30 anos do Massacre do Carandiru: Os fatores que contribuíram para o brutal episódio
Aventuras Na História
O dia 2 de outubro de 1992, exatos 30 anos, ficará marcado para sempre com um dos episódios mais brutais do sistema carcerário brasileiro e das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, mais conhecida pela nomenclatura Rota.
Por volta das 10 horas da manhã, dois detentos do Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo começaram uma briga. Horas depois, 111 prisioneiros acabaram mortos em virtude da violência policial.
O massacre do Carandiru foi muito mais que um marco sangrento às vésperas das eleições para prefeito de São Paulo. O episódio se tornou filme, tema de música e, principalmente, centro de uma discussão debatida até hoje: afinal, o sistema prisional do país é eficiente?
“Depois de 30 anos do massacre, algumas diferenças existiram dentro dos presídios brasileiros. Mas ainda tem muito a melhorar para falarmos que exista um mínimo de dignidade para que a gente possa ter o Estado como responsável por aplicar a lei”, explica Douglas Galiazzo, professor de Direitos Humanos da Estácio, em entrevista exclusiva à equipe do site do Aventuras na História.
Na visão do docente, “o Estado continua violando os direitos das pessoas que estão dentro do sistema, ainda de uma forma muito intensa, bem diferente do que era há 30 anos. Mas, em muitos lugares, a gente ainda tem algo bem próximo ao que tínhamos na década de 80, por exemplo”.
Fatores fundamentais
Embora tenha sido construída como uma prisão modelo em 1920, a Casa de Detenção de São Paulo sofreu diversas mudanças ao longo das décadas. Se, em um primeiro momento, o Carandiru foi projetado para receber cerca de 2 mil presos, na década de 1990 o local comportava mais de 8 mil.
A gente tinha, na época, a superlotação, que não deixa de existir hoje pelo Brasil inteiro”, aponta o docente.
Com isso, condições desumanas já eram vividas dentro do presídio há tempos. O Carandiru havia se tornado um verdadeiro antro de mortes, rebeliões, estupros, agressões, entre outras coisas.
Na visão de Douglas, as políticas públicas têm que ser discutidas além do sistema prisional ou da construção de centros de detenção. “Políticas públicas que começam desde a infância, dando oportunidade, levando lazer, educação com qualidade, esporte, saúde, saneamento básico. É uma construção”.
“Quando se fala sobre a criminalidade, eu tenho que olhar para as questões sociais, e aí sim as políticas públicas, as inclusivas que vão valorizar, que vão falar sobre a mulher, que vão dar perspectiva aos nossos jovens, então, essa política pública, para evitar a criminalidade, eu tenho que investir lá embaixo, tenho que ter uma geração, ou criar outra geração, que realmente consiga visualizar uma luz no fim do túnel”, diz.
Outro fator fundamental que culminou com o massacre foi a ação truculenta da ROTA, que já carregava em seu histórico bárbaros episódios de abuso de autoridade.
Para Galiazzo, o Estado, ou melhor, a falta dele, também é um ponto a ser considerado: “O principal erro que culminou com o massacre, a operação que aconteceu, desastrosa, foi a falta da presença do Estado, entender que ali é de responsabilidade do Estado, não pode ser negligenciado os cuidados com pessoas”.
“Então, tratar o ser humano como ser humano, mesmo que o ser humano esteja lá por conta de um erro, é responsabilidade do Estado. Faltou o comando, faltou o cuidado, faltou aplicar as regras de execução criminal dentro do sistema, e aí acabou acontecendo tudo aquilo”, continua.
Sentimento de impunidade?
A demolição do Carandiru, em 2002, pode ter colocado fim em uma parte da brutal história ocorrida naquele 2 de outubro. Mas o lado mais obscuro do massacre luta por Justiça até hoje.
Afinal, os policiais envolvidos no massacre passaram por diversos julgamentos, com o primeiro deles iniciado um ano antes do fim do Carandiru. Na ocasião, as acusações foram centradas no coronel Ubiratan Guimarães, que comandou a tropa naquele fatídico dia.
Guimarães acabou sendo considerado culpado pela Justiça brasileira — o único deles, aliás — por 102 das 111 mortes. Por conta disso, acabou sendo sentenciado a 632 anos de prisão.
Em 2002, porém, enquanto a Casa de Detenção de São Paulo era resumida a pó, Ubiratan parece ter ‘sacudido a poeira’ e iniciou uma bem-sucedida carreira política como deputado, o que lhe fez gozar do direito de receber foro parlamentar.
Guimarães chegou a ser absolvido em 2006 após o Tribunal de São Paulo considerar que seus atos haviam ocorrido dentro do "estrito cumprimento do dever legal". Pouco depois, no entanto, acabou sendo assassinado.
Após todo esse período, entre várias disputas, nenhum policial envolvido no massacre sofreu consequências legais de fato — apesar de um processo iniciado em 2021 ter a intenção de mudar isso. Mas, afinal, a falta de condenações gera um sentimento de impunidade?
Galiazzo, que acompanhou a Comissão de Direitos Humanos, onde foi assessor da comissão por 7 dias, entende que aplicação da lei, em casos assim, é essencial para “demonstrar que nós estamos em um Estado democrático de direito”.
O Estado precisa ser julgado por isso, todo mundo, ninguém está fora da aplicação da lei, e isso gera sensação de impunidade, do tipo ‘pode fazer’, já que nada vai acontecer e isso é uma forma do Estado preservar as regras”, aponta.
“Ninguém tem a benção do Estado, em nome da população, para fazer e acontecer fora das regras, das leis, então, acho que ter um julgamento e uma resposta é a gente poder fechar uma parte da história, uma parte triste da história. Aconteceu, errou, foi julgado e foi punido, ok, passa a sensação de que nada fica impune”, conclui.