O dilema em torno dos restos mortais de Hernán Cortés
Aventuras Na História
Em fevereiro de 1519, o explorador espanhol Hernán Cortés marcou seu nome na história pois, partindo de Cuba, foi o primeiro espanhol a chegar ao México, entrando em contato com os maias e os astecas. Foi a partir da conquista do Império Asteca que a colonização espanhola da América foi oficialmente iniciada, culminando na derrota dos astecas em 1521.
Sendo uma figura tão importante na história das Américas, Hernán Cortés foi crucial para tornar o México parte do Vice-Reino da Nova Espanha. Ele faleceu décadas depois, em dezembro de 1547, na Espanha.
No entanto, o destino de seus restos mortais foi uma história bastante conturbada por muito tempo. Entenda!
Segredo do corpo
Toda a história começa em 1946, quando o farmacêutico espanhol Leonardo Gutiérrez-Colomer conheceu o historiador Alberto María Carreño no México. Na ocasião, Alberto lhe revelou que o corpo de Hernán Cortés estava escondido em um nicho na Igreja de Jesús, no centro da capital mexicana — o que era desconhecido pela Espanha.
Conforme repercute o El País, todos os embaixadores espanhóis se envolveram na ocultação dos restos mortais de Hernán Cortés desde a independência mexicana, de 1821, para evitar que eles fossem destruídos devido ao forte sentimento antiespanhol da época. Porém, com o rompimento das relações entre Espanha e México após a Guerra Civil Espanhola, o segredo foi revelado, mas graças ao passar do tempo, ele não foi destruído.
A descoberta culminou na exumação dos supostos restos de Cortés em novembro de 1946, por um grupo de especialistas mexicanos que buscavam verificar se eles eram verdadeiros. Quando abriram o nicho, se depararam com um caixão de cedro que continha uma urna de chumbo, uma urna de vidro e, de fato, o corpo de Cortés.
É descrito que a cabeça do explorador repousava sobre uma almofada, e seu corpo estava coberto por uma mortalha branca, amarrado com uma fita de veludo.
Revelação
Como "lembrança", Carreño deu a Gutiérrez-Colomer pedaços de seda, de vidro quebrado da urna, de chumbo, de renda de Camagüey, um pedaço de fita de veludo preto e um envelope lacrado com um selo prateado com as iniciais AMC (Alberto María Carreño), que continha "pó dos ossos de Hernán Cortés". Mas a doação tinha um objetivo: eventualmente transferir todos os restos históricos para a Espanha.
No entanto, a tarefa nunca foi cumprida por Gutiérrez-Colomer. Ele até tentou entregar as relíquias às autoridades da ditadura de Francisco Franco, mas devido a uma série de questões administrativas acabou desistindo, e as manteve em casa.
Com o passar dos anos, foram passadas de geração em geração, até chegarem aos netos do farmacêutico — Blanca, Mercedes e Leonardo —, que decidiram entregá-los. E mesmo que os restos mortais de Cortés estejam no México, agora as relíquias estavam na Espanha.
Eles então contataram Matilde Muro, presidente da União de Bibliófilos da Extremadura, uma comunidade espanhola, que pediu um encontro com o então primeiro-ministro regional, Guillermo Fernández Vara. "Eles vieram me ver em 2021, me deram uma série de relíquias e um dossiê, incluindo um envelope lacrado. Enviei tudo para o Arquivo Histórico de Cáceres para conferência e pesquisa", escreveu ela no livro 'O Segredo', de 2023.
Quando cientistas e historiadores me confirmaram que tudo estava correto, tornei público. Fiquei preocupado que fosse uma farsa. Na verdade, ninguém na minha administração sabia disso", continua, conforme repercute o El País.
Relíquias roubadas?
Na época do lançamento do livro, as relíquias foram apresentadas em uma entrevista coletiva por Fernández Vara, que concordou com a família que elas ficariam expostas permanentemente na Igreja de San Martín de Medellín, onde o explorador nasceu, com um retrato de Gutiérrez-Colomer.
Porém, isso não aconteceu e agora elas estão mantidas dentro de um cofre no Arquivo Histórico de Cáceres, sem acesso ao público que possa conhecer seu valor histórico.
"Estamos esperando que o governo regional libere os restos mortais. A ideia era transferi-los para Medellín com honras militares e civis, que eles merecem, mas não há apoio de políticos. A apresentação dos restos mortais e do livro foi feita mal, com muita pressa", afirma o cronista Tomás García, presidente da Associação Histórica de Medellín, ao El País.
"É verdade que coincidiu com a formação do governo [regional], mas não é assim que as coisas são feitas. Nem o presidente do Conselho Provincial falou, e eu nem fui convidado. Foi tudo feito às pressas", continua García.
Ele ainda opina que os atuais líderes da região, que são conservadores, têm "medo de serem vistos com [Hernán] Cortés. Não entendo nada. Ele é uma figura histórica fundamental".
Revolta
Já Muro concorda, e ainda sustenta que a exibição das relíquias "representaria a gratidão espanhola ao México pelos exilados que acolheu, mas também a história de cinco séculos atrás, quando Cortés criou um estado, estabeleceu a ordem e impôs regras. Trata-se de destacar vestígios que o México tem vergonha de ter e que a Espanha não queria receber".
O dia em que as relíquias foram tornadas públicas coincidiu com o anúncio de [primeira-ministra regional da Extremadura] María Guardiola da formação de um governo com [o partido de extrema direita] Vox, o que obrigou Vara a mudar de assunto e começar a fazer declarações ali mesmo. A política entrou em cena, como é normal. Mas o ato de apresentação foi silenciado e ninguém prestou atenção", recorda a autora ao El País.
Até agora, porém, as relíquias de Hernán Cortés estão mantidas em um cofre no Arquivo Histórico de Cáceres, e seguem sendo razão de um grande dilema na Espanha.