O que disse Clarice Lispector em entrevista 'perdida' revelada 47 anos depois
Aventuras Na História
A revista americana 'New Yorker" divulgou, na última segunda-feira, 13, uma entrevista inédita com Clarice Lispector, na qual a escritora nascida na Ucrânia tratou acerca de uma série de temas, como a infância e a criação de suas primeiras histórias. A conversa data de outubro de 1976, portanto catorze meses antes da morte da autora.
A entrevista, que possui registro apenas em áudio, foi conduzida por Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant’Anna, ambos escritores, e também pelo então diretor do Museu da Imagem e do Som, João Salgueiro. O texto final foi publicado com o título "A Lost Interview with Clarice Lispector" (Uma entrevista perdida com Clarice Lispector, na tradução livre) e é assinado por Benjamin Moser que também é autor da biografia "Clarice,".
De acordo com o portal de notícias G1, Moser diz na publicação que chegou à entrevista após falar com Tânia Lispector Kaufmann, irmã de Clarice. Eles conversavam sobre uma entrevista enviada a ele em 2006, por Julio Lerner, a última concedida pela escritora. Segundo ele, Tânia não gostava dessa entrevista, uma vez que Clarice aparecia cansada e já perto da morte.
A seguir, confira os temas tratados por Lispector na entrevista recém-publicada.
Chegada ao Brasil e sotaque
Aos entrevistadores, a escritora contou que nasceu em uma aldeia ucraniana em meio a uma fuga de seus pais e que chegou ainda bebê em solo brasileiro.
Cheguei ao Brasil com dois meses de idade. Me chamar de estrangeira é bobagem", disse ela, na ocasião.
Sant'anna então aponta que muitas pessoas pensam que ela é estrangeira devido ao seu sotaque. A escritora então responde: "É por causa do 'R'. Eles acham que é sotaque, mas não é. É língua presa", explicou. "Podia cortar, mas, dizem, é um lugar muito úmido, dificilmente cicatriza."
Infância pobre
Clarice Lispector também comentou que não tinha consciência de que era pobre quando criança. "Não faz muito tempo, eu perguntei a Elisa, minha irmã mais velha, se a gente algum dia passou fome. Ela disse 'quase'. Porque tinha, no Recife, numa praça, um homem que vendia uma laranjada na qual a laranja tinha passado longe, tudo aguado, e um pedaço de pão. Isso era nosso almoço."
Primeiras histórias
A autora declarou que, assim que aprendeu a ler, "devorou" os livros. Ela também contou que enviou suas primeiras histórias para o jornal "Diário de Pernambuco", para a seção infantil publicada às quintas-feiras. Porém suas obras jamais foram publicadas.
"Eu me cansei de enviar minhas histórias, mas elas nunca as publicaram, e eu sabia por quê. Porque os outros começavam assim: 'Era uma vez, etc, etc'. E os meus eram sensações."
A primeira publicação de Clarice se deu na revista "Vamos Lêr!", quando ela tinha cerca de 15 anos de idade. "Eu sou tímida e arrojada. Eu sou tímida, mas me lanço", disse ela ao comentar sobre o tema. Mais tarde, a escritora viria a trabalhar nos jornais "A Noite" e "Diário da Tarde" e também na revista "Senhor".
'Não releio'
Por fim, Lispector falou sobre a sua produção, em especial seu primeiro livro, "Perto do coração selvagem", além de "A cidade sitiada", que ela considerou a sua obra mais densa, e "A paixão segundo G.H." Ela disse aos entrevistadores que não tinha o costume de reler seus textos após publicados.
Eu não releio. Isso me dá nauseas. Quando está publicado, é como um livro morto. Eu não quero mais ouvir falar dele", declarou a autora.
Eu leio, eu acho estranho, eu acho ruim, e é por isso que eu não leio. Eu também não leio traduções que eles fazem dos meus livros para não me irritar."