Conceito de raça é uma invenção humana, não biológica

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Em meio a uma série de ordens executivas assinadas recentemente pelo presidente americano Donald Trump, uma em especial chamou atenção ao criticar o que chamou de "narrativa distorcida" sobre a questão racial.
A medida citava como exemplo a exposição "The Shape of Power: Stories of Race and American Sculpture", em cartaz no Museu Smithsonian de Arte Americana, que examina como, ao longo de mais de dois séculos, a arte esculpida nos Estados Unidos ajudou a moldar e reforçar ideologias raciais.
O governo criticava a mostra por "promover a visão de que a raça não é uma realidade biológica, mas uma construção social, afirmando que 'a raça é uma invenção humana'".
Contudo, essa ideia, longe de ser nova ou ideológica, é respaldada pela ciência contemporânea. A Sociedade Americana de Genética Humana, por exemplo, é clara ao afirmar que, embora traços físicos possam influenciar a forma como uma pessoa é identificada racialmente, o conceito de raça não tem base genética sólida: trata-se de uma construção social.

Divisão em raças
Essa perspectiva é também corroborada por especialistas em história da ciência e da antropologia. Como destaca o portal Live Science, no passado, acreditava-se que os seres humanos podiam ser divididos em raças distintas com base em características físicas, como formato do crânio, tipo de cabelo ou cor da pele. O método, no entanto, gerava resultados confusos e inconsistentes.
No século 19, Charles Darwin chegou a listar 13 cientistas que haviam identificado, ao todo, entre duas e 63 raças diferentes — um sinal claro de que não havia consenso nem critérios objetivos.
Mesmo os principais cientistas que tentaram tipificar raças humanas, como William Ripley ou Earnest Hooton, acabaram se perdendo em listas intermináveis de características anatômicas que, no fim, pouco diziam sobre as diferenças reais entre os grupos. As distinções físicas entre humanos, embora visíveis, são pequenas demais para sustentar a ideia de raças fixas e separadas.

Novos rumos
A mudança decisiva veio a partir da década de 1930, impulsionada pela ascensão do nazismo e pela urgência de se combater, com base em evidências, as ideias racistas propagadas naquele período. Dois caminhos foram fundamentais: o fortalecimento da visão cultural para explicar as diferenças humanas, e o surgimento da genética populacional como ferramenta científica.
Antropólogos como Ruth Benedict e Gene Weltfish passaram a defender que o que separa os grupos humanos não é a biologia, mas a cultura. Diferenças de linguagem, alimentação, modos de vestir e organização social são resultados de processos históricos e aprendizados, não de predisposições genéticas.
Eles mostraram, por exemplo, que povos africanos dominavam técnicas de ferro e tecelagem muito antes de muitos povos europeus — desfazendo a ideia de superioridade racial.
Conceito errôneo
Paralelamente, biólogos como Theodosius Dobzhansky e Sherwood Washburn demonstraram que o conceito de "raça" não servia para explicar a evolução.
As populações genéticas — grupos definidos por conjuntos de genes compartilhados — eram mais úteis para estudar como os organismos mudam ao longo do tempo. E, ao contrário do que se espera de uma “raça”, essas populações não são fixas: mudam, se adaptam, desaparecem ou se fundem com outras.

Washburn, inclusive, argumentava que qualquer tentativa de dividir a humanidade em raças fixas era cientificamente inútil. Era como tentar usar uma chave de fenda para martelar um prego: uma ferramenta inadequada para o objetivo.
A comparação com montanhas-russas ajuda a ilustrar essa ideia: os avisos de altura mínima não definem quem é “realmente” alto ou baixo — são apenas ferramentas úteis para situações específicas, e não categorias absolutas.
Hoje, a ciência está alinhada com o que a exposição do Smithsonian propõe: que a raça é uma construção cultural e histórica, usada ao longo do tempo tanto para oprimir quanto para resistir.
Esculturas, leis, discursos e até mesmo certas interpretações científicas ajudaram a inventar e sustentar uma ideia de raça como algo real. Mas, como mostram décadas de pesquisas nas áreas da genética, antropologia e história, esse conceito está mais nas nossas cabeças — e nos nossos sistemas sociais — do que na nossa biologia.


