Como Oppenheimer agiu em viagem ao Japão 15 anos após Hiroshima e Nagasaki?
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O dia 6 de agosto de 1945 ficará marcado para sempre na história da humanidade. Foi pouco final das oito horas da manhã de um dia como esse, há exatos 78 anos, que ocorreu a primeira detonação de uma bomba atômica.
A Little Boy explodiu, ainda no ar, pela cidade de Hiroshima. Uma bola de fogo, com seu centro chegando a 1 milhão de graus Celsius, tomou conta do céu e varreu uma região de 13 quilômetros quadrados. Cerca de 100 mil pessoas morreram instantaneamente.
Três dias depois, foi a vez do ataque à cidade de Nagasaki. Mais de 210 mil vítimas foram somadas com as duas datas. As cicatrizes sobre as duas cidades jamais se fecharão por completo.
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Os bombardeios só aconteceram graças ao sucesso do Projeto Manhattan, que no dia 16 de julho de 1945 detonou a primeira bomba atômica da história nos testes da Operação Trinity no deserto do Novo México.
Julius Robert Oppenheimer liderou o projeto e ficará para sempre conhecido como o pai da bomba atômica. Por sua criação aniquiladora, citou a frase: "Agora eu me tornei a Morte, o destruído de mundos".
Em dezembro de 1960, porém, o físico norte-americano visitou o Japão. Mas como foi sua passagem pelo país onde sua criação dizimou inúmeras vidas?
Oppenheimer no Japão
Naquele 5 de setembro de 1960, Oppenheimer esteve em Tóquio, onde concedeu uma entrevista coletiva. Acostumado com os flashes, o estadunidense demonstrou certo desconforto com as luzes ofuscantes das câmeras fotográficas que registravam sua passagem pela ilha.
"Este país é famoso por seus equipamentos ópticos. Mas talvez devêssemos parar", disse, ameaçando encerrar a entrevista antes mesmo de seu início, repercute o Japan Today. "Não direi mais nada até que as luzes se apaguem".
Apesar do pedido atendido, era impossível Oppenheimer não ser o único centro de interesse naquele dia. Os olhos do mundo lhe fintavam. Todos sabiam o que estavam prestes a acontecer.
"Gostaria de pedir a você — embora a pergunta possa ser um pouco ingênua — que diga algumas palavras sobre seus sentimentos ao vir para o Japão como um homem responsável pelo desenvolvimento das bombas que foram lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki", questionou um repórter em uma óbvia, mas inevitável, questão.
Desde que havia aceitado o convite do Comitê Japonês para o Intercâmbio Intelectual (JCII) para palestrar em Tóquio e Osaka, o físico já sabia que essa questão surgiria. Mesmo assim, não demonstrou estar preparado para respondê-la.
Com seu terno e fumando seu cachimbo, uma marca quase registrada, ele ficou em silêncio por um certo tempo e sorriu antes de dizer: "Não é uma pergunta ingênua". Robert precisou de mais alguns segundos para organizar seus pensamentos.
"Eu não acho que vir para o Japão mudou meu sentimento de angústia sobre minha parte em todo esse pedaço da história. Tampouco me fez lamentar totalmente minha responsabilidade pelo sucesso técnico do projeto", começou. Após mais uma pausa, continuou:
Não é que eu não me sinta mal. É que não me sinto pior esta noite do que ontem à noite".
O objetivo de Oppenheimer
Em seguida, surgiu outras das inúmeras perguntas óbvias que pareciam seguir um roteiro: "Você visitará Hiroshima?". Robert foi curto e direto: "Gostaria, mas não está claro se será prático".
Aquela altura, a tensão política no Japão parecia pressionar cada vez mais Oppenheimer e sua esposa, Kitty. O Japan Today recorda que apenas quatro meses antes da visita, o país vivia uma série de protestos.
Em um deles, ao menos 210 mil japoneses pró-comunistas enforcaram e queimaram bonecos do presidente norte-americano Dwight D. Eisenhower e do primeiro-ministro japonês Nobusuke Kishi. Uma cerimônia parecida com a tradicional malhação de Judas.
Kishi e Eisenhower, ordenamos que vocês sejam transferidos para o inferno", dizia uma placa levada por manifestantes.
A fúria tinha explicação: Japão e Estados Unidos haviam acabado de negociar um Tratado de Segurança que exigia o desarmamento nuclear. Eisenhower, aliás, deveria receber seu diploma de doutorado honorário da Universidade de Tóquio em junho, mas cancelou sua visita devido a riscos de segurança.
