Sunday Bloody Sunday: a tragédia que inspirou música do U2
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"Essa música não é uma música de rebeldia". É dessa forma que o vocalista Bono Vox introduz a versão ao vivo de uma das músicas mais tocadas pelo grupo irlandês de rock U2. "Essa música será cantada onde quer que haja fãs de rock".
Lançada como faixa do álbum War, de 1983, Sunday Bloody Sunday é considerada pela revista britânica New Statesman como uma das 'Top 20' canções políticas de todos os tempos da história da música.
Conhecida por sua harmonia melancólica com uma batida militarista, Sunday Bloody Sunday descreve o horror de um trágico episódio que marcou a Irlanda do Norte em janeiro de 1972: O Domingo Sangrento.
“Foi um dia que fez com que o conflito entre as duas comunidades na Irlanda do Norte – nacionalista católico e unionista protestante – crescesse em outra dimensão: todo irlandês consciente naquele dia tem uma imagem mental de Edward Daly, mais tarde bispo de Derry, segurando um lenço manchado de sangue enquanto cuidava valentemente dos feridos e moribundos”, afirmou Bono sobre o massacre, como repercutido em um artigo da Rolling Stone que fala sobre a inspiração para a música.
O Domingo Sangrento
Embora seja uma nação constituinte do Reino Unido, a maioria da população da Irlanda do Norte é formada por católicos — que, tradicionalmente, enxergam como favorável uma união com a República da Irlanda.
No final da década de 1960, os católicos passaram a lutar por direitos e oportunidades iguais a dos protestantes. Aqueles que defendias a integração com o Reino Unido, chamados de unionistas, passaram a ver com ameaças o predomínio protestante no país.
Logo, a tensão se converteu em violência. Em resposta, o governo britânico decidiu colocar suas tropas em ação em 1969. Em agosto de 1971, o governo se tornou ainda mais rígido no controle do país. Conforme aponta a BBC, aquela altura, grupos paramilitares se tornaram ainda mais agressivos, tanto os leais ao Reino Unido quando os republicanos.
Com o aumento dos casos de violência e ataques a bombas, o governo britânico optou pelo autoritarismo para restaurar a ordem. Para isso, implantou leis que permitiam manter as pessoas presas mesmo que elas não tivessem sido julgadas.
Em 30 de janeiro de 1972, seis meses depois, a Associação de Direitos Civis da Irlanda do Norte promoveu uma manifestação para protestar contra a medida. Cerca de 15 mil pessoas participaram dos protestos.
Por volta das 15 horas, do horário local, num domingo, os manifestantes se reuniram na região de Creggan, em Derry, e partiram com destino ao centro da cidade. A passeata pela luta dos direitos civis, porém, havia sido proibida pelo governo, que mobilizou tropas para intervir.
O Exército bloqueou vias e fez com que a marcha seguisse para Free Derry Corner, em Bogside. No caminho, embates aconteceram entre o Exército e grupos isolados de jovens. Com isso, soldados do Regimento de Paraquedistas passaram a prender manifestantes.
Cerca de uma hora após o início da marca, pedras foram lançadas contra os soldados, que responderam com canhões de água, balas de borracha e gás lacrimogêneo. Duas pessoas foram atingidas e ficaram feridas. Às 16h07, as prisões ficaram mais abundantes.
Três minutos depois, o Exército abriu fogo contra os manifestantes. A BBC aponta que evidências mostram de 21 soldados descarregaram 108 balas de verdade contra os civis. Treze pessoas morrerem, algumas delas menores de idade, e outras 15 ficaram feridas.
As mortes geraram uma revolta ainda maior, o que fez com que a Embaixada Britânica em Dublin fosse incendiada. No dia seguinte ao Domingo Sangrenta, o governo britânico anunciou que um inquérito seria iniciado para apurar o episódio. Lorde Widgery, presidente do Supremo Tribunal, inocentou todos os soldados.
Em 1998, o premiê britânico Tony Blair anunciou a abertura de um novo inquérito, que custou 200 milhões de euros e só foi finalizado em 2010. O documento apontou que nenhuma das vítimas apresentava ameaça para os soldados ou cometeram atos que justificassem os disparos.
Após a divulgação do relatório, o Departamento de Polícia da Irlanda do Norte (PSNI) abriu uma investigação para punir os culpados. A conclusão só foi anunciado no final de 2016 por um dossiê apresentado pelo Ministério Público.
Nele, os promotores anunciaram o indiciamento de um soldado, identificado como F, pela morte de duas vítimas e pela tentativa de assassinato de outras quatro, reportou a BBC. Mas, em julho de 2021, o mesmo Ministério Público, após "consideração cuidadosa", anunciou que o soldado F não seria julgado.
A deliberação foi feita após outra recente decisão judicial, que considerou as acusações usadas contra outros soldados, A e C, pela morte de Joe McCann, como inadmissíveis devido às circunstâncias em que as provas foram obtidas. Agora, a decisão é alvo de uma revisão judicial pedida por um irmão de uma das vítimas do Domingo Sangrento, mesmo após mais de cinco décadas do brutal episódio.