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Como a arqueologia ajuda a reescrever a história das mulheres no cristianismo
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Como a arqueologia ajuda a reescrever a história das mulheres no cristianismo

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Aventuras Na História
18/03/2025 18h00
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A história do cristianismo privilegia a presença dos homens nos seus primórdios. Isto é compreensível, visto que os textos dos primeiros séculos utilizados pelos historiadores são na sua quase totalidade escritos por homens que tratam quase que exclusivamente do universo masculino.

Além do cristianismo ser centralizado na figura de um homem, Jesus, este é referido junto a seus doze discípulos, homens. Os relatos sobre o início da igreja ressaltam a ação de homens como os apóstolos, seguidos pelos Pais da Igreja, registros que vão do final do século 1 ao século 8, período que ficou conhecido como Patrística.

Neste período movimentos femininos como o das mães (ammas) do deserto (séc. 4-5) ficaram ocultos sob o prestígio dado aos pais (abbas) do deserto, mesmo que historiadores da época, como Paládio, tenham registrado que o número de mulheres ascetas era muito superior ao dos homens.

Só muito recentemente é que se começou resgatar os ensinos teológicos destas mulheres que buscaram no deserto uma vida de maior proximidade com Deus. Seus ditos só foram preservados por estarem misturados aos ensinos dos homens na coleção apothegmata patrum.

Papel de liderança das mulheres no cristianismo

Apesar disso, um dos textos primitivos mais antigos foi escrito por uma mulher. Trata-se do diário de Perpétua, um relato de próprio punho de uma mártir cristã do século 3 acerca dos dias que antecedem seu martírio.

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Capa do livro 'Cristianismo no Feminino' - Divulgação

Mesmo reconhecido, o conteúdo deste texto continua sendo ignorado por muitos historiadores. Uma rápida leitura descortina ante a nossos olhos o universo feminino no cristianismo primitivo.

Perpétua registra sua atuação como profetiza e seu reconhecimento como tal. Apesar de alguns historiadores se referirem ao texto, estes centralizam suas referências ao martírio, e não percebem ou esquecem propositalmente o papel de liderança profética de Perpétua frente sua comunidade.

Embora muitos acreditem que a liderança na igreja primitiva foi exclusivamente masculina, cada vez mais a pesquisa historiográfica e arqueológica tem mostrado uma realidade bem diferente.

Nas regiões da diáspora judaica as mulheres tinham a possibilidade de desempenhar papéis de liderança mesmo nas sinagogas. Inscrições do século 1 em sinagogas da Ásia Menor revelaram 31 nomes de mulheres juntamente com títulos de líder, decana ou presbítera da sinagoga.

Uma catacumba na cidade egípcia de Leontópolis guarda uma sepultura de 28 A.E.C. onde foi sepultada uma judia conhecida como "Marin, a sacerdotisa". Sendo o cristianismo uma religião nascida do judaísmo, a preservação desta abertura à atuação feminina tendeu a acontecer naturalmente.

A importância das mulheres nas primeiras comunidades cristãs é visível pelo grande número de representações nos afrescos das catacumbas de Roma (séculos 2-3), com diversas pinturas de mulheres com os braços levantados em postura de benção, conhecidas como "orantes" como também nos afrescos de Dura-Europos, na Síria.

Neste edifício do século 3, tido como a primeira igreja cristã reconhecida pela arqueologia, as paredes, em especial da sala do batistério, são revestidas de pinturas representando mulheres em cenas bíblicas.

Que as mulheres fossem representadas por serem em maioria numérica é compreensível, pois até hoje elas são o maior contingente dos fiéis nas igrejas. Mas uma descoberta na cidade de Megido, Israel, vem corroborar o fato destas terem papéis de destaque na comunidade.

Trata-se de um mosaico no piso de uma sala utilizada como local de culto cristão no século 3, período em que o cristianismo era ainda uma religião ilegal perante o Estado Romano.

O mosaico de Megido marca o mais antigo local de culto cristão reconhecido em Israel. No centro da sala localizava-se uma mesa para a Eucaristia ladeada pelo mosaico com o nome de dois homens e cinco mulheres.

Em destaque, a inscrição: "A que ama a Deus (philotheos), Akeptous ofereceu a mesa a Deus Jesus Cristo como um memorial". Akeptous foi provavelmente uma cristã de classe alta que pôde presentear esta comunidade com uma mesa para a celebração da Eucaristia.

Além de Akeptous, o mosaico traz o nome de mais quatro mulheres: "Lembre-se de Primilla e Ciriaca e Dorothea e, por último, Creste". Embora Não se tenha a razão pela qual as quatro mulheres devam ser relembradas, fica claro que estas possuíam uma grande importância para esta comunidade.

Este mosaico é uma importante revelação sobre a vida e a fé na Igreja Primitiva. Uma Igreja onde as mulheres eram percebidas e aceitas em igual importância aos homens.


*Lidice Meyer é doutora em Antropologia, professora na Universidade Lusófona (Portuga) e autora de "Cristianismo no feminino – a presença da mulher na vida da Igreja", pela editora Mundo Cristão.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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