Pânico na Inglaterra: Quando os navios do Brasil se tornaram “prioridade de segurança nacional”
Aventuras Na História
Em 1908 os congressistas britânicos estavam intrigados com uma situação peculiar, que tratavam como “prioridade de segurança nacional”. Era um assunto afeito à Marinha de Guerra. A preocupação era tanta que fizeram questionamentos oficiais ao Almirantado Britânico.
Para todos, a resposta era que nada havia para se preocupar, porém, as inquietações não diminuíam. E uma sentença era recorrente: “Os navios do Brasil”. Pode soar estranho que a Câmara dos Comuns se preocupasse tanto com os navios de um país a milhares de milhas náuticas, tido como aliado, mas, para o Parlamento, a inquietação não era infundada.
Os navios do Brasil
Desde 1905, estava sendo construída, em estaleiros britânicos, uma série de navios para reequipar a Marinha de Guerra do Brasil. Mas, em 1907, o governo brasileiro solicitou um incremento ao projeto, dando início às preocupações dos ingleses. Era começo do século 20, enquanto nas Américas nações independentes se firmavam e os EUA se consolidavam como potência, a Europa expandia seus domínios sobre África e Ásia.
No Brasil, mesmo pregando o “caráter pacífico” da nova república, muitos chefes políticos não escondiam a preocupação com o estado lastimável da força naval. Em uma jovem democracia, a recomposição da armada se fazia essencial, não por interesses bélicos, mas para salvaguardar a nação de possíveis agressões externas. Na “Era dos Impérios”, a corrida armamentista não era apenas das grandes potências, era uma realidade na América do Sul.
Desde a década de 1880, a Argentina e o Chile competiam pela supremacia naval sul-americana. E com orçamentos militares crescentes, começavam a alarmar o Brasil. A Marinha Brasileira, outrora uma das maiores do mundo, consagrada em Riachuelo, encontrava-se em estado calamitoso desde o episódio conhecido como “Revolta da Armada”, onde se insurgira contra o então presidente, Floriano Peixoto.
Para reverter esse quadro, foi elaborado um plano de reorganização naval, aprovado em 1904 pelo Legislativo brasileiro, culminando com a encomenda dos “mais modernos vasos de guerra à Inglaterra”. Porém, em 1906, o plano sofreu uma reviravolta.
Frente aos progressos navais do Império Alemão, a Royal Navy lançou o HMS Dreadnought, um tipo de canhão pesado considerado “revolucionário e à frente de seu tempo”. Com isso, e sabendo da importância do tipo de canhão na vitória naval japonesa contra o Império Russo, em Tsushima, o Brasil cancelou a compra anterior e encomendou três dreadnoughts.
Não fosse apenas o custo, a quantidade de navios chamou a atenção. A própria Inglaterra tinha só um. De Santiago a Berlim, de Washington a Tóquio, todos
estavam intrigados com “os navios do Brasil”. Especulou-se que o país seria o intermediário de uma grande potência. Em Londres, o Parlamento se inquietou.
Já em Buenos Aires, foi decidido que também teriam seus dreadnoughts, encomendando dois à Inglaterra, acirrando a corrida armamentista no Cone Sul. Quando os dois primeiros navios ficaram prontos, em 1910 – recebendo a designação de Classe Minas Geraes – os problemas econômicos haviam se intensificado, muito pelo declínio do ciclo da borracha.
Não conseguindo cancelar o terceiro navio, o Brasil vendeu-o, em 1911, para o Império Turco-Otomano. Em 1914, “os navios do Brasil” já não eram preocupação e a I Guerra Mundial havia começado, tendo sido, este último, incorporado à frota inglesa. A Turquia, agora, estava do outro lado. Os dreadnoughts eram apenas uma pequena parte de uma “Grande Guerra”.
Ricardo Lobato é Sociólogo e Mestre em economia pela UNB, Oficial da Reserva do Exército brasileiro e Consultor-chefe de Política e estratégia da Equibrium — Consultoria, Assessoria e Pesquisa.
**Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Aventuras na História