Harvard vai remover livro encadernado com pele humana
Aventuras Na História
Entre os 20 milhões de livros armazenados nas bibliotecas da Universidade de Harvard, um deles causa fascínio e arrepio, não pelo seu conteúdo, mas pelo material utilizado na encadernação: pele humana.
Por muitos anos, este volume foi exibido, utilizado para promover a biblioteca e, em certas ocasiões, até mesmo usado como uma espécie de trote para novos funcionários. Em 2014, a universidade ganhou destaque humorístico em todo o mundo ao anunciar o uso de uma nova tecnologia para verificar se a encadernação era realmente feita com pele humana.
No entanto, nesta quarta-feira, 27, após anos de críticas e debates, a universidade optou por remover a encadernação e considerar alternativas para uma “disposição final respeitosa dos restos mortais”, conforme repercutido pelo jornal O Globo.
Após estudo cuidadoso, com envolvimento e consideração das partes interessadas, a Biblioteca de Harvard e o Comitê do Museu de Harvard concluíram que os restos mortais usados na encadernação do livro não se encaixam na coleção da Biblioteca de Harvard, devido à natureza eticamente complexa das origens do livro e sua história subsequente”, explicou universidade em um comunicado.
Ainda em nota, Harvard admitiu que o tratamento dado ao livro ‘O Destino das Almas’, de Arsène Houssaye, não condizia com os “padrões éticos” exigidos pela instituição de ensino e chegou a usar um “tom sensacionalista, mórbido e de humor” inapropriado na divulgação do exemplar. A biblioteca se desculpou, ao dizer que “objetificou e comprometeu ainda mais a dignidade do ser humano cujos restos mortais foram usados na encadernação”.
Decência humana
Este anúncio foi feito cerca de três anos após a universidade iniciar um amplo levantamento dos restos mortais humanos em suas coleções. Essa iniciativa faz parte do reconhecimento do papel da escravidão e do colonialismo na fundação de universidades e museus. Em uma declaração, o então presidente da universidade, Lawrence S. Bacow, pediu desculpas pelo papel de Harvard em atividades que “colocavam o empreendimento acadêmico acima do respeito pelos mortos e da decência humana”.
O livro de Houssaye chegou a Harvard em 1934, enviado pelo diplomata norte-americano John B. Stetson. O exemplar fora encadernado por seu primeiro proprietário, o Dr. Ludovic Bouland, um médico francês que incluiu uma nota manuscrita afirmando que “um livro sobre a alma humana merecia ter uma cobertura humana”. Um memorando de Stetson mencionava que Bouland havia retirado a pele de uma mulher desconhecida que falecera em um hospital psiquiátrico francês.
A decisão de Harvard segue uma campanha liderada por Paul Needham, um especialista em primeiros livros modernos, que formou um “grupo de afinidade” em maio do ano passado, pedindo a remoção da encadernação e o sepultamento apropriado dos restos mortais da mulher na França. Este assunto ressurgiu na semana passada, quando o grupo divulgou uma carta aberta endereçada ao presidente interino de Harvard, Alan M. Garber, que também foi publicada como um anúncio no The Harvard Crimson, jornal da universidade.
A carta, assinada por Needham e outros dois líderes do grupo, destacou que a biblioteca havia tratado o livro “de forma brutal, como um item de exibição sensacionalista”. Em particular, ele citou uma postagem de 2014, já removida, que descrevia a pesquisa como “boas notícias para os fãs da bibliopegia antropodérmica, tanto para os bibliomaníacos quanto para os canibais”.
Com a remoção da encadernação, o texto estará disponível integralmente para visualização na biblioteca e no portal da instituição de ensino.