Inimigo nº 1 da Ditadura: Marighella quase foi morto após o Golpe de 64
Aventuras Na História
Em 1947, o novo presidente, general Eurico Gaspar Dutra, que havia lutado contra a Intentona Comunista de Prestes, não perdeu tempo e logo tornou o PCB proscrito novamente.
Marighella perdeu o mandato e voltou às sombras — a grande realidade da sua vida adulta. A ilegalidade, no entanto, não o impediria de continuar atuando em prol de sua utopia: a implantação da revolução comunista no Brasil.
Coordenou diversos movimentos sociais e, entre os anos de 1953 e 1954, viveu na China, onde foi conhecer de perto os feitos de Mao Tsé-tung — fazendo vista grossa para a tragédia humanitária que o regime maoista provocara.
Mas vale desde já destacar: todas essas ações de Marighella, até então, não passavam pela ideia de fazer guerra armada no Brasil. Suas realizações e prisões eram baseadas numa utopia de adesão das massas ao pensamento político marxista. Nada de armas ou bombas, portanto.
Sua situação melhorou um tanto com a eleição de Juscelino Kubitschek. Embora o “presidente bossa nova” não tenha dado legalidade ao PCB, Marighella deixou de ser perseguido pelo governo. Era uma calmaria antes da maior das tormentas.
Quando Jânio renunciou e a Presidência foi assumida brevemente por João Goulart, Marighella logo percebeu o que estava por vir. Ficou tão certo de que um golpe militar em 31 de março de 1964, há 59 anos, derrubaria Jango que matriculou seu único filho num internato.
Explicou-lhe que poderia ir para casa sempre que quisesse, mas, se os ventos da política mudassem e seu pai fosse obrigado a desaparecer, pelo menos o menino já teria onde comer e dormir.
No dia em que o golpe foi deflagrado, Carlos disse à esposa que juntasse imediatamente algumas roupas porque precisavam fugir — tinha certeza de que o novo regime, que depôs Goulart com o argumento da “ameaça comunista”, logo iria atrás dele, comunista de fato, coisa que Jango mesmo nunca foi. Tinha razão.
Ao saírem do apartamento, achou melhor descer os andares pela escada. Naquele exato momento a polícia estava subindo pelo elevador. Aos 53 anos, era mais uma vez clandestino. Mais uma vez estava pronto a combater a ditadura da ocasião.
Cena de cinema
Já estava havia mais de um mês desaparecido no Rio de Janeiro quando conseguiu combinar com a zeladora do seu prédio um encontro. O objetivo era resgatar algumas peças de roupa.
Quando então viu a mulher indo em sua direção, imediatamente notou um homem na cola dela. Era uma tocaia, percebeu na hora. Sem saber ainda quantos estariam no seu encalço, entrou num cinema de rua. Misturou-se à plateia na escuridão da sala, o que talvez lhe desse uma rota de fuga.
Era uma matinê, cheia de crianças. Ainda assim, os agentes do DOPS não esperaram o filme terminar. A projeção foi interrompida e as luzes se acenderam. Um dos policiais apontou um revólver calibre 38 para o revolucionário, que, certo de que iria morrer ali mesmo, só teve o tempo de gritar:
Matem, bandidos! Abaixo a ditadura militar fascista! Viva a democracia! Viva o Partido Comunista!”.
Estava ainda gritando quando o policial acertou um tiro na altura de seu peito. A bala entrou pelo tórax, saiu pela axila e se alojou no braço esquerdo. Mesmo ferido gravemente, Marighella lutou. Chutou a arma do agente para longe e recebeu socos e pontapés, revidando a cada um deles.
Eram oito contra um. Até que o sangue lhe turvou a visão e o comunista foi puxado para fora do cinema, onde crianças choravam de pavor. Um fotógrafo do jornal Correio da Manhã havia levado a filha à sessão e conseguiu fazer registros. Isso garantiu cobertura jornalística à prisão e provavelmente garantiu sobrevida ao homem baleado.
O Jornal do Brasil logo noticiou: “Ex-deputado Marighella foi ferido a bala num cinema quando resistiu à prisão”. Um detalhe: não havia mandado de prisão contra ele. Outras publicações condenaram a brutalidade da ação policial.
Assim ficava mais complexo para o DOPS matar seu prisioneiro. Lembremos que essa caça aconteceu em 1964, quando o regime ainda não tinha 10% da truculência que ganharia após o AI-5, em 1968.
O corpo resistiu aos sangramentos e Marighella ficou preso até o ano seguinte. Em 1966, inconformado com a passividade do PCB frente à Ditadura, tomou enfim a decisão que mudaria (e abreviaria) sua vida: iria fazer a luta armada contra o regime. Logo romperia com o partido e fundaria a Ação Libertadora Nacional (ALN).
De Havana, Cuba, escreveu aos camaradas, em agosto de 1967, com tom de despedida: “Desejo tornar público que minha disposição é lutar revolucionariamente junto com as massas e jamais ficar à espera das regras do jogo político burocrático
convencional que impera na liderança”.
Com a ALN, aquele cinquentão participaria diretamente de assaltos a bancos — com o intuito de financiar a guerrilha — e redigiria panfletos para conscientizar a população. A ALN ficaria mais conhecida por participar do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick — conseguindo, em troca do refém vivo, a libertação de 15 presos políticos.
Em 1968, um ano antes de ser assassinado pelos agentes do delegado Fleury, Carlos Marighella escreveu como seria o Brasil caso seu sonho guerrilheiro derrubasse a Ditadura:
Aboliremos os privilégios e a censura. Estabeleceremos a liberdade de criação e religiosa. Libertaremos todos os presos políticos e eliminaremos a polícia política. Tornaremos efetivo o monopólio estatal das finanças. Confiscaremos a propriedade latifundiária, garantindo títulos de propriedade aos agricultores que trabalhem a terra. Eliminaremos a corrupção. Serão garantidos empregos a todos os trabalhadores. Reformaremos todo o sistema de educação. Daremos expansão à pesquisa científica.”