William Nava, o paleontólogo que descobriu o primeiro fóssil de um dinossauro em Marília
Aventuras Na História
O Brasil foi presenteado em junho de 1993 com a estreia de Jurassic Park — Parque dos Dinossauros, filme de aventura que nasceu clássico. Na época, o mundo já observava o amadurecimento do cinema em relação a efeitos visuais, mas também percebia que a façanha de Steven Spielberg teria impactos extraordinários no futuro.
Quando o primeiro longa-metragem do que viria se tornar uma enorme franquia foi lançado, a curiosidade que estava, muitas vezes, guardada dentro de crianças e interessados no assunto não conseguiu se manter contida. Com Jurassic Park, a temática dos dinossauros se popularizou e trouxe grande apoio à comunidade científica na área da paleontologia.
“Por uma grande e feliz coincidência”, paralelamente ao lançamento do filme, ocorreu a divulgação de uma descoberta paleontológica sobre nada mais nada menos que dinossauros — mas dessa vez em território brasileiro. William Nava havia descoberto em Marília, no interior de São Paulo, o primeiro fóssil de dinossauro da cidade.
Marília na rota da paleontologia
“Em abril de 1993 eu estava a 16 km ao norte de Marília, em uma estrada de terra que liga dois distritos da cidade, Padre Nóbrega e Rosália. Andando mais ou menos uns 9 km nesse caminho de terra, eu me deparei com um material preso na rocha que me chamou atenção”, conta William Nava à Aventuras na História.
Ele percebeu que um trator havia passado por cima da estrada, o que fez com que o material — que ainda não tinha sido identificado — fosse terraplanado. Curioso com o que tinha descoberto, Nava coletou alguns fragmentos, fotografou o que estava vendo e começou a pensar com quem entraria em contato para entender mais sobre aquele pedaço exposto.
O material, encontrado por William em abril de 1993, tinha quase um metro de comprimento. Com a ajuda do professor Antonio Celso de Arruda Campos e do auxiliar de escavações Cledinei Francisco, do Museu de Paleontologia de Monte Alto, na região de Ribeirão Preto, foi possível escavar o que se tornaria a primeira evidência de dinossauros em Marília.
Anos mais tarde, após intensivas pesquisas no fóssil, os cientistas chegaram à conclusão de que tratava-se de um fragmento de escápula de um Titanossauro, um dinossauro do grupo dos saurópodes que viveu durante o Cretáceo Superior, há cerca de 70 milhões de anos. Herbívoros, os animais eram de porte médio e habitavam a América do Sul, Índia e Austrália, mas seus fósseis hoje são registrados em quase todos os continentes.
A descoberta de Nava fez com que Marília entrasse de vez na rota da paleontologia no Brasil, mas também abriu oportunidades inimagináveis para o homem que ainda viria a se tornar paleontólogo. Pouco tempo antes de fazer o trajeto que mudaria sua vida, William ainda trabalhava como bancário.
“Eu trabalhava dentro da tesouraria do banco mexendo com dinheiro, era em quatro paredes, mas eu sonhava em encontrar um osso de dinossauro em Marília”, conta o especialista. “A descoberta [do primeiro fóssil de dinossauro em Marília] teve grande repercussão e para mim abriu outra oportunidade na vida: a de ser paleontólogo”.
Curiosidade pródiga
Dá para acreditar que a primeira descoberta paleontológica de William aconteceu ao acaso, — a verdade, porém, é bem mais farta que isso. A curiosidade do futuro paleontólogo com os enormes e intrigantes animais pré-históricos surgiu desde a adolescência, que foi aguçada com a topografia peculiar da cidade de Marília.
O horizonte mostrava vales, com um relevo de planaltos e planícies típico do centro-oeste paulista, mas Nava observava muito mais. O pesquisador relembra: “Eu ficava imaginando: ‘o que será que tem dentro do vale?'”.
“Ao longo da década de 1970, meu pai assinava os jornais Folha de S. Paulo, Estadão e quando saia descoberta de fóssil de dinossauro pelo Brasil e pelo mundo eu tinha o hábito de recortar e guardar, tanto que eu tenho essas informações dos jornais e revistas daquela época até hoje”, recorda.
Já com gosto por paleontologia, arqueologia, geografia, história e afins, o jovem começou a acumular conhecimento nas áreas, pendendo mais tarde para a paleontologia. Ele conta que achava “fascinante” ler que algum paleontólogo havia encontrado fósseis de dinossauros em regiões como América do Norte, Europa e Argentina. William só não tinha como imaginar que, anos mais tarde, seria ele o responsável por inúmeras dessas descobertas.
Ainda que o interesse pela paleontologia tenha surgido cedo, a área não se transformou em sua profissão tão rapidamente. Por muitos anos, Nava trabalhou como bancário, função que exerceu até 1991.
“Mas nunca abandonei essa paixão por paleontologia”, diz, “então eu acompanhava as matérias, eu lia tudo que saía de descoberta de fóssil, acumulando certo conhecimento apenas para a minha curiosidade”.
