Arqueólogos descobrem 'grafite' oculto na sala da Última Ceia

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No coração de Jerusalém, dentro do local tradicionalmente associado à Última Ceia de Jesus, uma nova descoberta está revelando detalhes fascinantes sobre os peregrinos cristãos medievais que passaram por ali há séculos.
Utilizando tecnologias de imagem de ponta — como filtros ultravioleta, fotografia multiespectral e Imagem de Transformação de Reflectância — uma equipe da Academia Austríaca de Ciências (ÖAW) e da Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA) conseguiu revelar dezenas de inscrições escondidas nas paredes do Cenáculo.
Ao todo, os pesquisadores documentaram quase 30 inscrições e nove desenhos, muitos dos quais haviam permanecido ocultos por séculos, cobertos por camadas de poeira e restaurações posteriores.

Descoberta
A existência dessas marcas foi redescoberta apenas na década de 1990, durante obras de restauração, mas só agora seu conteúdo está sendo revelado em detalhes. Os achados foram publicados recentemente no Liber Annuus, anuário do Studium Biblicum Franciscanum.
Entre os registros mais notáveis está uma inscrição armênia com os dizeres “Natal de 1300”. A descoberta fortalece a teoria de que o rei armênio Het'um II teria visitado Jerusalém após a vitória de suas tropas na Batalha de Wādī al-Khaznadār, na Síria, no final de 1299. Gravada no alto da parede e com traços típicos da nobreza armênia, a inscrição é considerada uma evidência importante da peregrinação real.
Outra inscrição, em árabe, termina com a expressão “…ya al-Ḥalabīya”, sugerindo que tenha sido feita por uma mulher cristã de Aleppo. A forma gramatical feminina reforça essa interpretação, evidenciando a diversidade de gênero e origem entre os peregrinos.

O Cenáculo, localizado no Monte Sião, é um dos locais mais simbólicos da Terra Santa, reverenciado por cristãos, judeus e muçulmanos. Para os cristãos, é o local da Última Ceia. Judeus e muçulmanos o associam ao túmulo do Rei Davi.
A estrutura atual foi construída durante as Cruzadas e integrou um mosteiro franciscano até que os frades foram expulsos pelos otomanos em 1517.
Entre os nomes identificados nas paredes, destacam-se figuras como Johannes Poloner, de Regensburg, que visitou Jerusalém em 1421-1422 e registrou sua jornada em um livro; Tristram von Teuffenbach, nobre estírio que viajou com o arquiduque Frederico de Habsburgo em 1436; o cavaleiro suíço Adriano I von Bubenberg, famoso por sua defesa de Berna; Jacomo Querini, membro da aristocracia veneziana; e o conde franconiano Lamprecht von Seckendorff.
Surpreende o fato de que os visitantes tenham sido autorizados a deixar tais marcas em um local de tamanha importância espiritual. Segundo os autores do estudo, os franciscanos que cuidavam do Cenáculo podem ter tolerado — ou até incentivado — essas inscrições, algumas das quais são tão detalhadas que teriam exigido horas de trabalho. “A atitude dos franciscanos em relação a esse assunto era ambivalente”, observam os pesquisadores.
Mesmo após a expulsão dos frades, novos grupos continuaram a deixar registros no local. Uma das esculturas mais recentes data da conquista otomana e contém uma dedicatória ao xeque Aḥmad al-Aǧamī, acompanhada por um escorpião — símbolo que pode sugerir uma mudança de poder.
A pesquisa reforça a imagem de Jerusalém como um ponto de convergência espiritual e cultural. Longe de ser destino exclusivo de peregrinos ocidentais, o Cenáculo atraiu visitantes da Armênia, Síria, Áustria, Suíça, Alemanha, Sérvia e República Tcheca — uma verdadeira amostra da diversidade que sempre permeou a história da cidade.


