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Diário de um Detento: o clipe que narrou a brutal realidade do sistema carcerário brasileiro
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Diário de um Detento: o clipe que narrou a brutal realidade do sistema carcerário brasileiro

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Aventuras Na História
02/10/2022 03h00
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https://timnews.com.br/system/images/photos/15227933/original/open-uri20221001-18-jm26mf?1664650835
©Reprodução/Video/Youtube
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"São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992, oito horas da manhã". Um dia antes de um dos maiores e mais terríveis massacres da História do Brasil.

A vida dentro do presídio Carandiru permanecia como o normal: comida azeda, sangue jorrando do ouvido, vigia com metralhadora israelense, pneumonia e, principalmente, descaso e violência.

De madrugada eu senti um calafrio. Não era do vento, não era do frio. Acertos de conta tem quase todo dia. Tem outra logo mais, eu sabia”, narra Mano Brown na virada do dia 1 ao 2.

O que o eu-lírico de Brown afirmava ter pressentido na madrugada era o Massacre do Carandiru. Naquele dia 2 de outubro, há exatos 30 anos, 111 detentos foram assassinados com a ação da Polícia Militar após uma rebelião que acontecia na Casa de Detenção de São Paulo.

O grupo de rap Racionais MC’s crescia cada vez mais na periferia paulistana — tanto que se tornou som natural de algumas regiões da capital. Em 1997, lançaram o disco "Sobrevivendo no Inferno" e tiveram sua carreira alavancada, dessa vez em nível nacional. O clipe de “Diário de um Detento” também contribuiu muito para esse sucesso.

Naquele ano, o Brasil carregava consigo o título de país com terceiro maior índice de homicídios do continente americano. Ainda tinha uma taxa de desemprego de mais de 30%. No Capão Redondo, bairro do extremo sul paulistano, um habitante tinha 12 vezes mais chance de ser assassinado do que em qualquer outro local. Era esse o contexto dos Racionais.

Cena do clipe “Diário de um Detento” dos Racionais MC's/Crédito: Reprodução/Video/Youtube

Diário de um Detento

A letra de “Diário de um Detento” foi escrita por Mano Brown e Josemir Prado, ex-detento que sobreviveu à chacina e entregou trechos do que se tornaria música nas mãos do rapper dentro da própria prisão.

Em entrevista à Red Bull, o paulistano lembrou quando "ele me deu a letra num papel, meio desacreditado. Depois de um ano, eu voltei pra encontrar ele com a música estourada em todas as rádios. Ele saiu da prisão dias depois".

E o clipe também faz parte de uma narrativa muito real. Com sua letra forte e épica, que traz imagens duras, — como em “cadáveres no poço, no pátio interno. Adolf Hitler sorri no inferno. O Robocop do governo é frio, não sente pena. Só ódio e ri como a hiena” —, o vídeo teria que ser gravado em um contexto tão pesado quanto. Brown insistiu que fosse no próprio Carandiru, com os detentos do local.

Maurício Eça, diretor, não entendeu logo no começo a importância disso. Mas decidiu se virar para fazer acontecer. “A letra de ’Diário de um Detento’ é muito cinematográfica, já tinha uma narrativa muito forte, então entramos para tentar encontrar as imagens que remetiam a ela e buscar o que houvesse lá dentro que nos permitisse humanizar o Carandiru, mostrar que tem vida lá dentro, tem seres humanos”, explicou ao UOL.

Juntando a ajuda dos presos do Carandiru, a emoção transmitida por eles e por Brown, o local e todas as imagens obtidas de transmissões televisivas e jornais do massacre que havia acontecido anos antes, o resultado foi um dos produtos mais icônicos do rap nacional — que permanece atual, retratando como ainda é a situação dentro dos presídios brasileiros.

“O pessoal lá de dentro participou, ajudando, contribuindo muito para ficar o mais realista possível. Fomos para um lado mais documental, mas buscando uma linguagem e um visual belos, não tão sujos. Organicamente, fomos entendendo o processo, a força da música e dos Racionais para a periferia e como aquilo ia ter um impacto externo”, relatou Eça.

Brown andando em meio a corpos, que representam os detentos assassinados / Crédito: Reprodução/Video/Youtube

“Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo. Quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio. O ser humano é descartável no Brasil. Como modis usado ou Bombril. Cadeia? Guarda o que o sistema não quis. Esconde o que a novela não diz. Ratatatá! Sangue jorra como água”, diz a letra, enquanto o rapper anda por corpos caídos no chão.

Pode-se dizer que toda a letra da música é uma espécie de anunciação para o que irá acontecer no dia seguinte. Ou talvez em qualquer outro dia.

O descaso tanto do governo quanto de quem está de fora para com a população carcerária, — que, inclusive, cresce cada vez mais no Brasil e no mundo —, a falta de condições básicas dentro dessas instituições, a violência extrema causada pelo tédio, facções e pobreza, abuso policial e mesmo suicídios nos cubículos.

Tudo isso pode ser apontado como causa para uma consequência drástica. É assim que começa a briga que teria como resultado o Massacre do Carandiru, entre tantos outros.

Imagens após o Massacre do Carandiru que foram transmitidas por jornais na época do acontecimento / Crédito: Reprodução/Video/Youtube

Exportação do rap

Mesmo que muitos envolvidos com o grupo de rap tenham desacreditado do potencial do clipe dar certo, isso foi contestado pela transmissão do vídeo no canal MTV, há mais ou menos 20 anos. Com seus 8 longos, ou não, minutos de duração, foi ele um dos responsáveis pela disseminação da “palavra do rap”, que passou a ser exportado para fora da periferia de São Paulo para, agora, quase todos as regiões do Brasil.

O carro chefe era aquela música e levou o grupo para um próximo nível. O clipe de rap brasileiro é dividido entre antes e depois de ‘Diário de um Detento’, com aquele tom documental. Esse clipe realmente marcou época”, analisa Rodrigo Brandão, ex-VJ (video jockey) da MTV, também ao UOL.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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