Como foi o genocídio cometido pela Alemanha na Namíbia?
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O genocídio de judeus e outras minorias durante o Holocausto é um dos episódios mais tristes e marcantes da história da humanidade. Entretanto, os crimes não foram os únicos de tal natureza cometidos pelos alemães.
Bem antes da Segunda Guerra Mundial, durante o período de colonização do continente africano, o país cometeu diversas atrocidades. No entanto, os episódios foram deixados de lado. Jamais dado sua devida importância.
Não à toa, é descrito por historiadores como "o genocídio esquecido do início do século 20". Mas isso não torna o massacre contra os herero e os nama menos cruel. As táticas alemãs incluíam, ente outras coisas, o envenenamento de água potável; a execução de mulheres e crianças; e até mesmo a realização de experimentos médicos contra prisioneiros.
Continente dividido
Em 1884, ocorreu a Conferência de Berlim, quando potências coloniais europeias definiram um acordo para dividir a África. Aquela altura, a Alemanha já tinha o domínio de onde hoje se entende o Togo, Tanzânia e Camarões — mas, após a reunião, ficou com a costa sudoeste do continente, ocupada atualmente pela Namíbia.
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Com isso, as forças alemãs varreram as comunidades locais de suas terras, que passaram a ser comandadas pelos colonos germânicos. Desta forma, os nativos sofreram pelos mais diferentes meios, com casos que incluíam até mesmo estupro e execuções.
Mas como recorda matéria publicada pela BBC, a dominação alemã sofreu resistência. Em 1903, guerreiros dos povos Herero e Nama promoveram um levante e mataram dezenas de colonos. Como resposta, a Alemanha foi cruel.
No ano seguinte, o Kaiser Wilhelm II enviou 14 mil soldados para a Namíbia. Embora os Herero tenham conseguido matar cerca de 120 colonos, acabaram sendo derrotados na batalha decisiva de Waterberg.
Eu, general dos soldados alemães, mando esta carta aos Herero. A nação Herero deve deixar o país... Se recusarem, eu os forçarei com tiros de canhão... Qualquer Herero, com ou sem armas, será executado”, declarou em mensagem o general Lothar von Trotha.
Os resistentes do conflito tiveram apenas dois destinos: ou eram mortos, ou foram forçados a se aventurar adentro do deserto de Kalahari, onde os combatentes alemães envenenaram poças de água. Ou seja, de qualquer forma, o destino era um só.
Outro fato que também deixou marcas foram os estupros sistemáticos das mulheres herero e nama. A prática se tornou tão comum, que muitos de seus descendentes, atualmente, possuem ascendência alemã. Os sobreviventes do genocídio alemão acabaram aprisionados em campo de trabalho escravo.
Conforme relata a BBC, para se ter noção da tamanha atrocidade cometida contra os povos, estima-se que dos 80 mil herero que viviam no sudeste africano, 65 mil foram mortos nas mãos dos alemães. Já entre os 20 mil nama, cerca de metade deles foram aniquilados — seja pela fome, exaustão, sede ou até mesmo executados a tiros.
Como resultado, centenas de crânios das vítimas foram levadas até a Alemanha para estudos relacionados às diferenças raciais — uma tentativa já de identificar uma suposta superioridade branca. Apenas em 2011 um hospital de Berlim devolveu 20 destes crânios para o país.
Por fim, vale ressaltar, após o combate à resistência, as terras do país foram dividas em fazendas particulares e deixadas para serem administradas pelos colonos alemães. Como consequência do processo, hoje os herdeiros dos herero e nama vivem em terras comunais — em áreas pequenas e superlotadas — que acabaram sendo-lhes atribuídas; ou até mesmo em aldeias, favelas e 'assentamentos informais'.
Já durante a Primeira Guerra Mundial, depois que a Alemanha perdeu sua colônia, outros colonos chegaram na região. O Sudeste da África acabou sendo governada pela África do Sul por 70 anos e a Namíbia só se tornou independente em 21 de março de 1990.
Genocídio reconhecido
O genocídio contra os herero e nama só foi reconhecido pela Alemanha após mais de um século, em maio de 2021, conforme declaração do então ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas.
Do ponto de vista atual, hoje qualificaremos estes acontecimentos como o que são: um genocídio", disse em comunicado.
Além disso, na época, o país anunciou que pagaria cerca de 1,1 bilhão de euros (ou R$7 bilhões de reais na cotação daquela data) para a reconstrução e desenvolvimento da Namíbia — valor que seria pago durante três décadas e deveria ser usado em benefício prioritário dos descendentes dos herero e nama; mas que não significa, de forma jurídica, uma compensação ou indenização.
"A aceitação por parte da Alemanha de que um genocídio foi cometido é um primeiro passo na direção correta", disse Alfredo Hengari, porta-voz do presidente namibiano, Hage Geingob, conforme repercutiu a AFP.
É a base da segunda etapa, que consiste em pedir desculpas e prever uma reparação", finalizou.