Incidente do Passo Dyatlov: o mistério por trás da morte dos esquiadores russos
Aventuras Na História
Em 1959, Igor Dyatlov, um aluno exemplar do Instituto Politécnico de Ural, na Rússia, assumiu a liderança de uma expedição com um grupo de estudantes. Eles deveriam percorrer uma jornada de 320km em 16 dias pelos Montes Urais, uma das cordilheiras mais antigas e compridas do mundo, indo do Ártico até o Cazaquistão. Mal sabiam esses jovens que aquele passo de montanhas seria palco de um dos maiores mistérios da história.
Igor elaborou a expedição para ser o mais desafiador possível, a fim de ele e o seu grupo serem certificados como aventureiros de grau 3, o mais alto na União Soviética naquela época. O grupo era composto de oito homens e duas mulheres, todos entre os seus 20 e 24 anos, exceto por Alexander Zolotaryov, veterano da Segunda Guerra Mundial, de 34 anos, enviado para acompanhar os estudantes na expedição a pedido do Instituto Politécnico.
Em 27 de janeiro daquele ano, o grupo preparou as malas, pegou todos os mantimentos e partiu da cidade de Yekaterinburg. No caminho, pegaram carona em um caminhão rumo ao vilarejo de Vizhay, o último lugar povoado antes de chegar à montanha Otorten. Na pequena comunidade, Dyatlov deu detalhes sobre a expedição, avisando que pretendiam voltar no dia 12 de fevereiro. Sendo assim, seguiram viagem a pé.
No meio do trajeto, um dos aventureiros, Yuri Yudin, começou a sofrer dores no corpo, especificamente no ciático e nos joelhos, sendo obrigado a voltar. Durante a viagem, o grupo registrou a viagem por meio de diários e fotos feitas por eles. Segundo um dos diários, no primeiro dia de fevereiro o clima da região piorou bastante.
A forte nevasca e os ventos sibilantes passaram a dificultar a visão dos membros do grupo. Com receio de perderem, decidiram montar um acampamento na beira de uma encosta levemente inclinada, sendo prevenidos de uma avalanche. Na madrugada do dia 2 de fevereiro, tudo que restou foram uma barraca rasgada e alguns pertences, pois todos os nove membros da expedição estavam mortos.
Os corpos dos viajantes
Após o dia 12 de fevereiro, data essa prevista por Igor para ele e seu grupo retornarem da expedição, as famílias dos membros contataram o Instituto Politécnico bastante angustiadas com a falta de notícias. Para encontrar o paradeiro dos estudantes, enviaram um grupo de resgate – incluindo o exército – para as montanhas no dia 20 daquele mês. Seis dias depois, encontraram a barraca montada pelo grupo vazia e parcialmente enterrada na neve, indicando que ela estava ali há tempos.
Ao analisarem a barraca, notaram que ela possuía um rasgo realizado de dentro para fora. Encontraram, na saída dela, um rastro de pegadas que se estendia por aproximadamente 500 metros. Seguindo os rastros, há 1,5 km de distância, encontraram restos de uma fogueira. Ao lado dela, dois corpos seminus. No caminho, encontraram mais três, sendo um deles do próprio Dyatlov, que estavam apontados em direção à barraca. Um dos corpos possuía queimaduras nas mãos e nos pés. A causa da morte das vítimas foi hipotermia, segundo as conclusões das autópsias.
A neve começou a derreter. E três meses após a tragédia, no dia 4 de maio, foram encontrados os quatro corpos remanescentes, há 100 metros dos primeiros encontrados. Eles foram encontrados em uma espécie de abrigo improvisado feito de neve. Dentro dele, havia gravetos e alguns agasalhos, e cerca de 4 metros de neve abaixo, jaziam os outros quatro exploradores, em um leito rochoso.
Dos quatro corpos, três deles apresentavam ferimentos graves, que poderiam trazer uma causa de morte diferente da apresentada para os primeiros cinco corpos encontrados. Dois deles tiveram as costelas quebradas, e outro deles foi encontrado com uma fratura no crânio. Zolotaryov, o veterano de guerra, foi encontrado sem os olhos – assim como uma das moças do grupo que foi encontrada nessa mesma busca, Dubinina, que ainda foi encontrada sem a língua. O único dos quatro que acabou morrendo de hipotermia foi encontrado com um alto nível de radiação em suas roupas.
