Quem é Carlos Alberto, o primeiro ex-agente da ditadura militar condenado em ação penal
Aventuras Na História
Nesta terça-feira, 22, o Brasil presenciou uma decisão histórica e inédita. O juiz Sílvio César Arouck Gemaque, da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo, sentenciou o delegado aposentado Carlos Alberto Augusto, popularmente conhecido como ‘Carlinhos Metralha’, a 2 anos e 11 meses de prisão em primeira instância.
É a primeira vez que um ex-agente da ditadura militar é condenado por crimes políticos cometidos durante o regime em uma ação penal. Para o procurador Andrey Mendonça, autor da denúncia que condenou o repressor da ditadura, a sentença é “um marco histórico no Brasil”.
Conforme repercutido pelo jornal O Globo, Mendonça relembrou que o país “é considerado um pária por ser o único país a não ter condenado agentes da ditadura por crime contra a humanidade”.
“É uma decisão que envolve não só o passado, mas o presente e o futuro por reforçar garantias de que esses crimes não mais ocorrerão”, afirmou.
Outras denúncias de crimes cometidos durante a ditadura militar já foram apresentadas à Justiça, mas nenhuma delas conseguiu condenação. Mais de 50 acusações foram feitas ao longo das últimas décadas, porém grande parte acabou sendo rejeitada ou está paralisada. O principal argumento contra as ações é a Lei da Anistia.
No mesmo processo de Augusto, também foram denunciados o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e ex-delegado Alcides Singillo. No entanto, os dois morreram em 2015 e 2019, respectivamente, e não chegaram a ser condenados pelo crime cometido durante a ditadura militar.
Sequestro e torturas
Manifestante segura faixa enaltecendo "Carlinhos Metralha", em 2015 / Crédito: Divulgação/Facebook/Jornalistas Livres
O ex-delegado Carlos Alberto Augusto foi condenado pelo sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, desaparecido desde 1973. Duarte trabalhava como corretor da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) quando foi preso em 13 de junho de 1971.
A detenção não apresentava nenhuma ordem judicial que a apoiasse. O ex-fuzileiro naval foi expulso da Marinha em 1964, com o golpe militar. No entanto, como relatou a Folha de S. Paulo, não tinha mais nenhum envolvimento com a militância política, abandonando sua filiação com grupos de oposição quando voltou do exílio em 1968.
Nos dois anos seguintes, Duarte permaneceu preso clandestinamente, visto que ficou detido sem comunicação judicial. Ao longo do período de cárcere, foi transferido para as unidades do DOI-Codi, chefiado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e do Deops-SP, inúmeras vezes.
Carlos Alberto participou da ação de maneira direta. Ele foi o responsável por transformar José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, em um agente infiltrado da ditadura militar. Dois dias antes da prisão de Duarte, o cabo prestou depoimento e citou o nome do ex-fuzileiro naval.
Na sentença, o juiz responsável pelo caso afirmou: “Há provas mais do que suficientes no sentido de que o acusado Carlos Augusto participou da prisão da vítima e atuava em pelo menos um dos locais onde se encontrava detida ilegalmente”.
O condenado
Cartaz levado por Carlos Alberto em manifestação de 2015 / Crédito: Divulgação/Youtube/levante-se
Segundo o acervo Memórias da Ditadura, o apelido ‘Carlinhos Metralha’ surgiu porque Carlos Augusto costumava caminhar nos corredores da sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops) carregando uma metralhadora. Ele também era chamado de 'Carteira Preta'.
Entre 1970 e 1977, foi investigador no Dops, sob ordens de Sérgio Paranhos Fleury, o Delegado Fleury conhecido por ter comandado a operação que capturou e matou o líder guerrilheiro Carlos Marighella, em 1969, além de ter ordenado a execução de inúmeros militantes em São Paulo.
Delegado aposentado em 2014, Augusto foi indiciado pelo sequestro de Edgar de Aquino Duarte com uma longa denúncia apresentada em 2012, pouco após a abertura da Comissão Nacional da Verdade.
Na época, ele fez campanha contra a comissão, participando de protestos contra a então presidente Dilma Rousseff, que nomeou os membros do colegiado de investigação dos crimes da ditadura.
O ex-agente da ditadura também participou da operação que levou ao Massacre da Chácara São Bento, como explica o site oficial Memórias da Ditadura. Em janeiro de 1973, seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foram assassinados em Pernambuco, emboscados pelo Cabo Anselmo.
“Não nego não [participação no Massacre da Chácara São Bento]! Eles queriam me matar lá. Eles queriam me levar para me executar. Não nego, não! Eles queriam matar o cabo Anselmo e eu. Os [militantes] que morreram lá interrogavam, julgavam, executavam e enterravam. Tanto que muitos desaparecidos foram eles que enterraram", disse Carlos, conforme registrado pelo site Memórias da Ditadura.
Antes de se aposentar, em 2013, Carlos Alberto foi nomeado delegado de 2ª classe de Itatiba, no interior de São Paulo. Para protestar contra a decisão, a Frente de Esculacho Popular (FEP) realizou um “esculacho” contra o delegado, distribuindo panfletos e realizando performances para denunciar os crimes cometidos por ele durante a ditadura.
Quanto à condenação no crime de sequestro do ex-fuzileiro naval durante a ditadura militar, ainda cabe recurso à defesa do ex-delegado, que poderá recorrer em liberdade.