O que levou o Bayer de Munique a usar a suástica em seu escudo?
Aventuras Na História
Supremacia! Dependendo do contexto, o substantivo pode ser entendido de diferentes formas na Alemanha. No âmbito histórico, ele remete a um dos períodos mais sombrios da humanidade: o Holocausto. Já no esporte, pode ser associado ao Bayern de Munique.
Afinal, na última década, o time da Baviera conquistou os dez títulos nacionais que disputou. Nenhum outro clube das principais ligas europeias foi capaz de conseguir tal êxito. Mas as ligações entre esses dois assuntos vai muito além de uma palavra. Se hoje o Bayer de Munique sobra na Alemanha, durante o regime nazista o time foi perseguido e virou resistência.
A gloriosa história dos Bávaros remete muito antes de seus tempos áureos. O fato é que nenhum título em sua extensa galeria de troféus se compara ao papel do time na Segunda Guerra Mundial. Enquanto muitos se orgulham por uma estrela no peito, o Bayer se vangloria por se opor a Hitler.
Jundenklub
É impossível entender a história do Bayern de Munique sem saber quem foi Kurt Landauer. Mas vamos por partes. No início do século passado, o futebol ainda era algo embrionário na Alemanha, muito aquém da atual realidade da Bundesliga.
Em 27 de fevereiro de 1900, dez jogadores do MTV 1879 estavam cansados das condições pelas quais tinham de atuar. Após uma reunião, decidiram fundar seu próprio clube: o Schwabinger Bayern — mais tarde renomeado para FC Bayern München. A ata de fundação do clube conta com a assinatura de 17 signatários, sendo dois deles judeus.
No ano seguinte, o judeu Kurt Landauer se tornou jogador do clube. Goleiro sem muita técnica, se destacou pelo seu espírito de liderança. Naquela época, o futebol era visto como uma prática relacionada aos pobres. Mas Kurt não ligava, ele amava praticá-lo. Ele amava o Bayern.
Placa em homenagem a Kurt Landauer no Allianz Arena/ Crédito: Flocci Nivis via Wikimedia Commons
Com um número cada vez maior de judeus no alto escalão do clube, Kurt foi eleito presidente do Bayern em 1913 — doze anos após seu ingresso na instituição. A cultura dos Bávaros naquela época também se destacava por sembre buscar contratar técnicos de origem judaica, como Richard Dombi — o que levou o Bayer a ser tratado, posteriormente, pela alcunha pejorativa de ‘Jundenklub’ (Clube de Judeus).
O mandato de Landauer não durou muito. Quando a Primeira Guerra eclodiu, em julho de 1914, Kurt foi convocado pelo Exército. Ao cumpriu seu dever militar com honrarias, recebeu a condecoração da Cruz de Ferro pelos seus serviços. Não demorou muito a voltar à presidência do clube, reporta o The Times of Israel.
Árduo defensor da profissionalização do futebol (até então visto como uma atividade amadora), Landauer também passou a apostar no recrutamento de jovens talentos. Nascia ali uma base consolidada até hoje pelos Bávaros.
Com um certo entendimento financeiro, o Bayern se estruturou da forma que era possível e conquistou dois títulos regionais nos anos seguintes, o que o levou a disputar o campeonato nacional. Em 1932, se tornou campeão do país pela primeira vez ao vencer o Eintracht Franfurt por 3x2. O clube de Munique passou a ser visto como o time do futuro.
Mas tudo mudou em 1933, após Adolf Hitler ser nomeado chanceler da Alemanha em 29 de janeiro. Uma de suas medidas iniciais foi passar a controlar todas as instituições desportivas e sociais do país.
Em junho do mesmo ano, Bernhardt Rust, ministro da educação, promulgou um pacote de medidas que expulsava todo membro da comunidade judaica de qualquer instituição estatal, desportiva ou educativa na Alemanha. Com a perseguição aos judeus, o presidente do Bayern de Munique se tornou um alvo certo. Mas o clube resistiu e fez de tudo para protegê-lo até o último instante.
