Escola Base: Falsa acusação que marcou o país vira documentário
Aventuras Na História
Na próxima quinta-feira, 10, estreia na Globoplay o documentário "Escola Base – Um repórter enfrenta o passado", que resgatará o caso de uma das mais polêmicas coberturas jornalísticas do Brasil.
Em 1994, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, donos da Escola de Educação Infantil Base, e alguns funcionários do centro estudantil, foram acusados injustamente de abusar sexualmente de alunos.
Por conta da veiculação de falsas notícias, os envolvidos tiveram suas reputações destruídas para sempre, apesar de serem inocentados judicialmente. A produção acompanha o jornalista Valmir Salaro, que foi o primeiro profissional de mídia a fazer a cobertura do caso. Relembre o caso Escola Base!
O caso Escola Base
Era o início do ano de 1994. Março, precisamente. O Brasil ainda era tricampeão mundial de futebol e Ayrton Senna ainda voava baixo nos circuitos da Fórmula 1. Em São Paulo, o ano letivo havia acabado de começar para a escola de Educação Infantil Base, no bairro da Aclimação, em São Paulo.
Tudo corria normalmente até o dia em que Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho notaram comportamentos estranhos em seus filhos, estudantes da instituição, e se dirigiram à delegacia para prestar queixa contra seis pessoas relacionadas ao colégio.
De acordo com as mães, os donos da escola, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, a professora Paula Milhim Alvarenga e seu esposo, Maurício Monteiro Alvarenga — o motorista da Kombi que levava as crianças para a escola — faziam orgias com as crianças de quatro anos de idade no apartamento de Saulo e Mara Nunes, pais de um dos alunos.
O delegado incumbido da investigação, Edélcio Lemos, enviou os filhos de Lúcia e Cléa ao Instituto Médico Legal e conseguiu um mandado de busca e apreensão ao apartamento onde, supostamente, as crianças eram abusadas.
Quando nada foi encontrado, as mães, indignadas, foram à Rede Globo. Foi a partir daí que o caso da Escola Base explodiu e virou referência. No mesmo dia, o laudo do IML foi analisado pelo delegado.
Era inconclusivo, mas dizia que as crianças apresentavam lesões que podiam ser de atos sexuais. Foi o suficiente para o delegado, que deu declarações dúbias à imprensa. Os acusados já eram, aos olhos do povo, culpados antes de qualquer julgamento.
O papel da imprensa
Como nenhum grande evento estava ocupando as manchetes na época, a mídia deu uma enorme atenção ao caso. Os veículos investigavam o delegado e vice-versa, e o que se seguiu foi uma série de notícias recheadas de informações cuja veracidade não havia sido comprovada.
A manchete do tablóide paulista Notícias Populares, “Kombi era motel na escolinha do sexo”, apesar do sensacionalismo que lhes era peculiar, traduz com maestria a forma como a imprensa estava lidando com o caso.
Com o tempo, Lemos foi afastado da investigação, e os delegados substitutos ainda encontraram, por denúncia anônima, Richard Herrod Pedicini, um fotógrafo americano que morava nas redondezas da escola e, segundo a denúncia, vendia fotos das crianças molestadas.
A filha de Cléa foi levada ao apartamento do rapaz para fazer reconhecimento e quis brincar com uma abelhinha de pelúcia que estava no chão. Foi o suficiente para que fosse decretada a prisão preventiva do fotógrafo, enquanto a mídia já anunciava seu envolvimento com o caso.
Alunos da Escola Base reconhecem a casa do americano” era o principal assunto das manchetes.
A verdade vem à tona
Invariavelmente, as provas da inocência começaram a aparecer. Quando a prisão preventiva de Saulo e Mara foi decretada, os advogados do casal finalmente tiveram acesso ao laudo do IML e viram o quão inconclusivo era, com a própria mãe de um dos meninos admitindo que ele sofria de constipação intestinal, uma das probabilidades apontadas pelo laudo.
A partir daí, apareceram depoimentos de outras pessoas como funcionários do colégio e pais de outros alunos em defesa dos acusados.
Em junho, três meses depois, os suspeitos foram inocentados pelo delegado Gérson de Carvalho, um dos que assumiram a investigação. No entanto, o estrago já estava feito. Os danos psicológicos e morais aos acusados eram enormes, além, é claro, dos materiais. Os inúmeros gastos com o processo deixaram as finanças de todos completamente arruinadas.
Os meios de comunicação foram acusados de não retratar a verdade de fato, declarando, apenas, que as investigações foram encerradas por falta de provas, sem necessariamente dizer que os acusados eram inocentes.
Diversos processos foram movidos contra o Estado e a mídia. Maria e Icushiro faleceram sem receber todo o dinheiro que lhes era devido, ela de câncer em 2007 e ele de infarto em 2014. Em 2020, Ricardo Shimada, filho do casal, concedeu uma entrevista exclusiva à equipe do site do Aventuras na História.
Paula nunca mais conseguiu trabalhar como professora, pois ficou marcada como abusadora de crianças. Ela e o marido, Maurício, se divorciaram em virtude das dívidas e da paranoia incontrolável que o rapaz desenvolveu após o caso.
Saulo e Mara, como os outros, também enfrentaram problemas financeiros. Richard, mesmo após a conclusão, passou anos angariando recursos para mostrar que ele era, de fato, inocente.
O caso da Escola Base se tornou objeto de estudo em diversos campos e cursos como jornalismo, psicologia e direito. A cobertura da imprensa foi completamente parcial e monofônica, com os envolvidos sendo crucificados sem nenhum direito de resposta e apenas a voz do delegado, que se deixou levar pelos holofotes, estava sendo ouvida pelos veículos da mídia.
Toda a história lançou uma luz nos poderes e responsabilidades da imprensa, e a discussão acerca da destruição de reputações se tornou mais séria do que jamais foi. Com o advento da Internet, onde nunca foi tão fácil manchar a imagem de alguém por qualquer coisa, o ocorrido na Escola Base serve como um bom paradigma do que fazer e, principalmente, do que não fazer nesse tipo de situação.