Antissemitismo na União Soviética

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Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, os horrores praticados pelos nazistas, especialmente contra os judeus, vieram à tona. A barbárie do Holocausto e a presença de milhares de judeus em campos de refugiados na Europa deram um senso de urgência à criação de um Estado-refúgio para os judeus ao redor do mundo.
Entre as comunidades judaicas, o trauma do extermínio nazista tornou a proposta sionista ainda mais popular. Agora, os judeus buscavam a garantia de que, em pelo menos um país construído por e para eles, as leis que asseguravam sua cidadania não seriam revogadas.
Em 1947, com uma articulação estratégica da chancelaria soviética, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Resolução 181, que recomendava a partilha da região da Palestina em dois Estados: um judeu e um árabe.

Entre 1947 e 1949, a União Soviética forneceu apoio político, militar e demográfico ao movimento sionista, especialmente durante a Guerra de 1948, conhecida como Guerra de Independência ou Primeira Guerra Árabe-Israelense.
Segundo o historiador Laurent Rucker (2005), esse apoio foi motivado principalmente por interesses geopolíticos, com o objetivo de enfraquecer a posição do Império Britânico e expandir a influência soviética na região. A chamada aliança-israelo soviética não duraria muito tempo, indo apenas até 1949, quando o Estado judeu passou a adotar uma postura de proximidade com o Ocidente.
A partir de então, o Estado soviético adotaria uma dura postura contra o sionismo e o Estado de Israel, especialmente através do acionamento do antissemitismo enraizado na sociedade russa.
A sociedade russa e o antissemitismo
O antissemitismo na Rússia remonta ao período medieval e se consolidou no Império Russo. No século 18, a Imperatriz Catarina impôs restrições de residência aos judeus, confinando-os a certas regiões e proibindo sua presença em Moscou e São Petersburgo.
Foi na Rússia que surgiu o termo pogrom, referente à violência coletiva contra judeus. Esses ataques se intensificaram após o assassinato do czar Alexandre II em 1881, quando rumores — muitas vezes incentivados pelo governo — os culpavam pelo crime.
Entre 1881 e 1884, centenas de comunidades judaicas foram atacadas na Ucrânia, Bielorrússia e outras áreas do império. Também foi na Rússia que se publicou, em 1903, Os Protocolos dos Sábios de Sião, um texto fabricado para retratar os judeus como conspiradores contra o Estado.
Com a Revolução Russa de 1917, os bolcheviques aboliram as restrições legais e concederam igualdade civil aos judeus. O antissemitismo passou a ser oficialmente criminalizado e associado à contrarrevolução. Muitos assumiram cargos no governo e houve esforços para conter os pogroms.

Estes fatos contribuíram para a associação do novo regime com os judeus, mais tarde aparecendo na acusação nazista de "conspiração judaico-bolchevique". Apesar de tudo isso, no entanto, o preconceito e o ódio contra judeus, que permanecia vivo, ressurgiu sob outras formas na política soviética.
Antissemitismo como arma política
O historiador Alan Jhonson aponta que na luta política interna do Partido Bolchevique, na década de 1920, Joseph Stalin usou repetidamente o judaísmo de seus opositores como uma arma de desqualificação.
Em 1926, Stalin usava abertamente o fato de os três líderes da oposição— Trotsky, Zinoviev e Kamenev — serem judeus, para os derrotar, e mais tarde certificou-se de que os seus nomes judeus originais eram usados nas reportagens da imprensa soviética sobre os seus julgamentos espetaculares. e execuções.
No texto 'O Termidor e o Antissemitismo', escrito em fevereiro de 1937, Leon Trotsky analisa o crescimento do antissemitismo na União Soviética sob o regime de Stalin. Ele denuncia que o governo stalinista passou a permitir e, em certos casos, estimular sentimentos antissemitas como um meio de desviar a frustração popular das contradições do regime.