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Em 9 de novembro de 1938, as forças paramilitares alemãs da SA colocaram em prática o pogrom conhecido como Kristallnacht — A Noite dos Cristais —, quando estabelecimentos, edifícios e sinagogas judaicas foram invadidas e vandalizadas.
No dia seguinte, relembra o portal português Sol, Kurt Landauer foi levado para o campo de concentração de Dachau. Por lá, ficou 33 dias, sendo liberado inusitadamente — provavelmente por conta de seu papel durante a guerra passada.
Em 1939, Kurt se refugiou na Suíça. Foi quando o Bayern se agigantou. Dirigentes, técnicos e jogadores deixaram claro: embora o presidente judeu tenha deixado seu papel dentro da instituição, ele ainda era o líder ideológico da equipe da Baviera.
O escudo com a suástica
A desobediência civil do Bayern de Munique causou a ira de Hitler. Após o envio de Landauer para Dachau, o Reich ainda aplicou diversas sanções aos Bávaros — e por pouco o clube acabou não deixando de existir.
A principal chaga na história do Bayern aconteceu durante sete anos, entre 1938 e 1945, o governo exigiu que o clube adotasse a suástica em seu escudo. Segundo o UOL, a prática não foi comum nem em outros clubes ligados ao führer. A medida seria uma forma de humilhação.
Mas isso só reforçou o viés de resistência do clube de Munique. Em 1934, aponta artigo do Ludopédio, jogadores do clube se envolveram em conflito com os camisa marrons, grupo paramilitar nazista.
Durante as Olimpíadas de Berlim, em 1936, por sua vez, o jogador Willy Simetsreiter deixou o Reich esbaforido ao tirar fotos com Jesse Owens. Já o zagueiro campeão mundial, Sigmund Haringer, quase acabou preso após classificar um desfile de bandeiras nazistas como um “teatro infantil”.
Em 1940, o clube foi além. Já esfacelado, o Bayern organizou um amistoso na Suíça. Kurt Landauer esteve presente no estádio e foi reverenciado pelos jogadores durante minutos. No intervalo da partida, aponta o Observatório Racial do Futebol, a Gestapo invadiu o vestiário e ameaçou levar os atletas a um campo de concentração caso o gesto de repetisse.
Dois anos depois, o capitão do time, Conrad Heidkamp escondeu o troféu mais valioso do clube para não deixá-lo cair na mão da Gestapo. A ideia do grupo seria derretê-lo para usar o ouro para comprar armamentos melhores para o front.
Quando os nazistas perderam a Guerra, o Bayern de Munique mandou publicar nos noticiários uma nota de congratulação ao Exército Aliado. Em junho de 1947, Landauer voltou à Monique e reassumiu a presidência do Bayern dois meses depois — cargo que exerceu até 1951.
Com uma grave crise econômica, o time de Munique passou a fazer excursões em troca de comida. O time chegou a ser rebaixado várias vezes e até mesmo foi lanterna da liga estadual da Bavária.
Em 1964, nove atletas tiveram que deixar o Bayer de Munique por questões financeiras. O clube optou por apostar suas fichas em dois jovens de 18 anos: Gerd Müller, contratado 2 mil euros, e Franz Beckenbauer.
Sepp Maier, Franz Beckenbauer e Gerd Muller/ Crédito: Bundesarchiv via Wikimedia Commons
O primeiro é considerado o maior centro-avante da história do futebol europeu. Primeiro colocado na lista de artilheiros da história do Bayern de Munique, Müller foi por muito tempo o maior artilheiro da história da Copa do Mundo com 14 gols.
O segundo, apelidado de Kaiser, é considerado por muitos como um dos maiores defensores da história do futebol mundial. Campeão da Copa do Mundo de 1974 junto de Müller, Beckenbauer ainda conquistou um mundial como técnico em 1990, além de ser presidente do Bayern de Munique por 15 anos.
Por fim, vale ressaltar que, embora Kurt Landauer tenha sobrevivido ao Holocausto, sua família foi perseguida pelo Reich — sendo que quatro de seus irmãos foram executados em câmaras de gás. Segundo o Bundesleague Insider, 63 atletas do Bayer de Munique foram mortos durante o Terceiro Reich, sendo 56 deles em campos de guerra.