As coisas começaram a mudar quando, na década de 1980, o então funcionário do Banco Itaú decidiu andar de moto pelos arredores da cidade com o intuito de entender mais sobre rochas e sedimentos.
Sabendo que fósseis já tinham sido descobertos em municípios próximos como Presidente Prudente e São José do Rio Preto, começou a busca pelos restos fossilizados de dinossauros que pudessem estar no subsolo de Marília.
Parque paulista dos dinossauros
Com a descoberta do primeiro osso de dinossauro de Marília, as portas se escancararam para Nava. “Eu sou formado em História e Jornalismo, então eu sou um autodidata em Paleontologia, mas tive essa grande honra de descobrir esse primeiro fóssil em Marília e tive a oportunidade de poder dar sequência às escavações, a outras buscas de fósseis pela região. E olha, parece que esses fósseis estavam me esperando, porque eu fui encontrando outros e outros fósseis”, ressalta.
Inserido na área, o pesquisador começou a desenvolver sua própria maneira de fazer escavações e a aprimorar “o olhar nas rochas”. Ao catalogar inúmeros fósseis, com uma “mão santa” para encontrá-los, William foi responsável por uma sequência enorme de descobertas paleontológicas.
Em uma colina no sul de Presidente Prudente, em 2004, o paleontólogo percebeu a existência de pequenos ossos grudados às rochas. Era simplesmente o primeiro registro de osso de aves do período Cretáceo no Brasil, ou seja, aves da época dos dinossauros. O material ainda está sendo estudado e uma pesquisa sobre os fósseis deve ser publicada até o ano que vem.
“O estudo dessas aves fósseis vai ser muito importante para nós entendermos como era o ambiente da Bacia Bauru no período Cretáceo Superior, há mais ou menos 70 e 80 milhões de anos”, afirma o especialista.
Outra descoberta notável aconteceu em 2009, quando Nava se deparou com vestígios de ossos na região norte de Marília. Com as escavações realizadas entre 2011 e 2012, que contaram com uma parceria com a Universidade de Brasília e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, os pesquisadores conseguiram retirar cerca de 60 a 70% do esqueleto desse dinossauro, articulado.
Como explica o paleontólogo, “no Brasil, encontrar dinossauros articulados ou semi-articulados é muito difícil”. O Dino Titã de Marília, o apelido provisório pelo qual o animal é conhecido, apresenta o mais completo esqueleto de dinossauro já descoberto no país até o momento, contando com vértebras, coluna vertebral articulada, ossos das patas, um pedaço de crânio, entre outros fragmentos, se tornando uma das grandes descobertas da paleontologia brasileira.
A novidade de William Nava
Com uma carreira de 28 anos, Nava contribui imensamente para a paleontologia nacional — e quiçá mundial — desde sua primeira descoberta. Ele coletou fósseis, instigou a curiosidade de muitos e, inclusive, colaborou para a criação do Museu de Paleontologia de Marília em 2004, que é o segundo museu de paleontologia do interior paulista, o primeiro sendo o de Monte Alto.
“Eu trabalho em 12 sítios paleontológicos entre Marília e Presidente Prudente, onde eu escavo. Meu trabalho mesmo é trabalho de campo, quebrando as rochas, trago, preparo os materiais e, como sou jornalista, também divulgo para a mídia. É um trabalho apaixonante”, afirma o paleontólogo.
Além de ter colaborado para a criação do museu, William também firmou parcerias importantes para o prosseguimento das pesquisas realizadas com os fósseis descobertos em Marília. Uma dessas parcerias técnico-científicas é a com a Universidade de Brasília, através do geólogo e paleontólogo Rodrigo Miloni Santucci.
Outras associações foram até mesmo internacionais. O estudo em andamento sobre os pequenos fósseis de aves do período dos dinossauros descobertos em Presidente Prudente conta com pesquisadores como o professor Herculano Alvarenga, do Museu de Taubaté, Luis Chiappe, do Natural History Museum de Los Angeles, e Agustin Martinelli, do MACN - Museo Argentino de Ciências Naturales de B. Aires, Argentina.
A mais recente descoberta paleontológica do especialista também surpreendeu a comunidade científica. Em Presidente Prudente, no sítio paleontológico William's Quarry, William e sua assistente de campo, a geóloga Giovanna Paixão, descobriram uma ninhada de mais ou menos 20 ovos fossilizados de um crocodilo que viveu há 70 milhões ou 80 milhões de anos.
Os impressionantes ovos foram divulgados pela imprensa no dia 12 do último mês, que nós da AH inclusive noticiamos, e passarão por estudos aprofundados para que a espécie de crocodilo responsável pela ninhada seja identificada.
Com um trabalho constante de escavações e descobertas notáveis, o paleontólogo nem tanto ao acaso mostra-se como um dos mais importantes pesquisadores do país. Mesmo assim, ele ressalta que ainda está aprendendo: “Até hoje, mesmo depois de 28 anos nessa área, eu continuo treinando o olhar nas rochas, porque a gente está sempre aprendendo, essa é a grande verdade”.