreram nos séculos 19 e 20. Em 1920 houve a Conferência de Limites Interestaduais, que tratou desse e de outros casos e, por fim, em 1936, a partir dos trabalhos da Comissão Mista de Limites de São Paulo e Minas Gerais, finalmente as divisas foram aceitas pelos dois estados como são hoje.
Para o professor Goulart Reis, da USP, a descoberta e a exploração do ouro em Minas e a consolidação da província no meio das montanhas, com a fundação de vilas e de cidades em todo o território mineiro, contribuiu para manter a unidade de Estado e do país nas mãos dos portugueses e, posteriormente, dos brasileiros após a Independência em 1822. “Não fosse por isso, o território do Brasil seria dividido em várias nações, como ocorreu na América Espanhola”, acredita.
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