Sun Yi, o prisioneiro de um campo de trabalho forçado na China que denunciou sua condição
Aventuras Na História
Em 2012, a americana Julie Keith abriu uma caixa com decoração para Halloween. Em meio a lápides de isopor e esqueletos falsos, ela encontrou uma carta escrita à mão, em inglês, por um prisioneiro de um campo de trabalhos forçados na China, denunciando as más condições no local e pedindo socorro. Julie resolveu compartilhá-la na internet.
Pouco depois, a história da carta corria o mundo. Julie só viria a conhecer seu autor anos mais tarde, graças a um cineasta canadense de origem chinesa, Leon Lee, que resolveu fazer um documentário sobre o caso. Com a ajuda de dissidentes e jornalistas chineses, ele chegou a Sun Yi, com quem fizera contato via Skype.
Lee contou ao programa Outlook, da BBC, que Sun Yi era um engenheiro “com bom emprego e uma família” até começar a ter problemas com as autoridades por imprimir e distribuir panfletos da Falun Gong, um movimento que prega exercícios de meditação e que, desde 1999, é proibido na China por ser visto como “culto diabólico”.
Em 2008, pouco antes dos Jogos Olímpicos de Pequim, Sun Yi foi preso e condenado a dois anos e meio para “reeducação” no campo de trabalho forçado Masanjia, localizado na província chinesa de Liaoning. Yi descreveu sua experiência ali como um “inferno na terra”, onde ele e outros membros da Falun Gong eram torturados e humilhados.
Um dia, ele foi colocado para trabalhar em um depósito onde prisioneiros faziam lápides de isopor e outros produtos “para um festival popular em culturas ocidentais”. Aproveitou a oportunidade da nova função para escrever e esconder 20 cartas em caixas de Halloween. Sun Yi já tinha cumprido sua pena quando soube que uma das cartas havia sido encontrada por uma mulher nos EUA.
Quando veio o telefonema de Leon Lee, o ex-prisioneiro se dispôs a ajudar como pudesse. “Ele fez dois tipos de trabalho”, conta Lee. “Um, foi fazer contatos com outras pessoas que passaram pelo campo. E outro, foi gravar depoimentos sobre seu dia a dia e a difícil realidade de um ativista de direitos humanos na China.”
Foram meses de trocas de mensagens encriptadas, envios de HDs externos para fora da China por terceiros e muita tensão. Após ser detido e solto novamente, Sun Yi fugiu para a Indonésia, onde pediu asilo e onde se encontrou com Julie Keith em março de 2017.
“Foi uma experiência incrível. Devolvi a ele a carta e uma das lápides de Halloween. Foi como se nos conhecêssemos a vida toda”, contou Julie ao Outlook. Poucos meses depois, veio a notícia da súbita partida de Sun Yi.
“A causa oficial da morte foi falência aguda dos rins”, disse Leon. “Ele nunca havia tido problema nos rins”, ressaltou. O documentário de Leon Lee, 'Letter from Masanjia' (ou 'Carta de Masanjia', em português), foi lançado em 2018 — cinco anos depois do fechamento dos campos de trabalho na China.
Para Leon Lee, a carta de Sun Yi esteve no início do fim: “Foi a primeira peça de dominó a cair. Teve toda a repercussão internacional. Já havia, dentro do regime, pessoas a favor do desmantelamento desse sistema. Todos esses fatores se juntaram e os campos finalmente foram abolidos”.
Thomas Pappon é jornalista da BBC News Brasil; Este texto foi adaptado do podcast 'Que história!', disponível no site bbc.com/brasil