Oppenheimer sabia do risco de segurança. Afinal, que seria mais conhecedor do termo do que o próprio, considerado um 'risco de segurança' para seu próprio país. Em 1954, no auge do macarthismo, a Comissão de Energia Atômica revogou suas credenciais de segurança por seus supostos laços comunistas. O físico era uma pesona non grata em sua terra natal.
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Mas, curiosamente, a 'gratidão' parece lhe ter acompanhado durante sua viagem ao Japão. Os aspirantes nipônicos a cientistas não demonstraram quaisquer ressalvas contra o homem que criou a bomba que dizimou milhares de seu povo. Muito pelo contrário, eles pareciam ansiosos para aprender com o físico.
Em 13 de setembro, Oppenheimer voltou a falar com a imprensa, desta vez em uma coletiva no Miyako Hotel, em Kyoto, onde deixou bem claro sua missão: educar o máximo possível sobre a importância da ciência.
"[Cientistas atômicos] envolvidos profissionalmente têm a responsabilidade de informar e explicar o que sabem publicamente, se permitido", disse ele, cutucando o próprio governo norte-americano. "Eles são responsáveis por transmitir seus medos ao governo, se necessário… essa responsabilidade não é específica dos cientistas, mas é verdadeira para todos os outros que seguem sua vocação e consciência."
"Os japoneses sabem que este é um momento na história da humanidade de profundas mudanças e problemas. Tenho o dever e a esperança de conversar e conhecer seu povo sobre nossos problemas comuns e sobre as dificuldades que enfrentamos", continuou.
Oppenheimer foi instigado a continuar quando um jornalista questionou quais seriam esses "problemas" e acrescentou se ele acreditava que o mundo logo enfrentaria a "aniquilação" devido aos avanços científicos.
Eu compartilho desse medo", disse o físico sem refugar.
Efeito Hiroshima e Nagasaki
Durante sua viagem ao Japão, o JCII tentou blindar Oppenheimer de qualquer tipo de discussão pública. Mas era praticamente impossível escapar dos efeitos de seu 'grande feito' com o Projeto Manhattan.
"Aumento da poluição de fallout [a chuva de partículas radioativas]", destacava a manchete de um jornal local. "Casos de leucemia crescem em Hiroshima e Nagasaki", estampava outro.
Para evitar que Robert fosse 'bombardeado', o Conselho do Japão Contra as Bombas Atômicas e de Hidrogênio optou para que as maiorias das palestras do físico fossem fechadas ao público.
Na tarde de 17 de setembro, Oppenheimer discursou diante de uma multidão no Asahi Kaikan Hall em Osaka, em palestra intitulada "Tradição e Descoberta", onde fez uma ligação entre um fato histórico e uma situação contemporânea.
"Quando Colombo partiu em sua viagem, ele escreveu na primeira página de seu livro: 'Jesus e Maria estejam conosco em nossa jornada'. Isso ocorreu, é claro, em parte por causa do terror de entrar em um mundo desconhecido e em parte por causa da percepção da grande e irrevogável mudança que sua jornada traria. Em meados do século 20, estamos em uma posição semelhante."
Muitos de nós falam sobre viver na 'Era Atômica'. Eu simpatizo com esta conversa. Mas não podemos por nenhuma ação recriar o mundo de 20 anos atrás. O conhecimento [da] bomba atômica não pode ser enterrado", prosseguiu.
O físico ressaltou a importância de continuar dialogando e compartilhar informações para promover uma "irmandade universal". Oppenheimer ainda falou: "Há fortes tentações de reduzir o mundo a comunidades menores de homens especialmente escolhidos. Mas espero que nunca cedamos a essas tentações".
Na parte final de sua palestra, aponta o Japan Today, um estudante americano de 21 anos, Ted Reynolds, se apresentou e disse que sua família morava em Hiroshima, onde eles protestavam ativamente contra os testes de armas nucleares no Pacífico. Ted então lhe entregou uma carta em nome de seu pai: "Venha para Hiroshima, eles pedem".
Na mensagem, que o físico aceitou e guardou pelo resto de sua vida, a família do jovem se demonstrou acolhedora: "[Os cidadãos de Hiroshima] não guardam animosidade contra nenhum indivíduo pela tragédia que os atingiu… sua única esperança é que nunca haverá outra Hiroshima."
A carta continuou:"Podemos entender a delicadeza da situação, mas espero que sua decisão não tenha sido ditada por qualquer sentimento de que você possa se deparar com hostilidade pessoal."
Por fim, Oppenheimer disse ao jovem que adoraria visitar Hiroshima longe dos holofotes. Durante boa parte de sua vida, o físico se sentiu culpado por sua criação: "Tenho sangue nas mãos", confessou ao presidente Harry Truman. Apesar do sentimento, Julius Robert Oppenheimer jamais visitou Hiroshima.