Trotsky aponta que, embora muitos judeus tenham participado da revolução e da administração soviética, a burocracia stalinista começou a atacar judeus proeminentes sob o pretexto de combater "inimigos do povo".
Este ensaio de Trotsky é da maior importância por denunciar o papel do antissemitismo na política soviética e mostrar como o antissemitismo pode ser usado como ferramenta de manipulação política, mesmo em regimes que originalmente se apresentavam igualitários.
Antissemitismo e a luta contra a "conspiração sionista internacional"
A fundação do Estado de Israel como lar nacional do povo judeu representou uma revolução copernicana na história judaica, transformando profundamente a forma como o antissemitismo seria percebido e vivenciado.
As primeiras vítimas dessa mudança foram os judeus do Oriente Médio e do Norte da África. Após a criação de Israel, o sionismo passou a ser visto com hostilidade pelos regimes da região, levando à desconfiança, vigilância, restrições e perseguições das comunidades judaicas locais. Esse processo culminou na expulsão de cerca de 900 mil judeus de países árabes e muçulmanos.
Na União Soviética, onde o antissemitismo já estava presente, o sionismo foi rapidamente consolidado como uma ideologia inimiga. No contexto da Guerra Fria e da aproximação de Israel com o Ocidente, o regime soviético instrumentalizou o antissemitismo para fins internos e geopolíticos.
Um marco desse processo foi o julgamento de Slánský, em 1952. Inspirado na retórica dos Protocolos dos Sábios de Sião, o regime acusou Rudolf Slánský, secretário-geral do Partido Comunista da Tchecoslováquia, e outros 13 altos funcionários, a maioria judeus, de participarem de uma suposta "conspiração sionista internacional contra o socialismo".
Entre os 14 réus, 11 foram condenados à morte, incluindo Slánský. No Brasil, esse episódio foi denunciado por Mário Pedrosa, uma das principais lideranças trotskistas do país, em artigo publicado no O Estado de S. Paulo em 19 de dezembro de 1952, no qual alertava para a instrumentalização do antissemitismo no regime stalinista sob a justificativa de combate ao sionismo.
A alegação de um "complô sionista internacional" ressurgiu em 1953, no caso do "Complô dos Médicos", quando um grupo de médicos — em sua maioria judeus — foi acusado de conspirar para assassinar líderes soviéticos sob ordens de supostos agentes sionistas e trotskistas.
A historiadora Izabella Tabarovsky (2025) observa que os serviços secretos soviéticos fabricaram acusações que vinculavam o sionismo, Israel e líderes judeus ao imperialismo americano. Esse enquadramento transformou "sionismo" e "sionista" em rótulos pejorativos, amplamente utilizados para deslegitimar opositores políticos e justificar perseguições, especialmente contra judeus.
A nova fase do antissionismo antissemita: a Guerra dos Seis Dias
Durante a década de 1950, a União Soviética estreitou relações com os países árabes, especialmente com o Egito, onde a revolução de 1952, liderada pelo movimento dos Oficiais Livres, derrubou a monarquia e instaurou uma república sob a liderança de Gamal Abdel Nasser.
O novo regime egípcio, que possuía uma forte retórica antissionista, fortaleceu o nacionalismo pan-árabe e consolidou uma aliança estratégica entre os países árabes e o bloco comunista no contexto da Guerra Fria.
Essa parceria atingiria seu auge em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, quando Israel derrotou uma coalizão de Estados árabes e conquistou territórios anteriormente controlados por seus vizinhos: a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, sob domínio jordaniano; a Península do Sinai e a Faixa de Gaza, administradas pelo Egito; e as Colinas do Golã, pertencentes à Síria.
A guerra de 1967 marcou um ponto de inflexão na política soviética em relação ao sionismo. Tabarovsky (2025) observa que a derrota da coalizão árabe, apoiada por Moscou, exigiu do governo soviético uma resposta tanto para seu público interno quanto para a esquerda internacional, que buscava justificar o fracasso militar dos aliados árabes.
Além disso, a vitória israelense despertou um renovado sentimento nacional entre os judeus soviéticos, que passaram a enxergar Israel como um símbolo de identidade e resistência. Foi nesse contexto que a campanha antissionista se intensificou, com ataques ao chamado "sionismo internacional" e à sua suposta "quinta-coluna interna" — os judeus soviéticos.
A partir de 1967, a propaganda antissionista soviética se intensificou, resultando na produção de centenas de materiais de viés antissemita. Entre seus principais ideólogos estavam Yuri Ivanov e Trofim Kichko.
Ivanov, ligado à KGB e ao Comitê Central, baseava-se em antigos libelos antissemitas para retratar o sionismo como uma força global conspiratória, com recursos ilimitados e controle sobre a política e os meios de comunicação.
Kichko, por sua vez, acusava o próprio judaísmo de fomentar o expansionismo e a agressão israelense. A academia soviética desempenhou um papel central nessa campanha, criando a "Sionologia" ou "antissionismo científico", fortalecida após a Guerra dos Seis Dias.

Instituições como o Instituto de Estudos do Oriente da Academia de Ciências da URSS difundiram narrativas que equiparavam o sionismo ao racismo, retratavam Israel como um braço do imperialismo americano e negavam a identidade judaica como um povo.
Materiais propagandísticos foram traduzidos para diversos idiomas, especialmente o árabe, influenciando a cultura política das esquerdas e moldando discursos no então chamado "Terceiro Mundo".
Com a radicalização da retórica, aumentaram as prisões arbitrárias de judeus soviéticos acusados de "atividades sionistas", levando muitos a buscar emigração para Israel ou os Estados Unidos.
Nos anos 1970, a KGB criou um órgão específico para combater o sionismo, e, na década de 1980, foi estabelecido o Comitê Antissionista do Público Soviético (АКС), supervisionado pela KGB, com o objetivo de deslegitimar Israel e desencorajar a emigração judaica.
Izabella Tabarovsky (2025) destaca que o comitê produziu panfletos propagandísticos e organizou conferências de imprensa para públicos estrangeiros, promovendo uma visão negativa de Israel e do sionismo.
Um artigo publicado no "Pravda" em 1983, anunciando a criação do comitê, descrevia o sionismo como uma manifestação de "nacionalismo extremo, chauvinismo e intolerância racial, justificativa para a anexação de territórios, aventuras armadas, culto à arbitrariedade política, demagogia e sabotagem ideológica".
Em 1985, o comitê publicou "Aliança Criminosa do Sionismo com o Nazismo", alegando apresentar "provas irrefutáveis" de uma suposta cooperação entre sionistas e nazistas e acusando os sionistas de inflar deliberadamente a importância do antissemitismo e da vitimização judaica durante a Segunda Guerra Mundial.
Essa tese já havia sido defendida anos antes por Mahmoud Abbas em sua dissertação de doutorado na Universidade Patrice Lumumba, em Moscou, uma instituição criada para formar futuras elites do "Terceiro Mundo" sob a influência soviética.
Consequências na contemporaneidade
Compreender como a propaganda soviética fomentou um ódio incomum contra um tipo específico de nacionalismo, recorrendo a estereótipos antissemitas, é essencial para entender o processo de demonização do sionismo.
Esse movimento deixou de ser reconhecido como uma expressão nacional judaica e passou a ser sistematicamente associado ao racismo, fascismo, nazismo, genocídio, imperialismo, colonialismo, militarismo e apartheid.
Além disso, essa análise é crucial para compreender as dinâmicas entre antissemitismo e antissionismo, revelando como o antissemitismo foi instrumentalizado como arma política na propaganda soviética contra o sionismo e Israel.