Fugitivo do gulag
Muito se especulou sobre a real causa da morte dos alpinistas após encontrarem os corpos remanescentes. Isso se devia à descrença daqueles que conheceram as vítimas, pois alegaram que os jovens eram experientes e muito inteligentes para acabarem morrendo congelados na neve. Alguns dos corpos foram encontrados com sinais de luta, com cortes pelo rosto e pedaços de carne faltando.
A região era quase totalmente inabitada – exceto pelo fato de que ela era lar de um dos gulags de Stalin. Os investigadores, então, suspeitaram que algum dos prisioneiros poderia ter escapado e matado o grupo da expedição. Isso após descobrirem que o gulag de Ivdel ficava a poucos quilômetros do local dos ataques. Porém, após a polícia checar com o gulag se algum dos prisioneiros havia escapado, a resposta foi negativa. Além disso, nenhum dos pertences dos membros do grupo havia sido roubado, enfraquecendo ainda mais a hipótese de algum fugitivo da infame prisão ter sido responsável pelas mortes.
Yetis e extraterrestres
Outra hipótese para o culpado pelas mortes é deveras atípica, diga-se de passagem. Além de terem teorizado a possibilidade do povo nativo Mansi, que viviam na região, serem os responsáveis pelos ataques, e sobre os relatos de objetos voadores na região, muitos apontaram para uma espécie de homem das neves – comumente chamado de Yeti.
Essa ideia surgiu a partir da declaração do governo soviético, que concluiu que as mortes se deram por “forças impressionantes”, que jamais poderiam ter sido causadas por um ser humano. Inclusive, após isso, a região teve o seu acesso bloqueado por três anos, levantando suspeitas de uma possível participação do governo no crime.
O que chama a atenção para uma possível aparição de um homem das neves no acampamento foi a última anotação de uma das duas mulheres do grupo, Zinaida, no seu diário, na qual dizia “agora sabemos que o homem das neves é real”. Além do fato de que, segundo os nativos da região, que chegaram a alertar o grupo sobre possíveis perigos sobrenaturais, relataram a existência de homens-espírito que se alimentavam de tecidos moles do corpo, como a língua, retirada do corpo de um dos viajantes.
Para finalizar a teoria com chave de ouro, entre as fotografias tiradas pelo grupo, havia uma mostrando uma figura grande e escura escondida entre as árvores – muitos alegam a possibilidade de a foto ser falsa. E dentre os negativos originais, encontrados no memorial de Dyatlov, a figura misteriosa também pode ser vista.
Uma aventura congelante
Em 2019, o governo russo retornou às investigações, e concluiu, em julho de 2020, que o grupo deixou o acampamento para fugir de uma avalanche – hipótese essa que foi bastante contestada na época de sua revelação. Porém, Johan Gaume, diretor do laboratório de simulação de avalanches da Escola Politécnica Federal de Lausana, na Suíça, juntamente com o engenheiro geotécnico do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, Alexander Puzrin, criaram simulações via computador dos eventos que poderiam ter acontecido na noite da tragédia.
Por mais incrível que pareça, a simulação só deu certo após Gau ter assistido à animação Frozen, da Disney, e ter ficado impressionado com o efeito da neve no filme, incentivando-o a contatar os animadores para consultá-los. Após isso, ele conseguiu alterar o código da animação de neve presente no filme e usou-o nos seus modelos de avalanche, para simular os efeitos que ela teria no corpo humano.
O estudo de Gau e Puzrin sobre o ocorrido foi publicado na Nature, conceituada revista científica, e concluiu-se que a escavação realizada pelo grupo para montar a barraca pode ter causado um tipo raro de avalanche, chamada avalanche de placa. A força do impacto do fenômeno tem força, inclusive, para quebrar ossos do corpo humano – explicando a fratura craniana e das costelas de alguns dos membros.
O local das mortes, também chamado pelo povo Mansi de “Montanha dos Mortos”, foi batizado de Passo Dyatlov em memória ao líder da expedição, Igor Dyatlov, e o ocorrido continua a chamar a atenção daqueles que sabem da sua história.