Os detalhes dos importantes conflitos alemães na África
Aventuras Na História
Querido(a) leitor(a) que me acompanha por aqui, como você deve saber, este autor, um entusiasta de história militar, sempre se dispõe a atender às demandas dos que leem esta coluna. As referências para minhas redes sociais estão no rodapé da página e, frequentemente, recebo mensagens de apoio ao trabalho e perguntas sobre temas específicos.
Esta é a maior satisfação para um escritor: o contato com seu público. Por isso, sempre que possível, busco atender aos pedidos contando episódios peculiares sobre as guerras. Neste mês de abril, trago uma dessas histórias: a guerra travada pela Alemanha na África. Ou seriam as guerras?
A pergunta que recebi foi sobre proxy wars (guerras por procuração) – os combates indiretos entre capitalistas e comunistas – na Guerra Fria. Ao invés de focar nos mais famosos, como o próprio Vietnã (1965-1975) ou o Afeganistão Soviético (1979-1989), decidi trazer este episódio esquecido da história das guerras, que conta a participação da Alemanha Oriental nas guerras de independência na África.
Os feitos do Afrika Korps, as tropas do marechal Rommel durante a Segunda Guerra Mundial, já são mais que conhecidos – tendo sido, inclusive, tema desta coluna há algum tempo –, mas poucos sabem que, anos após o fim do conflito, os alemães se viram novamente envolvidos em guerras no continente africano.
Alemanha Incomum
Só que a Alemanha que lutou na África era outra: a parte comunista do país dividido pelas potências Aliadas, a República Democrática Alemã, ou simplesmente, DDR. Dentro do Bloco Comunista, popularizado pela expressão cunhada por Winston Churchill, “Cortina de Ferro”, a DDR era (depois da Rússia Soviética), o país que contava com melhores indicadores socioeconômicos – e também com as melhores Forças Armadas.
Tentando manter sua independência em relação a Moscou, os dirigentes da Alemanha Oriental se empenharam fortemente em espalhar a sua visão do socialismo perante o mundo dividido pela bipolaridade da Guerra Fria. Mandaram conselheiros para a China, Coreia do Norte e Malásia, além das Américas, especialmente para Cuba e Chile (antes do Golpe de Pinochet), e África, onde conseguiram os melhores resultados.
Eram os anos 1960 e 1970, e o continente africano era um barril de pólvora explodindo com incontáveis conflitos de independência e civis. A Guerra Fria era pano de fundo para tudo, pois os Estados Unidos apoiavam as antigas potências coloniais europeias. Apesar dos ideais de liberdade e democracia prometidos pelo Ocidente, havia o receio de que, uma vez nações independentes, os países africanos seriam “atraídos pelos ideais marxistas”. Estes, por sua vez, de fato viam com melhores olhos o sistema político de Moscou do que o de Washington.
E é justamente aqui que entra a Alemanha Oriental, pois a DDR se firmava como um fiel da balança. O antigo Império Alemão fora também uma potência colonial, mas com sua dissolução ao final da Grande Guerra (1918), a Alemanha perdera suas colônias.
Discurso potente
Com um discurso reparador, a DDR trazia o que havia de mais avançado para os países africanos que começavam a se libertar Dentro do “ideal internacional de solidariedade socialista”, médicos, engenheiros, agrônomos e tantos outros profissionais foram enviados para países como Angola, Moçambique e Etiópia. Além desses, diversos “conselheiros militares” foram encaminhados para a África.
O Nationale Volksarmee (NVA), as Forças Armadas da Alemanha Oriental, era o melhor corpo de combate do Pacto de Varsóvia, rivalizando apenas com o próprio Exército Vermelho. Segundo os arquivos que vieram a público após a queda do Muro de Berlim (1989), estima-se que entre 5 a 10 mil militares do NVA tenham sido enviados para a o continente africano.
Ao contrário, por exemplo, dos cubanos – que viram pesados combates em Angola –, oficialmente não há registros de envolvimento do NVA em batalhas. Entretanto, estiveram presentes nos conflitos em Angola; na guerra de libertação de Moçambique – a pedido do próprio Samora Machel, o líder da revolução – e principalmente na Rodésia (atual Zimbábue).
Combates difíceis
Este último é um caso complicado, pois os combates lá foram duros envolveram desde mercenários sul-africanos, passando por ex-comandos americanos, veteranos do Vietnã, de um lado, até guerrilheiros locais, treinados pelos vietcongues com apoio soviético e da NVA, do outro – episódio que merece ser contado em outra oportunidade desta coluna.
Fato é que, para além de todo o apoio técnico e, em alguns casos, de ter montado governos inteiros na África, a DDR se viu envolvida em diversos conflitos no continente. Em alguns casos, a autonomia que o país detinha era tamanha, que os alemães orientais faziam tudo sem o conhecimento soviético. O envolvimento da Alemanha Oriental na África só acabou com a queda do Muro de Berlim (1989) e a reunificação da Alemanha (1990).
Mas a influência perdura até hoje. Várias figuras políticas do continente foram formadas nas excelentes universidades da Alemanha Oriental e, em alguns casos, lutaram ombro a ombro com os alemães. Assim sendo, passados mais de 30 anos do fim da Guerra Fria, não é apenas na Europa que seus ecos podem ser ouvidos.